terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mia Couto, um inteligente fabricador de mitos “deslinguísticos”

Ele um dia pensou:
“Vou desrevelar o meu povo, o povo a que eu despertenço, vou criar um universo de anedotário poético, vou desapontar sofrimento, e ansiedade e grotesco, vou destrancar malvadezas dos homens que pilharam as terras e as subjugaram com cruelvadez, vou mitificar um universo de risota e dor, vou mostrar toda a minha empatia, vou seguir na esteira de Gabriel Garcia Marquez na mitificação, Vergílio Ferreira e outros, talvez franceses, na desconstrução verbal do estilo “nouveau roman”, vou ser astuto e subtil e inteligente, como poeta, como prosador, como linguista. E serei célebre.”
E todos os que o leram e lêem, abrem os olhos de espanto, as bocas de riso, as almas de encanto.
Pela originalidade, sim, do discurso de alianças verbais e semânticas, ou de incorrecções gramaticais que, traduzindo influências lusófonas, insidiosamente pretende troçar dessa lusofonia que os portugueses não conseguiram promover totalmente nas terras que lhes pertenceram por direitos de descoberta e de conquista.
Como fizeram outrora, Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos, Visigodos, Árabes, nas invasões progressivas aos solos distantes das suas pátrias, levando comércio e criando civilização nessa Península Ibérica que também o foi da gente lusa.
Mia Couto sabe que pode torpedear esses aventureiros lusos de outrora, pois encontrou campo aberto, no solo nacional dos lusos de agora, para o acolher com ternura, na concordância com os ódios anticolonialiatas, e com os afectos africanistas.
Sendo branco de coloração, a desempatia pelo branco da colonização é claramente sugerida na meigice arteira com que descobre a raça negra da sujeição, e da altivez também e da revolta. Também no grotesco da caricatura, e na poeticidade dos seus vários mitos.
E tudo isso lhe fornece prémios. E fama. Talvez merecidos.
Mas o encanto e a admiração que sinto, transforma-se em desprezo. Pelo simples facto da sua coloração exterior branca.
Fosse ela negra e admiraria as capacidades indiscutíveis da imaginação e do discurso, Viriato moderno no ataque ao intruso “Romano”.
Assim, sinto o desprezo pela traição aos da sua raça.

6 comentários:

Ricardo disse...

Está certo. Toda a pessoa está no direito de sentir e dizer de sua justiça. O texto até é muito actual, pois acaba de dar à estampa o livro, do mesmo autor, que penso adquirir logo que possa, "Jesusalém" - repare-se na semelhança com Jerusalém. A tua opinião, no entanto, está de há muito formada. O teu artigo poderia ter saído já há bués, maningue tempo. Lembro-me de, em África, utilizarmos frequentemente os termos locais. E nem era só das muletas que nos socorríamos, falando muitas vezes em dialecto para acarinhar ou "xingar". Se não desconstruímos o português então, também não o iremos fazer agora, numa altura em que a juventude lusitana acha que pode, ela própria, desconstruir o léxico a seu bel-prazer, utilizando os telemóveis e os computadores pessoais para o efeito, difundindo as suas mensagens despretigiantes para todo o mundo. Será isto menos grave do que ler um livro de Mia Couto que, com o seu "desportuguês" nos conta histórias maravilhosas, estórias de gente que conosco conviveu, que nos habituámos a respeitar, e a que só tem acesso quem o quer ler? Não haverá aí um cheirinho de mágoa por uma antiga revolução?
O Mia Couto... sinto uma grande empatia com esse fruto de uma terra que passou por uma guerra de quase quarenta anos (à da independência sucedeu uma outra), pela destruição e pela desconstrução, um branco que vai, à sua maneira, reconstruindo, ajudando a que o português não seja substituído por outra língua menor, demonstrando uma coragem enorme e um respeito pelas suas origens.

Ricardo disse...

