A minha amiga não me pareceu estar
hoje no seu melhor. É certo que largou graças ao meu colar, que comprei por
metade do preço, numa casa prestes a fechar e por isso em saldo, e cujo uso –
do colar, está claro - por inesperado, tive
que justificar como servindo, não para disfarçar as engelhas do pescoço, mas
para as aprimorar, embora a própria Catarina Martins realce melhor os seus
traços juvenis com o colar aconchegador da nobreza dos seus ideais e dos seus
olhos macios de tristeza acusatória. Escutadas, pois, as homenagens ao meu
aspecto mais produzido, notei, todavia, o ar de circunspecção da minha amiga e logo lhe perguntei se se
devia ao estado de saúde da Maria Barroso a que a minha afectividade
acrescentou o “coitadinha” da minha consideração lusíada pela figura sempre
aprumada, tantos anos acompanhante dos eventos nacionais de marca, com os
discursos protocolares dos seus saberes.
Mas a minha amiga, muito decisiva,
não se comoveu, embora se percebesse a sua estima, e sem perder pitada do seu
azedume contra as carências da organização nacional:
- Já cá não está a fazer nada. Fez
uma vida sempre activa. E no dia em que a cabeça falhou, foi-se. Chegou a sua
vez. Teve sorte, muita sorte. Ela está muito bem, sem dor. Parece que a não
levaram logo ao hospital quando caiu, pois continuou a falar, mas também se
entrasse pelo seu pé mandavam-na embora.
A minha irmã acrescentou que o marido
parecia mais inseguro do que ela, mas que as quedas, nas nossas idades, são muito
perigosas e a conversa rodou, na aridez das constatações da precariedade
existencial, enquanto, no nosso compasso de espera na esplanada soalheira, enfiávamos
os cafés domingueiros, enobrecidos pela torrada ou o bolo revitalizadores.
Outro assunto “macabro” trouxe a minha irmã à baila, tendo lido numa revista
sobre o polícia que escreveu o livro sobre a Maddie – o inspector Gonçalo Amaral - em
situação penosa, a justiça portuguesa condenando-o, subserviente à justiça inglesa.
- Aquele era da polícia. Foi corrido –
começou a minha
irmã.
- Não sei como é que o homem ainda
não morreu – continuou
a minha amiga, de revolta sempre afiada.
- Abandonado pela mulher, com
depressão e diabetes… Proibiram o livro, só porque ele insinuou que os pais
deviam conhecer o fim da filha… Mas essas coisas não se podem dizer, e bumba, é-se
castigado.
- E o Estado não o ajuda? – lancei eu, que trouxe da infância as
crenças ingénuas nas histórias de fadas.
- Nada. O homem está na maior
miséria.
A minha amiga lembrou os bons padrinhos ingleses
dos pais da Maddie e o rebaixamento do governo português, adepto da lei do mais
forte.
- É por isso que eu detesto os
ingleses, concluiu a minha irmã, sem rodeios, traduzindo velhos saberes de
rancor histórico, dos tempos do Beresford e do “mapa cor de rosa” das nossas
humilhações.
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