segunda-feira, 1 de junho de 2015

De gritos!



Transcrevo da Internet:
«O espaço público é considerado como aquele que seja de uso comum e posse de todos. Entendendo-se a cidade como local de encontros e relações, o espaço público apresenta, em seu ambiente, papel determinante. É nele que se desenvolvem atividades coletivas, com convívio e trocas entre os grupos diversos que compõem a heterogénea sociedade urbana. A existência do espaço público, portanto, está relacionada diretamente com a formação de uma cultura agregadora e compartilhada entre os cidadãos.
A rua é considerada o espaço público, sendo o elemento articulador das localidades e da mobilidade, pode ser considerada a formadora da estrutura urbana e de sua representação. De acordo com Kevin Lynch (Lynch, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1988). Também é o local principal em que se forma a imagem da cidade, já que é por ela que os habitantes transitam e tem a oportunidade de observá-la e entendê-la.
Alamedas, praças e parques têm ainda a função de prover, aos espaços urbanizados e edificados, áreas verdes e de lazer.»

Vasco Pulido Valente agarra politicamente no tema, a propósito dos distúrbios aquando da “festa benfiquista” que redundou nas “rapaziadas” próprias dos nossos hábitos de estragação, forma por excelência de ocupar o nosso tempo de desconcentração e spleen. Dantes falava-se em “fado, futebol e Fátima” das nossas predilecções culturais, hoje podemos afirmar que evoluímos nisso à grande, como povo de grande força anímica, tanto para fazer como para desfazer, e o futebol é disso prova. Nada melhor que o “espaço público”, como pertencente à colectividade, para darmos vazão ao nosso espírito gritante, por muito que na Grécia e na Roma Antigas já se usasse civilizadamente recurso a licenças e controles, para a necessária ordem. Mas o tempo é de intifadas. Na falta de pedras, servem os cacos das garrafas bebidas.

O espaço público
Público, 23/05/2015
Os clubes de futebol gastam do seu próprio bolso 2,5 milhões de euros por ano para manter a ordem antes, durante e depois dos jogos. Parece muito, mas também o Estado contribui com 3,5 milhões para ajudar a que o cidadão se possa divertir em sossego. Os distúrbios no Marquês de Pombal foram provocados por uma mistura de oportunismo político e de inconsciência. A PSP fez saber à Câmara Municipal de Lisboa que se opunha à “festa” do Benfica e, sobretudo, à criação de um palco circular e à venda de bebidas.
A câmara alegadamente não se ralou. Como negou que a Associação de Bombeiros Profissionais de Lisboa acusasse o Benfica de não ter garantido as “condições de segurança” a um “evento” para que se esperavam entre cem a duzentas mil pessoas. Pior ainda o comando de intervenção não mandou fardar as suas tropas, prevendo qualquer possibilidade de violência; 16 polícias ficaram feridos, e cento e tal civis, porque da câmara ao corpo de intervenção ninguém quis desgostar os benfiquistas em véspera de eleições.
No meio desta desgraça, um ou outro político levantou a questão do “espaço público”. Para meu espanto, Pedro Santana Lopes foi o primeiro e o mais taxativo. Disse ele: “Celebrações de futebol, cada uma no seu estádio.” “Se querem fazer mal”, acrescentou, que o façam em casa. A ideia de que o espaço público de uma cidade serve para uso privado de qualquer cidadão é aberrativa. O “espaço público”, como o nome indica, serve por natureza para o uso e a conveniência da colectividade. Ninguém pode pedir a ninguém que o evite, ou mesmo que “lhe fuja”, em nome de fins particulares (desportivos, musicais, políticos, religiosos) sem a licença da polícia, o estabelecimento de alternativas e a vigilância da autoridade. A isto se chama “civilização”, já conhecida na Grécia e em Roma.
O eng. Nuno Abecassis mandou pôr um muro à volta de uma parte de Belém para alugar lotes a tabernas que vendiam sardinhas. Sá Carneiro mandou remover essa cangalhada pseudopopular. Hoje não há cão nem gato que não se sinta no direito de ocupar as ruas e as praças de qualquer cidade para ouvir um cantor ou um “grupo”, ou comer numa “feira gastronómica” sem vestígio de sentido, ou celebrar um aniversário obscuro. Esta excitação acabou por ser uma actividade normal que o Estado protege e subsidia. Mas, muito enfaticamente, não é.

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