terça-feira, 21 de abril de 2009

Os crimes do ABC

Vivemos numa sociedade criminal, de impunidade geral, onde imperam a Ambição, a Bajulice e a Cunha para melhor realização pessoal. Mas podíamos percorrer o alfabeto quanto a realizações, sem olvidar a Trafulhice, a Vanidade e tudo o mais de que é capaz a falta de moral, que se contesta hoje, como todos os mais valores. Até mesmo a ponderação. Fiquemo-nos com a Agatha Christie, e lembremos ainda o La Fontaine, na questão de uma sociedade de animais, onde o leão, o lobo e a raposa são actores principais.
Essa fábula aplica-se aos cortesãos, que roem na pele alheia quando estão junto dos reis: Um Leão decrépito quis rejuvenescer e mandou vir médicos do mundo inteiro para tal efeito. Só a Raposa se escusou, e o Lobo aproveitou para a desconsiderar perante o Rei Leão, que, furioso, a Raposa mandou chamar, decerto que para a tramar. Esta compareceu em jeito de grande humildade e devoção, afirmando ter estado a rezar pela saúde do seu rei e que trazia o unguento para o mal real – o mal da frialdade que a velhice provocara, só curável com a pele do Lobo, esfolado vivo, para cobrir o corpo do velho Senhor da Selva. E o Leão, de pôr em prática a sugestão.
La Fontaine conclui a história aconselhando seriamente os cortesãos a fazerem a corte sem se destruirem mutuamente, porque “o mal lhes será retribuído pelo quádruplo do bem” acrescentando que estão num cargo onde “ninguém perdoa a ninguém”, como se viu por este exemplo de escalpe total em jeito de vingança pessoal.
Já, portanto, assim era, no tempo dos cortesãos. Para nós, em que as cortes passaram de moda, só podemos usar o termo em tom figurativo. Mas as mesmas artes e manhas que imperavam nesse tempo florescem pujantemente no nosso, de corrupção denunciando ambições, bajulices, proteccionismos, traições, mas em que parece já não haver um retorno que nos garanta estabilidade moral e material.
Só se garante o escalpe, o Mal pelo quádruplo do Bem. E a impunidade.

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