terça-feira, 28 de abril de 2009

“O rosto com que fita”

Fernando Pessoa era um amante extremoso da sua pátria, mau grado a sua educação inglesa, que poderia induzi-lo a olhar Portugal com a altivez distante dos povos que nos são indiscutivelmente superiores. O considerar Portugal o “rosto com que fita”, de uma “Europa” que “jaz, posta nos cotovelos” – o “esquerdo” da Itália “onde é pousado”, correndo toda a “bota” da sua origem, o “direito” da Inglaterra, este, “em ângulo disposto” afastado da mão em que se apoia o tal rosto português que fita o “Ocidente, futuro do passado” – Ocidente resultante da glória descobridora em que Portugal se envolveu primeiro – tal definição, poeticamente concisa, da localização portuguesa, é prova de um nobre espírito patriótico, em homenagem de amor com que inicia a sua “Mensagem”.
Já Camões o fizera, igualmente com profundo orgulho nacionalista, em amplo descritivo do erudito Gama, contendo referências às linhas imaginárias limítrofes da “soberba Europa” e aos mares circundantes, para, após ter percorrido os povos nela inscritos, de passagem pela “nobre Espanha, / Como cabeça ali da Europa toda”, terminar pelo “Eis aqui, quase cume da cabeça / De Europa toda, o Reino Lusitano, / Onde a Terra se acaba e o mar começa”, identificado aquele, seguidamente, com “a ditosa pátria minha amada”.
Ambos amaram a pátria, e o demonstraram, tanto Camões como o “Super-Camões”, com o engenho e o génio de expoentes literários cimeiros. Mas não foram apenas grandes génios artísticos. Porque foram grandes também nos grandes sentimentos – e o amor pátrio é um grande sentimento. Que todos os povos manifestam, sem se envergonharem de o defender, de respeitar o terreno que herdaram dos seus antepassados.
Houve, porém, e há, seres superiores que desdenham os afectos patrióticos reveladores de tacanhez. Cidadãos do mundo se consideram, amantes, sim, dos povos desprovidos dos direitos às suas terras, navegando nas doutrinas da sua erudição, que acima de tudo lhes dão projecção, na realidade sem amor por nada nem por ninguém, a não ser por si próprios.
Salazar, além de grande pensador, foi um homem que amou a herança que desejou defender contra a falácia das tais doutrinas. Sem poesia. Mas da mesma forma sentida que os poetas geniais evocados.

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