O artigo «RECEITA PARA A RUÍNA» de JOÃO CÉSAR
DAS NEVES, saído no blog «A Bem
da Nação» marca bem os motivos por que continuamos assentes na mediocridade de
um “status” de constante insatisfação e agressividade, própria de gente que, ao
invés de trabalhar num esforço de concertação comum, que implica a satisfação
de compromissos assumidos, entende que os direitos próprios estão acima de tudo,
pese embora a observação de que tais direitos nem sempre correspondem aos
engendrados pelo nosso próprio esforço.
Povo submisso a uma ordem ditatorial que impôs
sacrifícios sem admitir rebeliões, de repente, ao revelar-se-lhe a tal
liberdade, como águas despenhadas de um dique que se escancarou, é o direito
próprio que exige, sem tomar em conta outros valores citados no artigo de César
das Neves, afinal os que distinguem o “honnête homme” dos clássicos, assentes num pensamento de
elegância moral e de dignificação humana – neste caso o dever de prestar contas
de uma dívida de enorme dimensão que as nossas tropelias ignaras julgavam provindas
de empréstimo inesgotável e insanável, e que um Governo corajoso não entendeu
da mesma forma, pegando o touro pelos cornos, decidido a sacudir a sarna da
nossa tosca malandrice. Mas as eleições provam que a sarna está para durar. Veremos
quando morrerá o touro.
O texto de César das Neves:
«RECEITA
PARA A RUÍNA»
«Existe um indicador simples que se devia usar nas
nossas conversas: quanto mais alguém fala da ruína nacional, tanto mais essa
pessoa trabalha precisamente para isso. Todas as desgraças nacionais foram
causadas por movimentos que pretendiam salvar Portugal da desgraça. Isto, que
foi claro em toda a história, é bem evidente hoje.
Ninguém duvida que um dos maiores problemas actuais é
um Estado obeso que com o seu despesismo estrangula a actividade nacional e
cria uma dívida enorme, que nos assombrará durante muito tempo. Qualquer um
entende que uma das nossas tarefas essenciais é reduzir a despesa pública a um
nível que o País consiga suportar, sem ser mais oprimido por impostos. É
evidente que isso não é impossível, ou sequer difícil, pois ainda há poucos
anos vivíamos razoavelmente com muito menos gastos, que nunca deixam de
crescer. Não se diga portanto que os cortes fazem perigar a vida, liberdade,
direitos ou dignidade pessoal. A única coisa que nos pode arruinar é a teimosia
em insistir numa via ruinosa de despesismo.
Estas são ideias de uma simplicidade e clareza
manifestas, que qualquer pessoa honesta entende e admite. É pois espantoso que
largas camadas da nossa elite, de todos os quadrantes políticos, não só nunca
digam isto, mas estejam activamente empenhadas em lutar precisamente contra
esses cortes indispensáveis. Fazem-no dizendo defender o País da terrível ruína
a que alegados neo-liberais, economicistas, corruptos e traidores o estão a
condenar, simplesmente por pretenderem acertar as contas.
O problema é complexo pois muitos dos que dizem isto
são pessoas honestas, inteligentes e razoáveis. Não há dúvida que boa parte dos que se opõem às
indispensáveis reformas são oportunistas, mercenários e parasitas, pretendendo apenas
defender as suas benesses, enquanto outros são agitadores, desordeiros e
subversivos, em busca de uma boa insurreição. Mas não podemos ignorar os inúmeros cidadãos sérios
e serenos, tanto ou mais revoltados que os outros. Como podem esses, que dizem
falar em nome da salvação nacional, constituir o principal obstáculo ao único
caminho que nos salvará da ruína?
O buraco é tão grande que o Governo tem de cortar
coisas boas: pensões e salários, apoios e subsídios, centros escolares e
hospitalares, câmaras e juntas de freguesia, carreiras de transportes e
múltiplos outros serviços. Faz isso, não por ser incompetente, maldoso,
fascista ou traidor. Tem de cortar porque não há dinheiro para o pagar. Não se
consegue cobrar mais impostos e ninguém nos empresta indefinidamente. Isto é
óbvio, como também é óbvio que as coisas a cortar são boas. Mas têm de ser
cortadas. E quanto mais tarde se cortarem, como piora a situação financeira,
mais teremos de cortar.
Devíamos ter começado a cortar a sério em 2008, quando
começou a crise; em 2011 quando chegou a troika; ou em 2014 quando ela vai embora. No entanto, a
verdade é que pouco foi cortado a sério, além de alguns salários e pensões, que
são fáceis de repor. Não foi por falta de esforço e vontade, pois a troika bem forçou o Governo. Foi porque, cada vez que se
identificou algo para cortar, surgiu imediatamente uma enorme multidão de
cidadãos sérios e serenos, inteligentes e razoáveis, completamente revoltados a
falar em ruína do País. Sem perceberem que o seu bloqueio é que realmente
arruína o país.
Todos sabem que somos europeus, e por isso temos
direito a um estilo de vida e qualidade de serviço de nível europeu. Apesar de
não produzirmos como a maior parte dos outros países europeus. Exigimos coisas
que os nossos pais nunca viram, mas que hoje dizemos serem condições
indispensáveis à vida civilizada. Sem elas declaramos não ser possível
dignidade e liberdade. Apesar de os nossos pais terem sido dignos e livres sem
essas coisas que inventámos nos últimos 20 anos com dinheiro alheio; apesar de
produzirmos pouco mais do que eles. Aumentámos exigências, não possibilidades.
Esta é a atitude que nos impede de sermos europeus. A atitude que arruína o
País.» JOÃO
CÉSAR DAS NEVES
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