terça-feira, 20 de maio de 2014

Parafraseando o “SÓ”: “Ah! Foi para isto?”



Há uma clara intenção manipuladora da opinião pública no sentido do boicote ao voto, no artigo de Vasco Pulido Valente, publicado no Público de 16/5 - «Á procura do povo». E ela nota-se no desprezo acerbo com que descreve os grupelhos dos partidos concorrentes às eleições europeias de 25/5, que a sua sensibilidade “desperada” captou, no isolamento daqueles, arrastando atrás de si, perante a indiferença geral, a meia dúzia de amigos, ou apenas algum “primo piedoso”, no sabor da comezaina, desejando convencer sobre as razões para que neles se vote – com os seus temas da berra – a protecção ecológica, a protecção científica, o bem-estar geral, e a propósito, os ataques recíprocos e sacrossantos, dos que não governam contra os que governam, dos que governam contra os que já governaram. E “se governaram”, o que os que governam agora também farão depois da governação. Enfim, o mesmo de todas as campanhas eleitorais, de visão especificamente interna, que nada tem a ver com os objectivos europeus nem os aquentariam nem arrefentariam, que têm as suas próprias manobras, no sentido de explorar bem as regalias pecuniárias indispensáveis ao bom funcionamento dos seus aparelhos próprios, onde a educação e a disciplina favoreceram naturalmente o bem-estar, pese embora o cinismo manobrador dos seus discursos.
O texto de Pulido Valente, sem contemplações à direita nem à esquerda, é fruto de um crescente enervamento contra o “indígena”, pelo irremediável e insanável de um “status” de precariedade intelectual, secundado por uma televisão de estardalhaço, e  cujas prioridades de fascínio se centram no futebol ou na praia, na indiferença pasmada geradora de pasmaceira ou de um ruído farfalhudo. “Cada um é seus caminhos”.
Um sarcasmo feroz no texto de Pulido Valente, mas o apelo maldoso para que se não vote, na certeza de que se não votará, nada tem a ver com a ideologia que combatia o “fascismo” da univocidade e banalidade do voto eleitoral. Conquistou-se a “liberdade” de pensamento e de escolha, e a constatação manipuladora é a de que se não vai votar.
Eu vou votar, o que nunca fiz dantes, quando conhecia de antemão o resultado.

«À procura do povo», de V. P. V.
«A televisão mete agora num canto qualquer dos noticiários grupos de indivíduos que, segundo parece, andam em campanha eleitoral. A gente que passa na rua ou está nas lojas não dá obviamente por isso.
Há candidatos (cabeças de lista) que não levam atrás de si mais do que cinco ou seis pessoas, que com certeza são pessoas de família ou amigos piedosos. Há outros que lá se arranjam para juntar meia dúzia de militantes num jantar ou num almoço melancólico, para lhes servir um discurso, quase sempre entusiástico e sempre absurdo na tristeza geral. Praças vazias, salas pequenas, cafés de bairro, uma traineira, uma praia, cenários de circunstância dão um sentimento de solidão e às vezes de angústia a quem assiste ao esforço dos pregadores, por que ninguém se interessa e ninguém vai votar.
Ainda por cima, com 16 partidos concorrentes, o cidadão comum não os distingue, nem sabe da existência deles. É preciso explicar quem defende animais, quem promete a “unidade da esquerda”, quem quer acabar com o IVA da restauração, quem não gosta dos socialistas e quem jura, a pés juntos, que o “despesismo” não voltará jamais. Mas, no meio da confusão, as pessoas, que já não se interessam, acabam por se perder. De resto, num extraordinário reconhecimento da verdadeira ordem de prioridades, os candidatos resolveram não sair de casa por causa de um jogo de futebol. Suponho que terão percebido que ficavam por aí a vaguear sem sequer a companhia de um primo fiel ou se arriscavam a levar pedradas se distraíssem o público de coisas sérias.
Segundo os jornais, um grande herói do CDS declarou que o povo não lhe metia medo. Julgava provavelmente, por influência do dr. Soares, que o iriam vaiar. Mas não o vaiaram. Os vagos vestígios de povo que por acaso encontrou nem mesmo o reconheceram. E não admira. Nesta campanha, até as notabilidades dos grandes partidos são difíceis de identificar, fora do grupo de jornalistas que por obrigação os segue. Para a generalidade dos portugueses – em que me incluo – uma cara é uma cara e um político é um intruso que nos fala sem razão ou autorização. Peço, por isso, aos meus compatriotas, de resto notáveis pelo seu sentimentalismo, que de quando em quando tratem bem um político: basta um sorriso, uma palavra, uma palmadinha nas costas. Não custa nada que o povo se mostre um bocadinho às patéticas criaturas que até 25 de Maio estão ansiosas por conversar com ele. Verdade que a conversa é inútil. Mas não custa muito.»

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