Começámos por nos sentar fora, no passeio, com o toldo podendo proteger melhor do sol, se fosse um pouco inclinado. Mas, informado o dono, do pedido, logo se escusou com pormenores de estragos causados pelos que costumam entortá-lo.
Logo a minha amiga sempre donairosa e sempre pronta a comparar, segredou, mal o dono virou costas:
- Era preciso que o dono fosse espanhol! Ah! Virava com certeza!
Referi, em tentativa um tanto chauvinista, que em La Manga, onde um meu amigo fora passar umas cómodas férias, este ano já se sentira também a crise e o desleixo. Mas logo ela citou o caso de um paraíso espanhol vivido por uma sua amiga que esteve em Palma de Maiorca.
- É certo, que depois de sair de lá, houve terrorismo e mortes. Mas mesmo assim, eles são fantásticos, o turismo é levado a sério.
Afinal, o dono do café veio dar um jeito, para podermos estar de cabeça à sombra e comentámos sobre a indispensável grosseria prévia, que lhe põe a casa às moscas.
- Sim, quando aqui se vai a um sítio e se é bem atendido, é porque o empregado é brasileiro.
Eu não costumo generalizar assim, não só por amor ao nacional, mas porque a minha experiência turística e até mesmo das pastelarias é mais exígua.
Falámos, então, no caso dos emigrantes, e no que lera a respeito do consulado brasileiro, num texto do sr. Cipriano Rodrigues, que, muito frontalmente, escrevera sobre o usufruto dos cônsules, nos respectivos consulados, de mordomias e descurando os deveres para com a emigração. E logo a minha amiga:
- É como em África. Tudo o que é cônsul, é com casa, piscina, carro e chauffeur. Casa embora cercada de muros, não é como dantes, de jardins à vista.
- Caramba! Como sabe isso tudo?
- Conheço uma moça, que, depois de se separar do marido, foi mandada para Bruxelas. Uns anos lá, viagens, às tantas foi nomeada para Moçambique. Adorou Moçambique, a filha frequentava a Universidade. Mas vieram, a filha casou-se, teve um bebé, separou-se... Uma pena, pois faziam um casal giro. Deixou de estudar.
- É pena, tudo isso.
- Mas a mãe é pessoa para voltar para Bruxelas, talvez a filha assente.
Soube de quem se tratava. A avó, fora uma sua amiga que estivera em Moçambique, tivera dois filhos, um marido mulherengo que tudo fez para abandonar a mulher, roubando-lhe os filhos à traição, entregando-os aos avós, em férias que a mãe não pudera partilhar. Sem posses, ela não conseguira reaver os filhos, que foram educados no ódio pela mãe, por meio de mentiras forjadas pelo pai e a avó, junto dos filhos.
- Era assim a Justiça?
- A Justiça requer muito alimento, e a mãe, reduzida a um fio, num sofrimento inenarrável e sem posses, não pôde conquistar os seus direitos. Era isto nos anos cinquenta, perto da guerra de que se falava, e que o marido, entretanto separado, utilizara, como pretexto para defender os filhos, pondo-os a salvo dos terroristas e da pobre mãe. O marido tinha posses. Mas mais tarde voltara com os filhos para África, esquecido do terrorismo, a mulher ausente, conquistada outra vida, em sorte grande.
As palavras do horror e da indignação surgiram no meu comentário inútil.
- Acha que agora isso seria possível?
- Não sei, creio que não. Os direitos das mulheres estão mais protegidos, talvez. Mas outras monstruosidades se passam, ao nível familiar, de que não tínhamos ideia naquele tempo.
- Afinal, em todos os tempos o homem cometeu crimes e crimes, a começar no de Caim. O nosso Camilo começou a sua vida literária com um panfleto intragável mas que se tornou muito popular na época, de grande expansão sentimental, intitulado “Maria! Não me mates, que sou tua mãe”, sobre um matricídio da época. Agora até os temos com mais frequência.
- É. E temos frigoríficos para preservar os corpos.
- Às vezes os caixotes do lixo também servem. Há recém-nascidos que têm sido apanhados nos contentores do lixo. E às vezes estão vivos.
Decididamente, o sol que apanhámos na cabeça, antes do dono do café virar o toldo, actuou sobre o nosso estado de espírito, pois realmente até embirramos com histórias macabras. Mas as conversas são fáceis de encadear. Como as cerejas, de comer.
