segunda-feira, 29 de junho de 2015

Crying in the sun



A minha amiga não me pareceu estar hoje no seu melhor. É certo que largou graças ao meu colar, que comprei por metade do preço, numa casa prestes a fechar e por isso em saldo, e cujo uso – do colar, está claro -  por inesperado, tive que justificar como servindo, não para disfarçar as engelhas do pescoço, mas para as aprimorar, embora a própria Catarina Martins realce melhor os seus traços juvenis com o colar aconchegador da nobreza dos seus ideais e dos seus olhos macios de tristeza acusatória. Escutadas, pois, as homenagens ao meu aspecto mais produzido, notei, todavia, o ar de circunspecção  da minha amiga e logo lhe perguntei se se devia ao estado de saúde da Maria Barroso a que a minha afectividade acrescentou o “coitadinha” da minha consideração lusíada pela figura sempre aprumada, tantos anos acompanhante dos eventos nacionais de marca, com os discursos protocolares dos seus saberes.
Mas a minha amiga, muito decisiva, não se comoveu, embora se percebesse a sua estima, e sem perder pitada do seu azedume contra as carências da organização nacional:
- Já cá não está a fazer nada. Fez uma vida sempre activa. E no dia em que a cabeça falhou, foi-se. Chegou a sua vez. Teve sorte, muita sorte. Ela está muito bem, sem dor. Parece que a não levaram logo ao hospital quando caiu, pois continuou a falar, mas também se entrasse pelo seu pé mandavam-na embora.
A minha irmã acrescentou que o marido parecia mais inseguro do que ela, mas que as quedas, nas nossas idades, são muito perigosas e a conversa rodou, na aridez das constatações da precariedade existencial, enquanto, no nosso compasso de espera na esplanada soalheira, enfiávamos os cafés domingueiros, enobrecidos pela torrada ou o bolo revitalizadores.
Outro assunto “macabro” trouxe  a minha irmã à baila, tendo lido numa revista sobre o polícia que escreveu o livro sobre a  Maddie – o inspector Gonçalo Amaral - em situação penosa, a justiça portuguesa condenando-o, subserviente à justiça inglesa.
- Aquele era da polícia. Foi corrido – começou a minha irmã.
- Não sei como é que o homem ainda não morreu – continuou a minha amiga, de revolta sempre afiada.
- Abandonado pela mulher, com depressão e diabetes… Proibiram o livro, só porque ele insinuou que os pais deviam conhecer o fim da filha… Mas essas coisas não se podem dizer, e bumba, é-se castigado.
- E o Estado não o ajuda? – lancei eu, que trouxe da infância as crenças ingénuas nas histórias de fadas.
- Nada. O homem está na maior miséria.
 A minha amiga lembrou os bons padrinhos ingleses dos pais da Maddie e o rebaixamento do governo português, adepto da lei do mais forte.
- É por isso que eu detesto os ingleses, concluiu a minha irmã, sem rodeios, traduzindo velhos saberes de rancor histórico, dos tempos do Beresford e do “mapa cor de rosa” das nossas humilhações.

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