sábado, 27 de junho de 2015

De saco cheio



O caso da Grécia reverte sempre, até pelos próprios governantes gregos - industriados pelos não governantes portugueses seus parceiros - contra o governo de Passos Coelho e sobretudo contra Passos Coelho. Há quem lhe espreite o currículo, preocupados que somos pelos bons costumes, que condenam formações ambiciosas do poder, as quais se vão, ao que parece, enleando em redes proteccionistas até atingirem os pináculos das suas aspirações. Talvez tenham razão. Quando se vai cavando passo a passo a sua pequena ascensão na vida, feita de trabalho, de ambições e de naturais prazeres, em que se resume o viver humano, com o complemento de aflições e alegrias, distribuídas ao acaso dos procedimentos ou do destino, para os mais supersticiosos, a ascensão rápida de alguns traz sempre suspeitas, resultantes, muitas vezes, de mesquinhos ódios ou invejas. Todos os homens são seres imperfeitos, mas os outros sempre mais do que nós, que trazemos a sacola de trás – a dos nossos defeitos – mais leve, e a da frente, dos defeitos alheios,  a rebentar. Já Esopo o dissera e Fedro o imitara, concluindo La Fontaine a sua fábula (La besace), recheada de recursos animistas, segundo o seu costume, para os seus enredos poeticamente fabulosos - Júpiter convidando os animais a confessarem os seus defeitos, o que nenhum fez, contente consigo próprio, apontando todos os defeitos nos outros, e  com a referência final aos humanos – de saco leve atrás, de saco cheio à frente:
mais parmi les plus fous
Notre espèce excella ; car tout ce que  nous sommes,
Lynx  envers nos pareils, et taupes  envers nous,
Nous nous pardonnons tout, et rien aux autres hommes :
On se voit d'un autre œil qu'on ne voit son prochain.
            Le Fabricateur souverain
Nous créa Besaciers tous de même manière,
Tant ceux du temps passé que du temps d'aujourd'hui :
Il fit pour nos défauts la poche de derrière,
Et celle de devant pour les défauts d'autrui.

(mas entre os mais loucos
A nossa espécie se distinguiu; porque todos quantos somos,
Linces para com os nossos pares, toupeiras para connosco
Olhamo-nos com olhos diferentes
Dos com que para o próximo olhamos.
O Soberano Fabricante
Criou-nos a todos  - antigos como presentes -
Transportadores de sacola:
Para os nossos defeitos fez a bolsa de trás,
A bolsa da frente para os alheios defeitos.)

Vem o introito a propósito do programa que ouvi ontem, em repetição – Quadratura do Círculo – que em cada semana que passa nos apresenta um José Pacheco Pereira de sacola dianteira cada vez mais inchada, a de trás como só ele pode tê-la, lisinha de auto satisfação pela sua impecabilidade, e de saber extraído não do “experto peito” mas do peito forjado na muita leitura, que nele se traduz não por uma voz “pesada”, audível no mar claramente, como era a do “velho de aspeito venerando” e  “descontente”, mas por uma voz implicativamente aguda, de homem impaciente na meia idade, que se encontra noutras praias, de holofotes assestados sobre o seu lúcido saber.
Falou na destruição da Europa, dizendo não referir a influência da Grécia nessa, mas todo o seu discurso rodou em torno da pobre coitada, vítima de uma Europa que “congelou definitivamente as desigualdades sociais” – a que Passos Coelho abjectamente se submeteu – mas a que os altaneiros Syrizas  se não adaptam, orgulhosamente implicantes e indiferentes aos débitos dos seus compatriotas, como heróis de uma história de fábulas clássicas, não mais adaptados às realidades modernas, estas cada vez mais impacientes, aguardando mudanças invariavelmente adiadas, na fabricação de mais uma lenda, de contornos modernistas, esquilos roendo as nozes que as nogueiras benfazejas se não  atrevem a negar-lhes, seduzidas pelos ademanes sedutoramente caprichosos da puerilidade aventureira.
Quanto aos que se submetem sensatamente a pagar uma dívida que há muito os comprometeu, não passam de cobardes e vendidos ao poder supremo de uma Europa “congeladora de desigualdades”, apesar das promessas de união e igualdade pré estabelecidas nos Maastrichts da nova ordem.
Como José Pacheco Pereira que daqui não sai, há muitos. Muitos que deveriam estar reconhecidos a uma figura que, tal como Salazar outrora, nos libertou do labéu de maus pagadores, e que vai construindo uma nação mais livre da injúria externa  - conquanto não da interna, dos não habituados ao lema bíblico da necessidade de saldar dívidas. Para estes, pagar é ser servil, é viver de rastos, como os devotos “pagadores de promessas” que todos os anos a televisão faz questão de reproduzir.
Não são a mesma coisa. Os pagadores de dívida fazem-no discretamente, num objectivo construtivo e dignificante. Nos de “promessa” há muito de exibicionismo grotesco.
Eu estou grata a Passos Coelho e aos do seu Governo, digam lá o que disserem os da sacola bojuda dianteira.

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