Foi a propósito do milhão de euros
que o Governo de Timor doou a Portugal já no ano passado para benefício dos
bombeiros e famílias de sinistrados dos incêndios e que numa reportagem viva,
vista na televisão e em notícia de escândalo dos jornais, se informou que,
quase um ano após, o dinheiro ainda não chegara aos destinatários, emperrado
nas máquinas da burocracia e dos impostos, que aparentemente o Governo deseja
virtuosamente impedir que recaiam sobre o donativo que o próprio Xanana Gusmão
veio simpaticamente justificar. De facto o único tilintar, segundo a reportagem
televisiva que mostrava uma velhinha guiando o seu rebanho numa aldeia para os
lados de Viseu, talvez Besteiros, onde,
no ano passado, houve um grave incêndio que levou bens, animais, campos, matos,
por caminhos de difícil acesso, era o dos guizos das cabrinhas. A velhinha
ainda nada recebera, nada receberam as famílias de sinistrados, nem as
companhias de bombeiros, para fortalecer o seu equipamento de extinção de
incêndios. O caso era demasiado grave, ridículo e “sinistro”, neste protelar de um bem provindo de uma
acção generosa, injustificadamente retido na mesquinhez ignara da burocracia,
segundo se justificou, na realidade uma retenção que assenta fundo na nossa
mentalidade emperrada, de avidez deslumbrada - a mesma que leva alguns de nós a
considerar actualmente nosso o dinheiro alheio, de que não temos que prestar
contas.
Mas é antigo, este “tilintar de guizos”
em substituição do do vil metal sonante de antigamente, hoje virado em papel de
cores correspondentes a diferentes valores monetários, donde se segue que a
expressão ouvida na reportagem televisiva esteja ultrapassada, embora não a indignação
que a ditou e que imediatamente assumimos
E lembrámos novamente o livro “Cartas
da Zambézia” de Gavicho de Lacerda, autêntica epopeia de um “barão
assinalado”, que tantos outros “barões” referiu – Mouzinho de Albuquerque, Massano
de Amorim, o próprio Gavicho de Lacerda …., nas expedições militares pelo
interior, lutando contra os africanos rebeldes, nas terras onde souberam
defender e impor a soberania portuguesa;
ou na luta contra as secas, ou as pragas de gafanhotos, ou no
empenhamento e devoção pelas terras de um Moçambique atrasado, e que o esforço
heróico de alguns foi a pouco e pouco desbravando, sempre dificultados pela máquina
burocrática calaceira, mesquinha e sempre emperradora do Governo metropolitano ou
do Governo central sediado em Lourenço Marques, e que a pena desassombrada de
Gavicho de Lacerda não se inibiu de acusar.
Transcrevo, sobre o problema de
impostos graves, onerando a produção de amendoim e copra, no capítulo “A
situação da Zambézia”:
“Nos remansos das secretarias tem-se
a ilusão de que o solo africano produz só por si ou que, pelo menos, não dá
tanto trabalho a rasgar e a fertilizar, como o da metrópole, e de que os
produtos aparecem, transportados por encanto, nos mercados europeus.
É esta ignorância que nos mata. Na
África é que o trabalho assume o verdadeiro aspecto de luta, por vezes até desesperada
e feroz. Não exaure apenas a energia do espírito e do braço; também nela se
perde a vida. O negro, o clima, as estiagens, as pragas destruidoras, a falta
de caminhos de ferro, rios e portos assoreados, entraves burocráticos,
impostos gerais e especiais de toda a espécie, transportes insuficientes e
esses mesmos caríssimos, são outros tantos inimigos com os quais se travam
combates diários e inglórios, em que, muitas vezes se sucumbe.
Equipara-se perfeitamente, no
heroísmo da resistência e de sacrifício, a acção dos que a conquistaram e lhe
meteram a incomensurável extensão inculta dentro dos marcos do nosso domínio
com a daqueles que primeiro desbravaram e plantaram a superfície de palmares,
searas, cafezais, em suma, dos elementos fundamentais da nossa economia doméstica
e industrial.
Com a conquista e pacificação da
África tem tido o Estado enormes dispêndios e, melhor ou pior, galardoou
materialmente os que prestaram tão assinalados e inolvidáveis serviços ao país;
mas todos esses dispêndios consideráveis de dinheiro e de vidas, ficariam
absolutamente perdidos, se à acção do homem de guerra, não sucedesse a acção do
homem de trabalho, acção que não exigiu, nem exige, ao Estado, orçamentos
onerosos, nem títulos, nem estátuas nem medalhas.
Pois aos que têm feito a África
portuguesa com os seus próprios esforços e recursos financeiros; aos que em
troca da sua audaciosa e devotada iniciativa, pedem apenas boas leis e uma atenção
desvelada pelos seus interesses mais legítimos e sagrados, responde-se-lhes com
extorsões fiscais, como se fez agora na Zambézia!
Querem negação mais formal dos pregões
de boa administração e de patriotismo que estamos a ouvir todos os dias?..................»
A burocracia a obstar a uma imediata
solução de problemas da nossa miséria, para mais, provinda de dádiva generosa,
é lá possível! “É ou não é?”
“Pois é!”
Uma questão de guizos…
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