Logo a minha amiga sempre donairosa e sempre pronta a comparar, segredou, mal o dono virou costas:
- Era preciso que o dono fosse espanhol! Ah! Virava com certeza!
Referi, em tentativa um tanto chauvinista, que em La Manga, onde um meu amigo fora passar umas cómodas férias, este ano já se sentira também a crise e o desleixo. Mas logo ela citou o caso de um paraíso espanhol vivido por uma sua amiga que esteve em Palma de Maiorca.
- É certo, que depois de sair de lá, houve terrorismo e mortes. Mas mesmo assim, eles são fantásticos, o turismo é levado a sério.
Afinal, o dono do café veio dar um jeito, para podermos estar de cabeça à sombra e comentámos sobre a indispensável grosseria prévia, que lhe põe a casa às moscas.
- Sim, quando aqui se vai a um sítio e se é bem atendido, é porque o empregado é brasileiro.
Eu não costumo generalizar assim, não só por amor ao nacional, mas porque a minha experiência turística e até mesmo das pastelarias é mais exígua.
Falámos, então, no caso dos emigrantes, e no que lera a respeito do consulado brasileiro, num texto do sr. Cipriano Rodrigues, que, muito frontalmente, escrevera sobre o usufruto dos cônsules, nos respectivos consulados, de mordomias e descurando os deveres para com a emigração. E logo a minha amiga:
- É como em África. Tudo o que é cônsul, é com casa, piscina, carro e chauffeur. Casa embora cercada de muros, não é como dantes, de jardins à vista.
- Caramba! Como sabe isso tudo?
- Conheço uma moça, que, depois de se separar do marido, foi mandada para Bruxelas. Uns anos lá, viagens, às tantas foi nomeada para Moçambique. Adorou Moçambique, a filha frequentava a Universidade. Mas vieram, a filha casou-se, teve um bebé, separou-se... Uma pena, pois faziam um casal giro. Deixou de estudar.
- É pena, tudo isso.
- Mas a mãe é pessoa para voltar para Bruxelas, talvez a filha assente.
Soube de quem se tratava. A avó, fora uma sua amiga que estivera em Moçambique, tivera dois filhos, um marido mulherengo que tudo fez para abandonar a mulher, roubando-lhe os filhos à traição, entregando-os aos avós, em férias que a mãe não pudera partilhar. Sem posses, ela não conseguira reaver os filhos, que foram educados no ódio pela mãe, por meio de mentiras forjadas pelo pai e a avó, junto dos filhos.
- Era assim a Justiça?
- A Justiça requer muito alimento, e a mãe, reduzida a um fio, num sofrimento inenarrável e sem posses, não pôde conquistar os seus direitos. Era isto nos anos cinquenta, perto da guerra de que se falava, e que o marido, entretanto separado, utilizara, como pretexto para defender os filhos, pondo-os a salvo dos terroristas e da pobre mãe. O marido tinha posses. Mas mais tarde voltara com os filhos para África, esquecido do terrorismo, a mulher ausente, conquistada outra vida, em sorte grande.
As palavras do horror e da indignação surgiram no meu comentário inútil.
- Acha que agora isso seria possível?
- Não sei, creio que não. Os direitos das mulheres estão mais protegidos, talvez. Mas outras monstruosidades se passam, ao nível familiar, de que não tínhamos ideia naquele tempo.
- Afinal, em todos os tempos o homem cometeu crimes e crimes, a começar no de Caim. O nosso Camilo começou a sua vida literária com um panfleto intragável mas que se tornou muito popular na época, de grande expansão sentimental, intitulado “Maria! Não me mates, que sou tua mãe”, sobre um matricídio da época. Agora até os temos com mais frequência.
- É. E temos frigoríficos para preservar os corpos.
- Às vezes os caixotes do lixo também servem. Há recém-nascidos que têm sido apanhados nos contentores do lixo. E às vezes estão vivos.
Decididamente, o sol que apanhámos na cabeça, antes do dono do café virar o toldo, actuou sobre o nosso estado de espírito, pois realmente até embirramos com histórias macabras. Mas as conversas são fáceis de encadear. Como as cerejas, de comer.
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