quarta-feira, 22 de abril de 2009

O queijo

Uma raposa esfomeada viu nas águas de um poço a lua reflectida. Lua grande, tentadora, que ela julgou ser um queijo que a fome lhe saciaria. Para o balde cimeiro saltou, suspenso da corda com que o dono do poço a água extraía, e assim no poço caiu. Molhada, enregelada, logo do erro se apercebeu, apenas reflexo da lua e não queijo o que encontrou.
Podia ter aceitado o seu destino deixando-se morrer afogada, mas, uma vez mais, se portou à altura da matreirice que sempre a denunciou, como La Fontaine escreveu. Esperou, esperou, a lua minguou, até que o lobo apareceu. Para o repasto do queijo a raposa o convidou:
Compadre lobo, salte para o balde, venha comer o queijo antes que eu com ele acabe”. E o lobo, ingénuo que era, apesar de malvado e às malandrices da raposa já habituado, pois confiou. Para o outro balde cimeiro saltou e assim desceu, desceu, enquanto a comadre raposa avante passou, de papo cheio, segundo lhe pareceu, quando com ela se cruzou, reduzido o queijo a quarto minguante.
Era a vez do lobo se desenrascar, mas na questão da astúcia com a raposa não se poderia equipar. O mais certo é que se deixasse afogar. Por solidariedade, podemos duvidar.
Andamos todos a tentar o queijo apanhar. Mas não tenhamos dúvidas de que, num balde ou noutro, vamos todos, pelo queijo, no poço cair. Mesmo as humanas raposas se deixam enganar. E ainda que chegue a vez delas de um incauto humano lobo atrair, dificilmente poderão a fome saciar, na Terra queimada por gente só forte no destruir, sempre mais fácil, compreensivelmente, do que o construir, que exige cálculo mental, actualmente quase inexistente.
Há quem possa fugir. Sempre houve quem fugisse e assim até construísse. Impérios, civilizações, terrenos amados por quem os amou...
Hoje, isso acabou. Outro rumo haveria a tomar, mas o rumo de agora é só brincar, divertir, destruir, sem cálculo mental e sem preocupação pelo devir.
Juízo Final? O Apocalipse? Quem o dissesse! E outro Cristo, ou mesmo o mesmo, ressuscitasse, que nos safasse...

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