O caso da Grécia reverte sempre, até pelos
próprios governantes gregos - industriados pelos não governantes portugueses seus
parceiros - contra o governo de Passos Coelho e sobretudo contra Passos Coelho.
Há quem lhe espreite o currículo, preocupados que somos pelos bons costumes,
que condenam formações ambiciosas do poder, as quais se vão, ao que parece, enleando
em redes proteccionistas até atingirem os pináculos das suas aspirações. Talvez
tenham razão. Quando se vai cavando passo a passo a sua pequena ascensão na
vida, feita de trabalho, de ambições e de naturais prazeres, em que se resume o
viver humano, com o complemento de aflições e alegrias, distribuídas ao acaso
dos procedimentos ou do destino, para os mais supersticiosos, a ascensão rápida
de alguns traz sempre suspeitas, resultantes, muitas vezes, de mesquinhos ódios
ou invejas. Todos os homens são seres imperfeitos, mas os outros sempre mais do
que nós, que trazemos a sacola de trás – a dos nossos defeitos – mais leve, e a
da frente, dos defeitos alheios, a
rebentar. Já Esopo o dissera e Fedro o imitara, concluindo La Fontaine a sua
fábula (La besace), recheada de recursos animistas, segundo o seu
costume, para os seus enredos poeticamente fabulosos - Júpiter convidando os
animais a confessarem os seus defeitos, o que nenhum fez, contente consigo
próprio, apontando todos os defeitos nos outros, e com a referência final aos humanos – de saco leve
atrás, de saco cheio à frente:
mais parmi les plus fous
Notre espèce excella ; car tout ce que
nous sommes,
Lynx envers nos pareils, et taupes envers nous,
Nous nous pardonnons tout, et rien aux autres hommes :
On se voit d'un autre œil qu'on ne voit son prochain.
Le Fabricateur souverain
Nous créa Besaciers tous de même manière,
Tant ceux du temps passé que du temps d'aujourd'hui :
Il fit pour nos défauts la poche de derrière,
Et celle de devant pour les défauts d'autrui.
Nous nous pardonnons tout, et rien aux autres hommes :
On se voit d'un autre œil qu'on ne voit son prochain.
Le Fabricateur souverain
Nous créa Besaciers tous de même manière,
Tant ceux du temps passé que du temps d'aujourd'hui :
Il fit pour nos défauts la poche de derrière,
Et celle de devant pour les défauts d'autrui.
(mas entre os mais loucos
A nossa espécie se
distinguiu; porque todos quantos somos,
Linces para com os nossos
pares, toupeiras para connosco
Olhamo-nos com olhos
diferentes
Dos com que para o próximo
olhamos.
O Soberano Fabricante
Criou-nos a todos - antigos como presentes -
Transportadores de sacola:
Para os nossos defeitos
fez a bolsa de trás,
A bolsa da frente para os alheios
defeitos.)
Vem o introito a propósito do programa que ouvi ontem,
em repetição – Quadratura do Círculo – que em cada semana que passa nos
apresenta um José Pacheco Pereira de sacola dianteira cada vez mais inchada, a
de trás como só ele pode tê-la, lisinha de auto satisfação pela sua
impecabilidade, e de saber extraído não do “experto peito” mas do peito forjado
na muita leitura, que nele se traduz não por uma voz “pesada”, audível no mar
claramente, como era a do “velho de aspeito venerando” e “descontente”, mas por uma voz
implicativamente aguda, de homem impaciente na meia idade, que se encontra
noutras praias, de holofotes assestados sobre o seu lúcido saber.
Falou na destruição da Europa, dizendo não referir a
influência da Grécia nessa, mas todo o seu discurso rodou em torno da pobre
coitada, vítima de uma Europa que “congelou definitivamente as desigualdades
sociais” – a que Passos Coelho abjectamente se submeteu – mas a que os
altaneiros Syrizas se não adaptam,
orgulhosamente implicantes e indiferentes aos débitos dos seus compatriotas,
como heróis de uma história de fábulas clássicas, não mais adaptados às
realidades modernas, estas cada vez mais impacientes, aguardando mudanças
invariavelmente adiadas, na fabricação de mais uma lenda, de contornos
modernistas, esquilos roendo as nozes que as nogueiras benfazejas se não atrevem a negar-lhes, seduzidas pelos ademanes
sedutoramente caprichosos da puerilidade aventureira.
Quanto aos que se submetem sensatamente a pagar uma
dívida que há muito os comprometeu, não passam de cobardes e vendidos ao poder
supremo de uma Europa “congeladora de desigualdades”, apesar das
promessas de união e igualdade pré estabelecidas nos Maastrichts da nova ordem.
Como José Pacheco Pereira que daqui não sai, há
muitos. Muitos que deveriam estar reconhecidos a uma figura que, tal como
Salazar outrora, nos libertou do labéu de maus pagadores, e que vai construindo
uma nação mais livre da injúria externa
- conquanto não da interna, dos não habituados ao lema bíblico da
necessidade de saldar dívidas. Para estes, pagar é ser servil, é viver de
rastos, como os devotos “pagadores de promessas” que todos os anos a televisão
faz questão de reproduzir.
Não são a mesma coisa. Os pagadores de dívida fazem-no
discretamente, num objectivo construtivo e dignificante. Nos de “promessa” há
muito de exibicionismo grotesco.
Eu estou grata a Passos Coelho e aos do seu Governo, digam
lá o que disserem os da sacola bojuda dianteira.
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