Embora com cada vez menor frequência.
Enrodilhados
nas subtilezas analistas a respeito da austeridade e mais ainda no linguajar
fofoqueiro sobre a selecção portuguesa da “Copa”, julguei que não sobrasse mais
tempo aos orientadores de opinião, nem
mais espaço nos jornais habituais que democraticamente aceitam a impugnação ao AO,
para um retorno a este tema.
Por isso me
senti feliz com o artigo de Debate sobre o AO do Público, de 7/6 - Proíbam o
Inglês! – de Octávio dos Santos, texto sensacional, de uma
frontalidade crítica que não poupa os responsáveis pelo dito Acordo, nem uma
nação inteira peca e apática, perante a monstruosidade do que foi perpetrado
por espécimes extraterrestres que se estranha não serem responsabilizadas pelo
aborto destruidor do sentido de identidade histórica, embora concorde que os
seus apoiantes, da mesma natureza infra humana daqueles, vão esfregando as mãos
em gozo íntimo, pela aproximação subentendida, que o tal AO proporciona ao povo
iletrado, e não, como se julgaria, de elevação do povo a uma cultura de
correcção e elevação cultural.
Creio que
ninguém de outro qualquer país, educado nas regras do respeito pela sua nação e
a sua história, deixaria de repelir tal atentado à honra da sua língua, num
absurdo propósito de simplificar grafias. A evolução dos povos faz-se em
progressão ascendente, na elevação dos povos, não o contrário, na sua progressiva
bestialização. Só entre nós.
O texto de
Octávio Santos o explicita:
Proíbam o Inglês!
Octávio dos Santos
Não há como – nem porque – negá-lo: o Acordo Ortográfico
de 1990 está a generalizar-se em Portugal a uma velocidade assustadora(ment)e
surpreendente. Ainda é cedo para se (tentar) avaliar quantas instituições e
quantos indivíduos estão, de facto a utilizar uma “ortografia” inútil,
prejudicial, ridícula, ilegítima, imposta de forma ilegal, de uma forma não
democrática… mas são mais, muitos mais do que seria de esperar.
Esta
(aparente) apatia para com algo concebido por pervertidos e obedecido por
iludidos é ainda mais espantosa em grupos profissionais que têm na língua a
sua ferramenta principal de trabalho e que não se “poupam”, habitualmente, nos
protestos quando sentem as suas prerrogativas ameaçadas: efectivamente,
professores, jornalistas e juristas (advogados, procuradores, juízes) surgem,
apesar de várias excepções honrosas, como classes… sem classe, sem carácter,
traindo a população que deveriam defender intransigentemente e não só a
espaços, intermitentemente. Este contágio de cobardia, esta epidemia de
estupidez, esta infecção de imbecilidade alastra-se não só no Estado mas também
na sociedade civil; no primeiro compreende-se que a prepotência burocrática,
apesar de ilegítima, force as pessoas a comportamentos desviantes… do bom
Português; mas na segunda não se compreende o fenómeno a não ser por mania de
imitar, por uma bacoca crença de que mudar… apenas por mudar é bom, é sinal,
prova, de “modernidade”.
Em
plena histeria de aplicação do AO90, à revelia da lógica e da lei, da
identidade cultural e da dignidade nacional, a paralela e crescente (mas
que já vem de longe) “anglicização” da comunicação, da cultura, da sociedade e
da economia em Portugal ilustra bem, por contraposição, as contradições, as
hipocrisias, enfim, a idiotice deste processo de suposta “evolução” da língua.
Veja-se, por exemplo, mais uma vez, o que se passa nas três principais estações
de televisão nacionais. Cada uma delas criou em 2013 um programa com um título…
em Inglês: a RTP o Chef’s Academy (culinária); a SIC o
Off-Side (desporto); e a TVI o I Love It (telenovela). Todas,
evidentemente, continuam a aplicar obedientemente o AO90, e por vezes com um
entusiasmo… desnecessário: em legendas de serviços noticiosos a SIC já retirou
o “c” de Octávio Teixeira e a TVI o “c” dos One Direction… sim, puseram
“Diretion”! Entretanto, e mais inacreditável ainda, em filiais nacionais de
multinacionais estrangeiras, e concretamente anglófonas, também se verifica o
assalto ao bom senso ortográfico; como na Johnson & Johnson, que informa
nos rótulos do Listerine que este produto é uma “proteção” com flúor contra as
“afeções” das gengivas. E até – aqui já se está no campo do puro e simples
delírio – no British Council de Portugal se decidiu, segundo mensagem que
recebi, “adotar o novo acordo ortográfico, daí termos escrito 'respetivo' e não
'respectivo'.” Eu respondi que, nesse caso, deveriam ser “coerentes” e
comunicar para a sede da instituição, em Londres, que a língua que têm por
missão promover é “ultrapassada”, “decadente”, “arcaica” (tal como a francesa)…
dada a profusão de palavras com vogais e consoantes repetidas e “mudas”, e até
– que “horror”! – com “ph”.
