domingo, 25 de maio de 2014

Um fartote



Tenho presente o  jornal “Público” de Sábado, 17 de Maio.  Da primeira à última página, a erudição explode, num “Adeus, Troika”, de balanço severo, a prometer mais para o dia 18.  Uma ou outra notícia positiva – “o quarto guião do Governo pode trazer boas notícias”– “estratégia de médio prazo para o desenvolvimento económico e investimento, aprovada em Conselho de Ministros” – na mesma página (p. 4) em que se apontam as estratégias do próximo governo de Seguro, que, aliás, as tem alardeado na sua campanha eleitoral, com um esplendor tão altaneiro de patranha – reposição de vencimentos e de empregos, por exemplo, para quando for primeiro ministro – que só poderá deslumbrar um povo lorpamente crédulo. Eduardo Catroga é um dos que faz o balanço dos três anos de Troika, com advertências sobre a eficácia futura numa continuidade de aperto – naturalmente -  que Teixeira dos Santos igualmente vaticina: o gosto pela previsão e pelo alarde teórico, aponta cenários, após as eleições, Nuno Ribeiro assina o  artigo “Um país de clientes, emigrantes e mais pobre”, apontando as fontes do seu pessimismo.
E por aí fora, outras notícias são dadas, do nosso mundo e do mundo estrangeiro, com os anúncios e as informações habituais, para concluir com os artigos de opinião – de José Pacheco Pereira, de saber emérito e severo, “As eleições que só servem para o exacto oposto daquilo para que existem”, de que transcrevo a epígrafe: «Hoje, a União Europeia é um monstro híbrido e perigoso, controlado por uma burocracia que detesta a democracia e que acha que “ela” é que sabe como se deve governar a “Europa” e cada país em particular.»
Transcrevo, de Boaventura Sousa Santos, do artigo de ironia e ingratidão - «A saída limpa… da Europa” – a epígrafe «Portugal sai da Europa seguro pela trela curta do euro e do tratado orçamental. Não pode ir muito longe».
Finalmente, como corolário de tanta desgraça, o artigo de humor altivo sobre todo este nosso mundo de arreganho e ambição - “Intrigas” de Vasco Pulido Valente, que transcrevo na íntegra, no encantamento por um desmontar de dados e factos com o sabor epigramático de sempre.

«Intrigas»
«Pode faltar dinheiro, pode faltar investimento, pode faltar emprego. Mas não faltam políticos para se candidatar a tudo, desde a Presidência da República a chefes de partido.
A semana passada António Guterres veio dizer que “há sempre uma possibilidade, mesmo que mínima”, de ele se decidir a concorrer a Belém em 2016. Bastou isto para pôr o PS numa enorme agitação. As coisas pareciam estar muito bem combinadas. Seguro continuava secretário-geral (qualquer que fosse o resultado de 25 de Maio), depois ganhava as legislativas e, no fim, ajudava a levar António Costa aos píncaros. Assim, com a possível excepção de Sócrates, ficava toda a família contente. Guterres, com uma frase, estragou este santo e suave arranjo. Agora, as “notabilidades” não sabem outra vez para que lado se hão-de virar.
Os jornais, e mais modestamente a televisão, já começam à cautela a fazer o elogio histórico de Guterres. Para quem não se lembra das crises sucessivas do governo do homem e da sua crónica indecisão, ele (mesmo sem maioria) transformou Portugal num sólido paraíso e, naquela altura, andava toda a gente felicíssima. E não, não fugiu quando as coisas se complicaram. Pelo contrário, num gesto nunca visto de abnegação, salvou, quase sozinho, a Pátria do “pântano” e partiu para alto-comissário da ONU a verter a sua imensa caridade sobre os refugiados. Melhor ainda: acabou com o “cavaquismo” e o prof. Marcelo Rebelo de Sousa tem assiduamente profetizado que ele voltará em triunfo e glória. E António Costa? António Costa que se concentre em correr com Seguro, se quer sobreviver.
À direita a intriga é mais complicada. Pedro Passos Coelho cairá em 2015, em paga dos grandes benefícios que trouxe ao país. Para o lugar que ele deixa vazio, não existe por enquanto um candidato óbvio. Mas Passos Coelho não se importará de suceder a si próprio, até como peão de brega de um governo socialista. Não se vive durante vinte anos na JSD sem aprender a dar estas cambalhotas. Por isso, tanto ele como Paulo Portas não gostam da ideia de “listas conjuntas” nas legislativas e são os dois muito mansos com Seguro, para o caso de ele não chegar à maioria em 2015 e precisar de uma muleta. O que é sem dúvida um espectáculo edificante para os portugueses que não acreditam no regime e na democracia. Quanto às presidenciais, a direita rebenta de candidatos: Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Rio, Durão Barroso ou o “político desconhecido”, que o PSD tem sempre de reserva. Nós não conseguimos perceber o mundo em que estes senhores se mexem. Nem devemos tentar. Não é o nosso.»

Mas, após todas estas leituras de escritos bem engendrados, resta-nos o sentimento de asco sobre uma comum ingratidão para com quem, tendo sido apodado de espírito cultivado na ambição de cargo governativo, sem o necessário apuramento no cadinho da intelectualidade, como todos estes escritores mostram ter sido, não tenha havido uma palavra de gratidão para quem assumiu o esforço de salvar a Pátria da desonra, não querendo aceitar os dados positivos que as sondagens apontam, rolando e rebolando-se no gozo do ataque, mas jamais se oferecendo para a luta, bem instalados nos seus escritórios, rodeados dos seus livros e dos seus jornais que lhes transmitem o seu muito saber.
Para mim, Passos Coelho é um verdadeiro “barão assinalado”, numa história não mais épica, que teve que engolir todos os sapos – talvez mesmo os da subserviência, nossa condição natural, aliás - para que os homens dos escritos pudessem comodamente continuar a cruzar as suas armas contra ele e os que corajosamente e lealmente o apoiaram, num esforço de defesa do seu país.

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