“Fogo em Atenas! Aquilo é real? Como foi possível? “
Desta vez as nossas vozes quase se confundiam, tão uníssonas soaram.
Mas a minha amiga levou a melhor, na exuberância de um sentimentalismo sempre pronto a manifestar-se, e de uma rapidez de percepção panorâmica abarcando tudo o que lhe vem à rede, incapaz de passar ao lado das coisas sem reagir prontamente:
- “Ai aquela gente! E saber que vai arder tudo! Disse um deles que nem dez milhões conseguiam apagar isso. Não sei se falou apenas transtornado, na aflição do medo.”
-“Como deixaram?! Como foi possível?!” As exclamações provêm-me da angústia verdadeiramente sentida, no pensamento daquele recanto clássico donde nos veio o mito e o ocidente e o pensamento filosófico, daquela pátria que aprendemos a amar quando, no liceu, estudámos a história da Grécia, quando aprendemos a língua grega no seu alfabeto e na sua fábula, quando lemos, em tradução, a aventura épica troiana e tantas das histórias do mito trágico tantas vezes recuperado pelos que seguiram na aventura da escrita. A pátria de Ulisses e da sua ilha fiel, mas também a história paradisíaca na sua Ogígia que o nosso divino Eça tão divinamente tratou, lembrando quão mais feliz é o homem no pensamento da sua miséria e finitude do que no seu bem-estar e perfeição quando os supõe perenes. “Como deixaram?! Como foi possível?!”
-“Sabe? Estão a culpar o governo. Não é a primeira vez. Já há dois anos, ali à volta de Atenas... Mas este é pior.”
- “Pensar que de Atenas nos veio a luz...”
-“Eu acho que está tudo a arder! Olhe aqui no nosso país! Nunca houve tanta extensão de incêndios.”
- “É! Mas o Sócrates nem fala nisso! E o que ele se gaba do que fez! A Educação foi um êxito, com uma taxa de insucesso reduzida a quase metade. E nem se tratou de facilitismo, como acusam os velhotes do Restelo e arredores. Mas dos incêndios não fala.”
- “Sim, nós também os temos! Olhe o de Belas, que tem campo de golfe! Há um clube em Belas recente. Aquilo ia ardendo tudo. Apareceram moradores a dizer que é fogo posto. A gente foge porque não pode lá ficar. E lá fica tudo, nas casas a arder...
- “Sabe o que me choca muito? Que ardam os álbuns de fotografias! É como se se matasse o passado, a nossa vida toda!”
- “Mas estes da Grécia! Não é gente rica! A Grécia é um país pobre, cheio de dificuldades. O povo está revoltado. Tem que haver uma verdadeira política contra os incêndios. Felizmente há países da União Europeia que os vão ajudar agora.”
- “Deviam ser bem castigados os malfeitores que os provocam. A brandura política contra estes escapa-me. Que interesses económicos estão por trás dos incêndios? Que escandalosos sadismos haverá nestes Neros da actualidade que ninguém pune exemplarmente? E o mundo vai ardendo por todo o lado. A benemérita democracia salva os criminosos.”
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