quinta-feira, 2 de abril de 2009

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A hora é de peste. Convém reler a fábula “Os animais doentes de peste” do implacável La Fontaine.
Terrível peste foi essa que grassou entre os animais, os quais, por consequência, deixaram de lutar por sua sobrevivência. Deixaram de se perseguir em função do comer e do amar. Como é dia 1 de abril, podemos acreditar.
E assim foram esmorecendo os pobres animais. Mas o leão generoso e valente, com um cargo plenipotenciário, achou que se devia sacrificar, confessando os seus pecados, para obter a benevolência dos Céus. Porque os animais também crêem em Deus. Falou, pois, dos carneiros que comera e até o pastor deles que não poupara. Estava pronto, assim, a dar a vida, em expressão magoada, para obter o fim da peste, embora achasse que outros havia que mais do que ele pecasse, Tartufo modesto e zeloso de uma justiça efectiva na sua monarquia.
Outros animais se confessaram, o cão, o tigre, o urso e tantas outras potências das habituadas às reverências. É dia 1 de abril, podemos acreditar.
Mas a raposa, sempre certeira, a todos elogiou pela magnanimidade das confissões e insignificância dos seus pecados de glutões, considerando com cortesia que outros pecadores haveria de maior relevância.
Vai o burro, que nunca deixou de o ser, lembrou que um dia, esfomeado, tasquinhara um prado inteiro de erva irresistível e bem se arrependia agora da tentação em que caíra naquela hora.
E todos que o apoiam em grande alarido na humilde auto-acusação de que só um burro é capaz. Tão horrendo delito da sua própria confissão só podia merecer a morte e até a flagelação, pois um prado inteiro é bem maior do que um carneiro! Crime imperdoável, de verdade! Sacrifique-se o burro para que os Céus devolvam a saúde aos outros animais, que, embora todos eles mortais, preferem protelar coisa tão fatal, ainda que outrem espezinhando, com menos culpa real.
Mas as confissões de auto-acusação do leão e cortesãos foi farsa do 1 de abril, que já passou. De tudo isso só a memória do burro ficou.

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