Há uma clara intenção manipuladora da opinião pública no sentido
do boicote ao voto, no artigo de Vasco Pulido Valente, publicado no Público de
16/5 - «Á procura do povo». E ela nota-se no desprezo acerbo com que
descreve os grupelhos dos partidos concorrentes às eleições europeias de 25/5, que
a sua sensibilidade “desperada” captou, no isolamento daqueles,
arrastando atrás de si, perante a indiferença geral, a meia dúzia de amigos, ou
apenas algum “primo piedoso”, no sabor da comezaina, desejando convencer
sobre as razões para que neles se vote – com os seus temas da berra – a protecção
ecológica, a protecção científica, o bem-estar geral, e a propósito, os ataques
recíprocos e sacrossantos, dos que não governam contra os que governam, dos que
governam contra os que já governaram. E “se governaram”, o que os que governam
agora também farão depois da governação. Enfim, o mesmo de todas as campanhas
eleitorais, de visão especificamente interna, que nada tem a ver com os
objectivos europeus nem os aquentariam nem arrefentariam, que têm as suas
próprias manobras, no sentido de explorar bem as regalias pecuniárias
indispensáveis ao bom funcionamento dos seus aparelhos próprios, onde a
educação e a disciplina favoreceram naturalmente o bem-estar, pese embora o
cinismo manobrador dos seus discursos.
O texto de Pulido Valente, sem contemplações à direita nem à
esquerda, é fruto de um crescente enervamento contra o “indígena”, pelo
irremediável e insanável de um “status” de precariedade intelectual, secundado
por uma televisão de estardalhaço, e cujas prioridades de fascínio se centram no
futebol ou na praia, na indiferença pasmada geradora de pasmaceira ou de um
ruído farfalhudo. “Cada um é seus caminhos”.
Um sarcasmo feroz no texto de Pulido Valente, mas o apelo
maldoso para que se não vote, na certeza de que se não votará, nada tem a ver
com a ideologia que combatia o “fascismo” da univocidade e banalidade do voto eleitoral.
Conquistou-se a “liberdade” de pensamento e de escolha, e a constatação
manipuladora é a de que se não vai votar.
Eu vou votar, o que nunca fiz dantes, quando conhecia de antemão
o resultado.
«À procura do povo», de V. P.
V.
«A televisão mete agora num canto qualquer dos noticiários
grupos de indivíduos que, segundo parece, andam em campanha eleitoral. A gente
que passa na rua ou está nas lojas não dá obviamente por isso.
Há candidatos (cabeças de
lista) que não levam atrás de si mais do que cinco ou seis pessoas, que com
certeza são pessoas de família ou amigos piedosos. Há outros que lá se arranjam
para juntar meia dúzia de militantes num jantar ou num almoço melancólico, para
lhes servir um discurso, quase sempre entusiástico e sempre absurdo na tristeza
geral. Praças vazias, salas pequenas, cafés de bairro, uma traineira, uma
praia, cenários de circunstância dão um sentimento de solidão e às vezes de
angústia a quem assiste ao esforço dos pregadores, por que ninguém se interessa
e ninguém vai votar.
Ainda por cima, com 16 partidos concorrentes, o cidadão comum
não os distingue, nem sabe da existência deles. É preciso explicar quem defende
animais, quem promete a “unidade da esquerda”, quem quer acabar com o IVA da
restauração, quem não gosta dos socialistas e quem jura, a pés juntos, que o
“despesismo” não voltará jamais. Mas, no meio da confusão, as pessoas, que já
não se interessam, acabam por se perder. De resto, num extraordinário
reconhecimento da verdadeira ordem de prioridades, os candidatos resolveram não
sair de casa por causa de um jogo de futebol. Suponho que terão percebido que
ficavam por aí a vaguear sem sequer a companhia de um primo fiel ou se
arriscavam a levar pedradas se distraíssem o público de coisas sérias.
Segundo os jornais, um grande herói do CDS declarou que o povo
não lhe metia medo. Julgava provavelmente, por influência do dr. Soares, que o
iriam vaiar. Mas não o vaiaram. Os vagos vestígios de povo que por acaso
encontrou nem mesmo o reconheceram. E não admira. Nesta campanha, até as
notabilidades dos grandes partidos são difíceis de identificar, fora do grupo
de jornalistas que por obrigação os segue. Para a generalidade dos portugueses
– em que me incluo – uma cara é uma cara e um político é um intruso que nos
fala sem razão ou autorização. Peço, por isso, aos meus compatriotas, de resto
notáveis pelo seu sentimentalismo, que de quando em quando tratem bem um
político: basta um sorriso, uma palavra, uma palmadinha nas costas. Não custa
nada que o povo se mostre um bocadinho às patéticas criaturas que até 25 de
Maio estão ansiosas por conversar com ele. Verdade que a conversa é inútil. Mas
não custa muito.»
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