Ao contrário
do que afirma Vasco Pulido Valente no seu artigo de 25/5 de “O Público” - “O Ódio” – de que “o ódio cresce”,
eu creio que é um mal antigo, bem incrustado na alma humana, mal de provérbio,
que Rebelo da Silva aproveitou para intitular a sua narrativa histórica “Ódio
velho não cansa” e tantos artistas plásticos ou da palavra justificam de
variadas formas, caso da trágica “Medeia”, cujo amor frustrado por um
ingrato e vira-casaca Jasão, a vira do avesso, como informa Eurípedes, matando
os próprios filhos que dele tivera, por vingança de extremo impacto.
«Estava
a jantar com o meu velho e bom amigo Paulo Portas, quando de repente apareceu
ao lado da nossa mesa o dr. Sócrates (segundo a universidade de Paris). O dr.
Sócrates foi muito entusiástico com Portas: grandes manifestações de prazer por
aquele encontro inesperado, mão no ombro e cortesias várias. Obviamente não
achava que o outro era o principal responsável pelo “trabalho sujo” que se
fazia contra ele. Hoje mudou de opinião e proclamou no Chiado que, afinal de
contas, era mesmo Portas o autor moral da imbecilidade e do ódio da campanha. A
“imbecilidade” é um insulto inócuo e, às vezes, necessário, que se costuma
distribuir pelos mortos. Quanto ao ódio, o caso muda de figura, porque pode
levar à violência, física ou outra, e acaba sempre por envenenar a política.
E
não há dúvida, pelo menos para mim, que desde 2013 o ódio aumenta na cena
pública portuguesa. Mas não se deve reduzir a coisa a uma simples perseguição
promovida pela direita ao dr. Sócrates. Ele próprio admitirá que o seu retiro
em Paris não o tornou na pessoa mais popular em Portugal. De resto, nem o PS o
reconduziu a uma posição honrosa, nem ninguém lhe ofereceu um cargo
internacional em que ele pudesse mostrar a beleza da sua alma e recuperar o seu
prestígio. O dr. Soares, por razões que excedem, é o único que ainda agora o
acarinha e consola. Além disto, e abandonando temporariamente Sócrates, a
esquerda, como de costume, injuria e excomunga o primeiro infeliz com a
desgraça de não concordar com ela, até em pontos sem pertinência imediata.
Porquê?
Porque, se a direita barafusta e ofende, a esquerda quer mais do que isso: quer
afirmar, e obrigar a populaça a reconhecer, a sua absoluta superioridade moral,
como explicava o saudoso camarada Cunhal. E, se para este nobre fim, precisar
de agredir e mentir, de exercer a sua doce hipocrisia ou de inventar uma utopia
apetecível ao cidadão comum – a esquerda não hesita. O hate mail que
ultimamente recebo, por exemplo, (pelo telemóvel, pela net ou pelo correio) e
os telefonemas de rancor e desprezo que de quando em quando me surpreendem
lembram o PREC e não têm a mais longínqua proporção com a minha importância.
Mas tudo se esclarece, se percebermos que, para o verdadeiro crente, não existe
nada pior do que alguém que lhe perturba as certezas de que se alimenta. O ódio
cresce.»
O
ódio que o fácies de Sócrates bem demonstrou, falando para a televisão num dos
últimos cortejos pré-eleitorais, ao fazer ruir com estrondo o edifício de
elegância e distinção de Portas, acusando-o e aos do seu Governo, de uma abstracta
“imbecilidade” na instigação ao ódio contra si, dr. Sócrates - doutor “segundo
a universidade de Paris” na afirmação maligna de Pulido Valente - parece
mais também um acto de vingança, por ver gorado o seu gesto de aproximação e
cortesia espalhafatosa no tal jantar de amigos que refere Pulido Valente. Julgo
que, sob a capa da ironia, Pulido Valente sente de facto pena do ostracismo a
que é votado Sócrates, na pátria que o despreza, apesar das aparências cordeais
com que a RTP lhe estendeu os braços para o ouvir debitar razões e lamentos aos
domingos.
Segundo Pulido Valente, ele está
reduzido ao amor “sacana” ( é meu o epíteto) de um velho “sacana” (igualmente
meu, este), que também se sente marginalizado (o que me causa pena, também,)
apesar das falsas aparências de estima geral, por ser considerado um fundador
de qualquer coisa – democracia, ao que parece, no seu país – embora uma
democracia em expressão de psitacismo bacoco.
E esse velho marginalizado mas astuto, a juntar aos demais velhos que é
para isso que vamos todos tendendo, expelem velho ódio por quem lhes faz
frente, na tentativa de equilibrar a barca soçobrada, puxando-a para cima.
