terça-feira, 23 de junho de 2015

Bem haja a Europa fonte



Nos meus tempos de “menina e moça”, havia, entre os livros da estante do meu pai que a curiosidade me fazia vasculhar, como tesouros de uma caverna de Ali-Babá que fui gradualmente penetrando, alguns deles  - tirante os de Júlio Dinis, de Eça, o “Camilo Alcoforado “ e a “Miss Esfinge” de Campos Monteiro, e mesmo Raul Brandão ou Fialho de Almeida e um ou outro mais levezinho, estando longe de entreter uma adolescência que se comprazia nas novelas cor de rosa que andavam de mão em mão – alguns, pois, de carácter mais descritivo, histórico ou mesmo filosófico, como “Palavras cínicas”, de Albino Forjaz Sampaio, que quadravam à natureza observadora e crítica do meu pai. Foi também lá que encontrei o “D. Jaime” de Tomás Ribeiro, livro que reencontrei, na estante mais enriquecida, com Jorge Amado, Aquilino, e tantos outros da colecção Unibolso, contendo obras primas, que a espaços vou espreitando, o tempo não dando tempo para absorver tudo o que se quer na vida, os meios de dispersão mediática fornecendo outros tantos programinhas para o far niente da vida no seu poente.
Serve o introito para referir um artigo de Alberto Gonçalves - «A crise explicada pelas criancinhas» (Notícias, 21/6/15) - por me ter lembrado de dedicar um dos muitos  poemas do “D. Jaime”, que as antologias escolares da época publicavam, pelos sentimentos pátrios e caritativos que difundiam e a gente decorava, tal a melodia e os bons sentimentos que tão bem quadravam à nossa maneira de ser acarinhadora dos pobrezinhos. Dedicar pois, o poema de sentimentos devotos e generosos a jovens como Isabel Moreira e outras doutoras da nossa praça que como ela exprimem os seus ideais de bondade para com os oprimidos. É este um poema lírico contido no Canto IV do D. Jaime - espécie de “epopeia” sui generis, de muitos ritmos e expressão sentimental, explosiva ou mesmo piegas, ao modo ultra romântico, em torno de uma história de patriotismo em tempo de domínio castelhano em Portugal:
Bem hajas, oh luz do sol,
Dos órfãos agasalho e manto,
Imenso, eterno farol
Deste mar largo de pranto!

Bem hajas, água da fonte,
Que não desprezas ninguém!
bem haja a urze do monte,
Que é lenha de quem não tem!

Bem hajam rios e relvas,
Paraíso dos pastores!
Bem hajam aves das selvas,
Música dos lavradores!

Bem haja o reino dos céus,
Que aos pobres dá graça e luz!
Bem haja o templo de Deus,
Que tem sacramento e cruz!

Bem haja o cheiro da flor,
Que alegra o lidar campestre;
E o regalo do pastor,
A negra amora silvestre!

Bem haja o repouso à sesta
Do lavrador e da enxada;
E a madressilva modesta,
Que espreita à beira da estrada!

Triste de quem der um ai
Sem achar eco em ninguém!
Felizes os que têm pai,
Mimosos os que têm mãe!   TOMÁS RIBEIRO
Desta vez os pobrezinhos são, para Isabel Moreira e todas as outras nossas doutoras habituais do companheirismo defensor dos lesados – sempre ilibados de responsabilidades - não os nossos da austeridade, mas os da Grécia, que preferem, na voz dos seus condottieri, não mexer nos encargos financeiros tomados anteriormente, e continuar na sua dança de avanços e recuos brincalhões com a velha Europa rezingona mas que vai cedendo e ajudando - para satisfação da maioria de nós, é certo, embora  na indignação perante o desplante helénico.
A crise explicada pelas criancinhas
por ALBERTO GONÇALVES , 21 junho 2015
«Sem a densidade intelectual que me permitisse decifrar a erudição económica de um, ou de dois, Varoufakis, o meu instinto primário levava-me a ver a crise grega com o olhar dos simplórios. Desde logo, achei que a crise era sobretudo um problema dos gregos. E que os gregos recorriam a dinheiro principalmente alemão para patrocinar os vícios de um Estado tresloucado. E que quando os alemães se cansaram do arranjinho a Grécia escolheu uma agremiação de patetas para a representar. E que os patetas andaram uma eternidade a fingir que cumpriam as condições dos novos empréstimos que livrariam a Grécia da bancarrota enquanto tencionavam cumprir nada e pagar nenhum. E que as belíssimas invocações da soberania local se esqueciam de invocar as soberanias dos países pouco dispostos a financiar as bravatas. E que, por incrível que pareça, uma sessão fotográfica na Paris Match, a ausência de gravata e a camisa de fora não garantia o futuro da esquerda europeia. E que o ministro desengravatado se convencera de que o medo da Europa seria sempre superior aos desvarios do seu governo. E que a estratégia do "agarrem-me, senão eles batem-me" tinha tudo para terminar num enternecedor fiasco. E que hoje, junto à porta da saída, o fiasco se traduz no desespero com que os patetas alternam ameaças e súplicas. E que isto tem alguma graça.
Não podia estar mais errado. Por sorte, um texto da deputada socialista Isabel Moreira abriu-me a coração para a Verdade. Publicado no recomendável blogue Aspirina B, em que convivem viúvas de José Sócrates, o texto começa por aludir ao "ultrajante dilema europeu", e por declarar "aviltante" não sei o quê. De seguida, a Dra. Isabel saltita pelo "cuspo da psicopatia estratégica" para concluir que, além de opcional, a austeridade é "fome, confisco, é emigração". E "crueldade". E "malvadez", que fez a economia portuguesa, nas contas da Dra. Isabel, recuar 20 anos (ah, as saudades das trevas "cavaquistas").
Quanto aos gregos, sentencia a Dra. Isabel, "atreveram-se a fazer uma escolha que não agrada à Alemanha". A de viver à custa dos alemães?, perguntaria um ignorante. Também, mas não é esse o ponto. O ponto é a heróica recusa da "austeridade selvagem", com que a "direita fanática" deseja humilhar, só por pirraça, os "povos do Sul". Infelizmente, a "dignidade" não basta, pelo que "as medidas de desastre social impostas" puseram a Grécia "a sangrar" e visam impedir qualquer acordo. Avisada, a Dra. Isabel prevê que os efeitos da saída grega do euro serão "devastadores" para Portugal. E "a direita com as mãos sujas vai culpar quem, quando se colocar a questão de um novo resgate?" O PS, claro. Toda a crise europeia é um plano para retirar mérito às extraordinárias e hipotéticas conquistas do Dr. Costa, quando, ou se, tamanho portento chegar ao poder.

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