Está certo. Toda a pessoa está no direito de sentir e dizer de sua justiça. O texto até é muito actual, pois acaba de dar à estampa o livro, do mesmo autor, que penso adquirir logo que possa, "Jesusalém" - repare-se na semelhança com Jerusalém. A tua opinião, no entanto, está de há muito formada. O teu artigo poderia ter saído já há bués, maningue tempo. Lembro-me de, em África, utilizarmos frequentemente os termos locais. E nem era só das muletas que nos socorríamos, falando muitas vezes em dialecto para acarinhar ou "xingar". Se não desconstruímos o português então, também não o iremos fazer agora, numa altura em que a juventude lusitana acha que pode, ela própria, desconstruir o léxico a seu bel-prazer, utilizando os telemóveis e os computadores pessoais para o efeito, difundindo as suas mensagens desprestigiantes para todo o mundo. Será isto menos grave do que ler um livro de Mia Couto que, com o seu "desportuguês" nos conta histórias maravilhosas, estórias de gente que connosco conviveu, que nos habituámos a respeitar, e a que só tem acesso quem o quer ler? Não haverá aí um cheirinho de mágoa por uma antiga revolução?
O Mia Couto... sinto uma grande empatia com esse fruto de uma terra que passou por uma guerra de quase quarenta anos (à da independência sucedeu uma outra), pela destruição e pela desconstrução, um branco que vai, à sua maneira, reconstruindo, ajudando a que o português não seja substituído por outra língua menor, demonstrando uma coragem enorme e um respeito pelas suas origens.

Por AmaisB disse...

Não se trata, Ricardo, de amar os termos locais - isso há muito quem o faça, de Moçambique, Angola, Portugal de Norte a sul. Grandes escritores - e pequenos - usaram o processo, com mais ou menos arte e graça e também para mostrar o amor pelo pobre povo nosso tão espezinhadinho e ignorantezinho sempre. No caso de Mia Couto há uma construção capciosa e inteligente, muitas vezes poética, muitas vezes grotesca, grande parte das vezes para desprestigiar a língua portuguesa, não como dizes, para a elevar. Tudo feito com arte & manha. E realmente é isso que me choca, tanto desamor pela pátria em que nasceu, tanto amor (fictício?) pela sua terra natal que era portuguesa quando ele usou cueiros.
Mas tanta beleza também, e criatividade. Concordo em absoluto. A mim, choca-me a traição. Porque amo a minha Pátria, pátria dos que me precederam, na sua língua, nas suas sensibilidades e realizações, e respeito mais os que, escrevendo pior, revelam igual amor e sofrimento pelo destroço em que se está a tornar. Nunca Camões seria tão amado, creio, se, embora criticasse, não tivesse mostrado tanto amor por ela. Nem Garrett, nem
Mia Couto pode pertencer ao mundo que o louva e louvaminha, não pertence a Portugal.

Ricardo disse...

E no entanto há pessoas, milhões delas, pretas, brancas, castanhas, amarelas, que, não por escolha, por viverem em Moçambique eram portuguesas, porque Moçambique era uma colónia portuguesa. Algumas delas até conheciam o Camões e o Garrett (tantas vezes de pronúncia duvidosa). Essas pessoas nunca tiveram o mais pequeno contacto físico com a Pátria Mãe, embora fossem obrigadas a cantar o hino nacional e o da mocidade e a agitar bandeirinhas à passagem do ditador. Aquando da independência, passaram a ser moçambicanas. Como tal são livres de se exprimir na língua que quiserem, desde que sejam aceites pela população autóctone.
Não acredito que o Mia Couto queira acrescentar seja o que for ao português de Portugal, se até os milhares de ex-moçambicanos que optaram por sair não conseguiram implantar os seus termos na linguagem corrente. O que ele talvez queira é que o português, seja ele qual for, não morra em Moçambique para ser substituído por um inglês que, também ele, nunca será puro – o sul-africano fala um inglês colonial misturado com termos afrikander (holandeses e belgas) e de dialectos locais. Se os portugueses de Portugal desejam ler o que ele escreve, é claro que as editoras são livres de o publicar e eles (nós) de o comprar. Se lermos um Jorge Amado, um Aydano Roriz ou qualquer outro autor brasileiro, também verificamos que a língua é diferente. Há quem aprecie a leitura e quem goste menos. As editoras nem se dão ao trabalho de “traduzir”. É que qualquer um sabe que o português do Brasil é muito mais fácil de apreender para qualquer povo, latino ou não, do que o português corrente de Portugal.

Por AmaisB disse...

Mas, inegavelmente, o português de Portugal é uma língua bonita de se amar e não de se macaquear. Já o disse António Ferreira na sua "Carta a Pero de Andrade Caminha" que poetava em castelhano:
"Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A Portuguesa Língua! E já onde for,
Senhora vá de si soberba e altiva.
Se até aqui esteve baixa e sem louvor
Culpa é dos que a mal exercitaram:
Esquecimento nosso, e desamor."
Mas o mal é que o desamor continua cada vez mais vivificado entre nós. E a culpa também é do Governo.

Ricardo disse...

Amen!