Nos meus tempos de “menina e moça”, havia, entre os
livros da estante do meu pai que a curiosidade me fazia vasculhar, como
tesouros de uma caverna de Ali-Babá que fui gradualmente penetrando, alguns
deles - tirante os de Júlio Dinis, de Eça,
o “Camilo Alcoforado “ e a “Miss Esfinge” de Campos Monteiro, e mesmo Raul
Brandão ou Fialho de Almeida e um ou outro mais levezinho, estando longe de
entreter uma adolescência que se comprazia nas novelas cor de rosa que andavam
de mão em mão – alguns, pois, de carácter mais descritivo, histórico ou mesmo filosófico,
como “Palavras cínicas”, de Albino Forjaz Sampaio, que quadravam à natureza
observadora e crítica do meu pai. Foi também lá que encontrei o “D. Jaime” de
Tomás Ribeiro, livro que reencontrei, na estante mais enriquecida, com Jorge Amado,
Aquilino, e tantos outros da colecção Unibolso, contendo obras primas, que a
espaços vou espreitando, o tempo não dando tempo para absorver tudo o que se
quer na vida, os meios de dispersão mediática fornecendo outros tantos
programinhas para o far niente da vida no seu poente.
Serve o introito para referir um artigo de Alberto
Gonçalves - «A crise explicada pelas
criancinhas» (Notícias, 21/6/15) - por me ter lembrado de dedicar um dos muitos poemas do “D. Jaime”, que as
antologias escolares da época publicavam, pelos sentimentos pátrios e
caritativos que difundiam e a gente decorava, tal a melodia e os bons
sentimentos que tão bem quadravam à nossa maneira de ser acarinhadora dos
pobrezinhos. Dedicar pois, o poema de sentimentos devotos e generosos a jovens
como Isabel Moreira e outras doutoras da nossa praça que como ela exprimem os
seus ideais de bondade para com os oprimidos. É este um poema lírico contido no
Canto IV do D. Jaime - espécie de “epopeia” sui generis, de
muitos ritmos e expressão sentimental, explosiva ou mesmo piegas, ao modo ultra
romântico, em torno de uma história de patriotismo em tempo de domínio
castelhano em Portugal:
Bem hajas,
oh luz do sol,
Dos órfãos
agasalho e manto,
Imenso,
eterno farol
Deste mar
largo de pranto!
Bem hajas,
água da fonte,
Que não
desprezas ninguém!
bem haja a
urze do monte,
Que é lenha
de quem não tem!
Bem hajam
rios e relvas,
Paraíso dos
pastores!
Bem hajam
aves das selvas,
Música dos
lavradores!
Bem haja o
reino dos céus,
Que aos
pobres dá graça e luz!
Bem haja o
templo de Deus,
Que tem
sacramento e cruz!
Bem haja o
cheiro da flor,
Que alegra
o lidar campestre;
E o regalo do
pastor,
A negra
amora silvestre!
Bem haja o
repouso à sesta
Do lavrador
e da enxada;
E a
madressilva modesta,
Que
espreita à beira da estrada!
Triste de
quem der um ai
Sem achar
eco em ninguém!
Felizes os
que têm pai,
Mimosos os
que têm mãe! TOMÁS RIBEIRO
Desta
vez os pobrezinhos são, para Isabel Moreira e todas as outras nossas doutoras habituais
do companheirismo defensor dos lesados – sempre ilibados de responsabilidades -
não os nossos da austeridade, mas os da Grécia, que preferem, na voz dos seus condottieri,
não mexer nos encargos financeiros tomados anteriormente, e continuar na sua
dança de avanços e recuos brincalhões com a velha Europa rezingona mas que vai cedendo
e ajudando - para satisfação da maioria de nós, é certo, embora na indignação perante o desplante helénico.
A crise explicada pelas criancinhas
por
ALBERTO GONÇALVES , 21 junho 2015
«Sem
a densidade intelectual que me permitisse decifrar a erudição económica de um,
ou de dois, Varoufakis, o meu instinto primário levava-me a ver a crise grega
com o olhar dos simplórios. Desde logo, achei que a crise era sobretudo um
problema dos gregos. E que os gregos recorriam a dinheiro principalmente alemão
para patrocinar os vícios de um Estado tresloucado. E que quando os alemães se
cansaram do arranjinho a Grécia escolheu uma agremiação de patetas para a
representar. E que os patetas andaram uma eternidade a fingir que cumpriam as
condições dos novos empréstimos que livrariam a Grécia da bancarrota enquanto
tencionavam cumprir nada e pagar nenhum. E que as belíssimas invocações da
soberania local se esqueciam de invocar as soberanias dos países pouco
dispostos a financiar as bravatas. E que, por incrível que pareça, uma sessão
fotográfica na Paris Match, a ausência de gravata e a camisa de fora não
garantia o futuro da esquerda europeia. E que o ministro desengravatado se
convencera de que o medo da Europa seria sempre superior aos desvarios do seu
governo. E que a estratégia do "agarrem-me, senão eles batem-me"
tinha tudo para terminar num enternecedor fiasco. E que hoje, junto à porta da
saída, o fiasco se traduz no desespero com que os patetas alternam ameaças e
súplicas. E que isto tem alguma graça.
Não
podia estar mais errado. Por sorte, um texto da deputada socialista Isabel
Moreira abriu-me a coração para a Verdade. Publicado no recomendável blogue
Aspirina B, em que convivem viúvas de José Sócrates, o texto começa por aludir
ao "ultrajante dilema europeu", e por declarar "aviltante"
não sei o quê. De seguida, a Dra. Isabel saltita pelo "cuspo da psicopatia
estratégica" para concluir que, além de opcional, a austeridade é
"fome, confisco, é emigração". E "crueldade". E
"malvadez", que fez a economia portuguesa, nas contas da Dra. Isabel,
recuar 20 anos (ah, as saudades das trevas "cavaquistas").
Quanto
aos gregos, sentencia a Dra. Isabel, "atreveram-se a fazer uma escolha que
não agrada à Alemanha". A de viver à custa dos alemães?, perguntaria um
ignorante. Também, mas não é esse o ponto. O ponto é a heróica recusa da
"austeridade selvagem", com que a "direita fanática" deseja
humilhar, só por pirraça, os "povos do Sul". Infelizmente, a
"dignidade" não basta, pelo que "as medidas de desastre social
impostas" puseram a Grécia "a sangrar" e visam impedir qualquer
acordo. Avisada, a Dra. Isabel prevê que os efeitos da saída grega do euro
serão "devastadores" para Portugal. E "a direita com as mãos
sujas vai culpar quem, quando se colocar a questão de um novo resgate?" O
PS, claro. Toda a crise europeia é um plano para retirar mérito às extraordinárias
e hipotéticas conquistas do Dr. Costa, quando, ou se, tamanho portento chegar
ao poder.
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