quinta-feira, 25 de junho de 2015

Resvalando



«O ensino deve ser de modo a fazer sentir aos alunos que aquilo que se lhes ensina é uma dádiva preciosa e não uma amarga obrigação»: Einstein o disse, tornou-se axioma que o “Público” publicou no domingo de 14/6/15, e que gostosamente tomamos como regra, para nosso resguardo físico e mental, sendo que, desta forma responsabilizadora do mestre que o difunde, nos ilibamos a nós dos nossos insucessos, imputando-os exclusivamente àquele, que o tornou não dádiva preciosa mas obrigação danosa.
É Jacques Prévert que também no mesmo axioma se inspira para traçar a figura do seu “Cancre”, desatento e rebelde à penosa obrigação, recebendo, provavelmente pela janela, a dádiva preciosa das suas devoções – aquilo que ele ama, dádiva do seu mundo próprio, de cor e felicidade, tema indiscutivelmente enternecedor para nós que amamos a infância criativa e irreverente da espontaneidade, Herman José no seu Zezinho atrevido e desestabilizador:
«Le Cancre»
Il dit non avec la tête
mais il dit oui avec le coeur
il dit oui à ce qu’il aime
il dit non au professeur
il est debout
on le questionne
et tous les problèmes sont posés
soudain le fou rire le prend
et il efface tout
les chiffres et les mots
les dates et les noms
les phrases et les pièges
et malgré les menaces du maître
sous les huées des enfants prodiges
avec les craies de toutes les couleurs
sur le tableau noir du malheur
il dessine le visage du bonheur.
(in  PAROLES)
(Ele diz não com a cabeça mas diz sim com o coração diz sim a tudo o que ama diz não ao professor ele está de pé é interrogado e todos os problemas são colocados de repente o riso desenfreado o toma e ele apaga tudo algarismos e palavras as datas e os nomes as frases e as armadilhas e apesar das ameaças do professor sob os apupos dos meninos prodígio com os pedaços de giz de todas as cores no quadro negro da desgraça ele desenha o rosto da felicidade.)
Afinal, tem sido esse o caminho por que ultimamente, durante vários anos temos evoluído, com a reviravolta sofrida pelo ensino, as novas metodologias destinadas a pôr de parte o aprendizado centrado na memória, segundo o método tradicional, e privilegiando uma educação de liberdade e de direitos igualitários, que, evidentemente, se revelam como grossa armadilha que colherá a mocidade quando, não possuidora de saberes mas de pretensões de competências, terá de enfrentar exigências e compostura a que não foi habituada.
É certo que o dinheiro tudo resolve, e que até se obtêm cursos por meio de fraudes, mas a regra não será essa, o bom senso acabará por retomar os velhos caminhos dos preconceitos mais sólidos, de honestidade e esforço, contamos com isso.
Todavia, lendo o artigo de Vasco Pulido Valente dessa mesma página do Público – «O Papa e a Guerra» - quase que reconhecemos a nulidade deste nosso esbracejar, uns por isto, outros pelo seu contrário, uns batalhando por abstracções, outros lutando pela sua vida apenas, indiferentes ou superiores aos “rumores do universo”.
Mais uma lição de história – esta contemporânea – a do seu texto que, referindo as previsões do papa Francisco sobre as hipóteses de uma terceira guerra mundial, mostra como se fizeram as outras duas, num mundo espartilhado de pequenos conflitos que de repente foram causa de conflitos assustadores em que as grandes potências se envolveram. Tal como hoje. Conflitos aqui, além, envolvimentos parciais das grandes potências, de repente ninguém é mais ninguém num mundo descomandado, que os maiores da Terra pretendem reconstruir em seu benefício.
Não, o ensino talvez não tenha, afinal, tanta importância assim. Os professores apenas deverão precaver-se. Enquanto a guerra não chega:
O Papa e a Guerra
Vasco Pulido Valente
Público, 14/6/15
«O Papa Francisco fala constantemente do perigo de uma nova guerra: de uma III guerra mundial. Porquê, sobretudo numa altura em que as grandes potências – a Rússia e a América – têm uma força equilibrada e são capazes de mutuamente se destruir?
Em 1914, os quatro “grandes” também não queriam aventuras (nem mesmo a Alemanha) e, no entanto, pequenas querelas, com que ninguém no fundo se preocupava, levaram a milhões de mortos e à ruína da Europa por uma geração. O problema está em que as pequenas querelas (as da Bósnia, por exemplo) podem com facilidade levar a um conflito geral, com que as pessoas de repente acordam sem explicação ou aviso. Guilherme II passou Julho de 1914 num cruzeiro à Noruega. Voltou uma semana antes de o céu cair.
No princípio do século XIX a Europa era um conjunto de pontos de fricção, nenhum dos quais parecia por si só resolúvel e anulável. Existiam dois blocos: a Alemanha, o Império Austro-Húngaro e a Itália de um lado; e do outro a França, a Inglaterra e a Rússia. Mas, para começar, havia treze grupos linguísticos, doze etnias diferentes, dúzias de inimizades com uma curta ou longa história e ambições de afirmação e expansão que chegavam ao território inteiro. A Rússia planeava dominar a costa do Pacífico e ocupar de uma vez para sempre Constantinopla. A Inglaterra não conseguia pacificar o separatismo irlandês. E, sobre isto, cresciam dia a dia religiões, seitas, partidos revolucionários, bandos de terroristas, que diminuíam ou arrasavam a influência da Igreja Católica.
O Papa Francisco vê a terra dividida e subdividida, à beira de catástrofes localizadas, mas perigosas. O islão continua numa guerra civil, que dia a dia se alarga e que as potências cuidadosamente ignoram. A África começa a ser penetrada pelo jihadismo mais feroz e as tribos do Afeganistão, do Iémen ou da Líbia estão muito longe de constituir nações. Putin pensa em anexar a Ucrânia. A Europa impotente e fragmentada assiste sem reagir. E a América, como jurou Obama, não tenciona “pôr as botas no terreno”. O que precede é uma insignificante amostra do estado caótico para que o mundo desliza. O Papa Francisco, cujas prédicas não me entusiasmam, olha a humanidade que lhe cabe pastorear com uma visível angústia. A fraqueza acaba invariavelmente mal.»

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