Ainda
no campo do ensino, e decididos a alcançar nota máxima no paradoxo,
tanto o ministro Nuno Crato como o Conselho Nacional da Educação anunciaram, no
final de 2013, que queriam que o Inglês fosse uma disciplina curricular
obrigatória no primeiro ciclo, isto é, no ensino básico. Que confusão não
acontecerá – aliás, já acontece – nas cabeças dos mais jovens ao verem numa
língua “c’s”, “p’s” e até “ph’s” em excesso que na outra são – ou se tenta que
sejam – eliminados. Depois disso, e como que em consonância com mais uma
“lógica” inovação pedagógica estatal, RTP e TVI iniciaram a transmissão de
“versões infantis” de dois dos seus programas, respectivamente Chef’s Academy -
Kids e A Tua Cara não me é Estranha - Kids – porque, “evidentemente”,
não ficaria bem colocar “crianças” ou “miúdos” no título. Porém, e quanto a
“ironia ortográfica luso-britânica”, nada nem ninguém supera o governo regional
dos Açores: o seu sítio na Internet, que, evidentemente, exibe um bem
comportado, conformado, “acordismo”, tem como “e-ndereço”… azores.gov.pt!
Faço
pois um apelo a todos os serviçais de Malaca Casteleiro: sejam também coerentes
e proíbam o Inglês! Que há a aprender da “pérfida Albion” neste âmbito?
“Apenas” isto: os britânicos sabem há séculos (tal como, aliás, os seus
“vizinhos” do outro lado do canal da Mancha) que não é a “simplicidade”
ortográfica – indutora de analfabetismo e de iliteracia – que deve ser
estimulada mas sim a estabilidade ortográfica; esta, sim, é a que mais favorece
a expansão de uma língua e de uma cultura… porque garante aos estrangeiros –
indivíduos e/ou instituições – que querem, ou pensam, em aprendê-la, que os
materiais, lições, livros, dicionários, que têm de ser adquiridos e utilizados
não serão substituídos passados poucos anos (e outra vez, e outra, e outra…) e,
desse modo, tornados obsoletos.
Eu
pensava que George Byron havia insultado exagerada e injustamente os
portugueses ao classificá-los de “escravos” e de “os mais baixos entre os
baixos”. Agora já não tanto.
Um comentário:
Embora me reveja nas acusações que me são feitas no texto desse tal Octávio acho simplista a apreciação que ele faz acerca dos cortes e recortes da escrita. Se a net não nos engana ele é sociólogo da comunicação e um sociólogo da comunicação tem a obrigação de analisar os contornos da bestialidade que está a ser feita. Posso fornecer-lhe alguns tópicos: houve mais do que uma geração jovem (a geração do Infantário) que usou e abusou a seu bel-prazer da grafia simplista através dos telemóveis e continua a fazê-lo através da Internet; dessa geração, fazem parte a maior parte dos ministros e secretários de Estado do atual desgoverno e faziam os do anterior; os pais dessas crianças (geração da qual eu faço parte mas na qual não me revejo neste aspeto) andavam todos muito ocupados a sentir-se ricos para se preocuparem com essas miudezas da língua; agora, que as ditas fortunas foram por água abaixo, acordaram e ficam muito chateados porque, em vez das dores de cabeça com que se acorda das grandes bebedeiras, ficaram com a língua a arder... Enfim, sem querer maçar o Octávio nem os atuais puristas da escrita que andaram a dormir estes anos todos e até ajudaram a promover as alterações (é bom não esquecer que a partir dos anos 90 do milénio passado qualquer borra-botas escrevia um livro ou encomendava a sua elaboração), gostaria que ele fosse um pouco mais fundo na apreciação de todos os contornos do descalabro que está a acontecer em Portugal. Continua a ser "easy" atacar para ter notoriedade fácil...
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