Disse o
filósofo grego Teofrasto na sua obra “O Carácter” - em tradução de “La
Bruyère” – relativamente ao “espírito insatisfeito”: «O espírito insatisfeito
faz com que nunca se esteja contente com ninguém, e que se faça sobre os mais
mil queixas sem fundamento… Tudo lhe é suspeito, até as carícias da amante.” E
cita exemplos vários, entre os quais o seguinte: «ou quando os seus amigos
fizeram uma colecta para o socorrer no seu aperto financeiro, se alguém o
felicitar e convidar a ter mais confiança na sorte, responde: ”Como posso ser
sensível à menor alegria, quando penso que tenho que devolver o dinheiro a cada
um dos que mo emprestaram, e nem sequer assim ficarei quite no reconhecimento para
com eles pelo seu auxílio?»
Disse La
Bruyère (séc. XVII), extraordinário retratista da sua época, de traço incisivo
e que se inspirou daquele: «É difícil decidir se a irresolução torna o homem
mais infeliz do que desprezível; e também se é mais inconveniente tomar um mau
partido do que não tomar nenhum.»
Vêm as referências
a propósito do artigo do DN – “Uma coligação sem sal” – de Filomena
Martins, de 26/4/14 – as de Teofrasto sobre os espíritos rezingões, as de
La Bruyère sobre a irresolução dos espíritos.
As de Teofrasto
aplicam-se ao artigo falsamente equilibrado de
Filomena Martins, na realidade duma vã iracúndia a respeito dos dois governantes
da coligação, apontando mal entendidos entre ambos, como se fossem essas fofocas
insulsas (sem sal, essas, sim, as do seu texto), o supra sumo de enormidades para
desfeitear o Governo, apagando de um traço tudo o que a coligação tentou fazer
para remendar os males que vêm sendo perpetrados desde que se iniciou, há
quatro décadas, a viragem política, social e económica da nação, em dispêndios próprios
de um país a saque, que uma abertura aos dinheiros da Europa favoreceu, e cuja
dívida os que acusam o Governo entendem que se deve ignorar. Ataque-se o
Governo e a seriedade do seu empenhamento, mas leia-se o passo citado de La
Bruyère, para concluir qual seria mais conveniente: o terem tomado,
resolutamente, as decisões que tomaram, ou se não seríamos hoje mais
desprezíveis se eles – os da Coligação – o não tivessem feito?
Mas eles lá
vão, nas suas greves, nos seus berros, acicatados pelas Filomenas sonsamente insatisfeitas e companheiros da estrada… Que
lhes importa o país?
“Uma
coligação sem sal” por Filomena Martins
«Qualquer relação,
para funcionar, precisa de uma receita complicada: só doses q.b. de vários
ingredientes permitem que resulte. Bom senso, sensatez e algumas cedências são
essenciais para o equilíbrio e o consequente sucesso. Tudo o que cada vez mais
parece faltar à coligação PSD-CDS no Governo. Exagera no sal e no açúcar e já
parece apenas aguentar-se à tona, apesar dos torpedos contra os submarinos,
para sobreviver até ao fim da legislatura.
Não
estamos apenas a falar das últimas divergências públicas. Divergir, mesmo numa
equipa, é saudável e, no caso em concreto, faz parte do jogo político. Mas a
sequência de acontecimentos recentes revelam que o fosso entre Passos e Portas
se foi aprofundando desde a crise do verão passado. E que, ao contrário do que
seria de esperar, os dois líderes se afundam cada vez mais no abismo à medida
que o País parece começar lentamente a sair dele.
As contradições sobre as taxas para
os produtos alimentares nocivos à saúde podiam ter sido apenas um tema
ridículo. Mas foram reveladoras de como ia a coligação: ver um ministro CDS
(Pires de Lima) desmentir dois ministros PSD (Maria Luís e Paulo Macedo) e
ainda um secretário de Estado deram o sinal de que a relação estava a talhar. A
eterna polémica em redor da descida ou não do IRS no próximo ano (eleitoral)
destemperou ainda mais as coisas. As deselegantes declarações de Passos Coelho,
que quantificou as poupanças na despesa pública em submarinos na exata semana
em que Portas foi teste- munhar sobre o caso, confirmaram que a relação estava
definitivamente azedada.
Passos Coelho jamais perdoou a Paulo
Portas as declarações irrevogáveis e as consequências que elas tiveram no País.
A eminência do segundo resgate, que chegou a ser dado como certo e cuja ameaça
demorou a dissipar-se. E o adiamento do regresso aos mercados sem almofada
bancária, que só aconteceu esta semana, oito meses depois do previsto por Vítor
Gaspar. Na altura, com um sangue-frio admirável e sentido de estado, engoliu a
ofensa. Promoveu e envolveu o agora vice-primeiro-ministro nas grandes
decisões. Deu-lhe a volta. Agora está a expelir o fel que foi acumulando.
Há seis meses, em entrevista, o
primeiro-ministro anunciava que, apesar de não ter falado com o parceiro de
coligação, lhe fazia todo o sentido que a relação se mantivesse nas próximas
legislativas. Frase para troika e os mercados ouvirem. Mais tarde, nos
congressos dos dois partidos, a futura união já ficou mais tremida: mas em
contexto partidário ninguém tira grandes conclusões sobre este tipo de
afirmações políticas para consumo interno. Agora, com a troika de malas feitas,
os sinais positivos da economia e uma saída limpa no horizonte, Passos já não
consegue esconder o que sente, que raia o desprezo. Será dele a vitória de aguentar
esta coligação até ao fim, pela primeira vez, não deixando que ela caísse de
podre por dentro. Mas depois "cada um vai à sua vida", porque os
laços que os unem estão podres. Nas urnas, Passos aposta que os portugueses não
deixarão de punir Portas. Ou quem estiver nessa altura no CDS. E assim vai
a coligação. O que existe agora no Governo não é uma receita de sucesso. É uma
mistura insípida que já ninguém consome. Nem eles.»
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