Não, ninguém esperava tanta
resistência desses jovens, apesar da constante agressão, que chega do próprio
Tribunal Constitucional, de velhos ou a caminho disso, que não querem perder as
prerrogativas e as espórtulas das suas togas poderosas desvirtuando o sentido
de democracia e de liberdade, e por isso – não por amor do povo castigado – opõem
a muralha do seu chumbo, para mais incitar à irrisão e ao ódio da praça
pública, e forçar a mais quebra-cabeças de um Governo que precisa de salvar a
todo o custo o país que se propôs salvar. Velhos esplendidamente pagos, esses
tais do TC, sabendo que tanto esses dinheiros com que eles e todos os mais
fomos, há uns anos, aumentados, não provinham de produção nacional mas de
empréstimo, mas que reivindicam como de direito - o que não faziam em tempos
passados, quando se seguiam outros parâmetros menos beneméritos mas mais
cordatos nas contas, segundo os esquemas de outro velho.
Quanto à esquerda ululante, o
termo que melhor a define, quanto a mim, é “peixeirada”, a dessas mulheres e
homens gesticulando e guinchando razões e ironias no Parlamento, espectáculo de
fealdade, condenando um país já sem nível a um abaixamento ainda maior quer na
educação, quer na reflexão, reduzidas, essas, a gritos da boca e a pão para a
boca. Sim, a sociedade que nos é revelada em espectáculo parlamentar ou outro,
televisivo, exceptuando a educação demonstrada pelos do Governo, não me parece
escola a merecer crédito, salvo as boas tiradas que dão prazer ouvir, em que
sobressaem a argúcia e o bom timbre de Portas, a argumentação justa de Coelho,
e uns e outros oradores do Governo ou do PS, menos aguerridos ou mais
objectivos.
Quanto à população, não
resisto a transcrever o artigo de Vasco Pulido Valente, de 24/5 - «Os
grandes portugueses” - mais uma sua pequena obra-prima, no descritivo
caricatural, reduzindo os interesses populares, na sua passividade cultural, a
uma expressão de embotamento e exaltação futebolísticos, de que a televisão se
faz eco, ou lança o clarão responsável, na idiotia do excesso de programas de
futebol, sobre futebol, em honra do futebol, antes dos jogos de futebol, durante
e depois deles… E mais os programas sobre a violência e os muitos casos de
violência cada vez mais entranhados no nosso país.
Ódio?... Miséria!....
O texto de Vasco Pulido
Valente:
«Os grandes
portugueses»
«O
“dia de reflexão”, na sua prudência e no seu rigor, impede que se
escreva uma palavra sobre política, não vá o eleitor sensível ser indevidamente
influenciado à última hora. Esta restrição, de resto, não incomoda ninguém.
Segundo a grande imprensa e as televisões, Portugal tem vivido com todo o
conforto intelectual da receita para tempos normais: do Benfica, de Ronaldo, do
crime e das catástrofes naturais. Bastou o Benfica para nos trazer semanas num
incomparável balanço de entusiasmo e de angústia. O campeonato foi uma espécie
de acto divino contra a inaturável arrogância do domínio alheio. A Taça da Liga
foi uma satisfação merecida. Turim, desgraçadamente, um desespero. E a Taça de
Portugal, que fechou um “triplo” nunca visto, desceu até ao fundo do coração.
Melhor
do que isso, cada português pôde viver esta epopeia em pormenor: os jogos, que
nos animaram e apoquentaram; os prognósticos délficos dos sócios; os
comentários (muito variados do treinador e dos jogadores do dia); as sessões
triunfais no Marquês de Pombal e em vilas num canto obscuro da província. Esta
força, esta glória, que desabaram vicariamente sobre nós consolam muito. E
também a análise douta dos peritos, que revela o que nós não conseguimos ver e
nos descobre de repente a cintilante beleza de um movimento táctico. O Benfica,
confessemos, subiu à vertiginosa altura de Portugal. Só a lesão muscular de
Ronaldo, que não passa de vez, verdadeiramente nos preocupa. Ele precisa ainda
de ganhar a Champions e o
Campeonato do Mundo para nos curar e redimir.
Entretanto,
além da final entre o Real e o Atlético de Madrid e as próximas batalhas do
Brasil, a televisão e a imprensa oferecem, para a nossa distracção e
aprimoramento cultural, uma dose tranquilizante de crime crapuloso. Não faltam
tiros, não faltam facadas, não faltam crianças desaparecidas. Caso mais
notável, não faltam mesmo malfeitores desaparecidos. Manuel Baltazar, o Manuel
“Palito”, por exemplo, que matou a sogra e uma tia e feriu a mulher e a filha,
resistiu à perseguição da Judiciária e a forças da GNR a pé e a cavalo durante
34 dias, no imenso território de São João da Pesqueira. A confiança das
populações na autoridade, se existia antes, com certeza que se fortificou. E o
português valente ressuscitou. Bem precisava.»
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