sexta-feira, 3 de abril de 2009

Esponjas

Vivemos na peste.
Não como as personagens do Camus, no romance simbólico da resistência ao absurdo do universo monstruosamente totalitário que constituiu a guerra hitleriana, e simbólico também da absurda condição humana sujeita à sua finitude, como às suas rotinas. As nossas rotinas são outras, diferentes da peste bubónica que deflagra em Oran, após a progressiva descoberta de ratos mortos infestando os espaços da cidade, com as suas tragédias das mortes, da dedicação solidária de alguns, do egoísmo momentâneo de outros, do encerramento da cidade e a claustrofobia, da visão fundamentalista do castigo divino ao ateísmo e aos vícios dos homens, do sofrimento de todos.
Não tem essa dignidade a nossa peste. Trata-se de um estranho manto geral de perversão, de cupidez, de despojamento de valores, de egoísmos perfeitos, de perspicácias de alguns, de faltas de honra, de esbanjamentos megalómanos, de destruição da pátria e da língua, de fraudes e roubos descontrolados, de despudores, de bandalheiras sem fim, de continuidade na idiotia geral, na qual me incluo....
Não tem dignidade a nossa peste. E quando supúnhamos que os castigos aí vinham para os responsáveis que roubaram e se aproveitaram da burrice alheia, e destruíram a pátria e a língua pátria, e foram causadores do mal-estar de quem perdeu emprego, quando pensávamos que era o finis patriae fatal, eis que surge a varinha mágica da nova injecção de fundos, agora dos muitos povos grados, para salvar as pátrias em risco.
Mas não são as pátrias em risco que se vão salvar. Porque a injecção de fundos, quando muito, cobrirá de esmolas os pobres, e são muitos os pobres agora, a viver dos parcos subsídios estatais.
Porque a injecção de fundos vai sobretudo para os que roubaram antes e não são responsabilizados por isso, esponjas absorventes que enrolam as sociedades nos seus esquemas fraudulentos, indefinidamente, e nunca são castigados nem obrigados a devolver o que furtaram. As pátrias continuarão em risco. Sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sempre podemos mudar para Mátrias e depois Frátrias. Enquanto há vida...
Paula, sem muita esperança