Diz-se que os portugueses são um povo
desenrascado, mesmo ardiloso. Eu acho-o inteligente. E não só por tantas
figuras gradas que ilustraram a sua língua, mas por muita acção específica com que,
no embate das peripécias da sua história, já desde os tempos de Mumadona -
ainda nem se falava deles - soube sempre dar a
resposta, nas várias conjunturas, de acordo com o seu entendimento. Até
mesmo (e sobretudo!) nas colonizações - que Isabel Moreira, no último programa
da Barca do Inferno esta semana, considerou patetamente (patetas nunca faltam
também, na história que os portugueses traçaram, e com o domínio da fêmea, que
as três protagonistas da Barca quiseram focar em auto homenagem de satisfação,
o nome (/substantivo) comum de dois, ou adjectivo uniforme, tornou-se extensivo
àquela, dantes mais discreta, apesar da padeira de Aljubarrota e da D. Leonor
das Misericórdias) – Isabel Moreira, dizia, definiu, patetamente, -
pateticamente, também - a nossa colonização antiga como “linhas” no horizonte,
ao contrário das bojudas colonizações praticadas pelos outros povos mais
adultos do que nós. Prova do nosso raquitismo mental e moral, que,
evidentemente, também não falta, tais observações de trafulhice empenhada, das
menininhas e dos menininhos que, porque absorveram algumas leituras dos apóstolos
da bondade e do radicalismo unilaterais se acham detentores das verdades
absolutas, míopes para as realidades integrais.
Mas o povo português é inteligente. A
última demonstração disso - para além das muitas que revelam as capacidades de
usarem dinheiros alheios em proveito próprio – é esta de, num tal 25 de Abril,
a governação ter singrado pela era de uma democracia libertária, que era o que
estava a dar na altura, que trouxe para a ribalta nomes como Álvaro Cunhal,
Soares, Spínola, Otelo, Vasco Gonçalves, Pinheiro de Azevedo, e outras figuras da
nossa história moderna agitada, substituta da “paz podre” da história antiga, e
o povo português aceitou esfuziante a cambalhota na orientação dos seus destinos
que aparentemente os elevava. Mas as figuras rodaram, no carrossel do tempo, e
o que se viu foi que, esperto ou inteligente como é, e cada vez mais
experiente, o povo português já não vai tanto atrás dos dizeres dos muitos
proponentes aos comandos do rectângulo nacional - acrescido das excrescências de
pontos minúsculos oceânicos), para utilizar a linguagem geométrica da doutora
Isabel Moreira. É isso que justifica as sondagens decrescentes a respeito do
PS. Apesar do mau governo dos actuais em campo - que Vasco Pulido Valente,
todavia, despreza, no seu artigo de 21/6, em contradição com o idêntico
desprezo pelo aventureirismo das promessas de António Costa:
“Os portugueses, como o pobre
país que são, preferem acima de tudo a segurança”, diz Pulido Valente.
Pinheiro de Azevedo , controlador e castiço, ordenava: “O povo é
sereno”. “Inteligente é o que ele é”, resumo eu em homenagem, respigando,
na História, analogias enaltecedoras.
O
artigo de Vasco Pulido Valente (Público,
21/06/2015):
O
que Portugal não precisa
Parece que houve uma grande
surpresa com a sondagem da Universidade Católica sobre o voto nas próximas
legislativas. Sem razão.
Os portugueses, como o pobre país que são, preferem
acima de tudo a segurança. Os
partidos do governo vieram à frente não porque tivessem governado bem
(governaram mal) ou porque tivessem resolvido os problemas do défice e da
dívida (não resolveram) ou porque tivessem atenuado a miséria que a crise
provocou (não atenuaram). O que eles fizeram ao fim de quatro anos foi dar ao
homem da rua um certo sentimento de rotina e de paz. Como dizia Saint-Simon,
durante a desastrosa guerra da sucessão espanhola, acabou por ser simplesmente
dar a um povo exausto de miséria e de convulsões uma pequena esperança de paz.
Com erros pelo meio, o governo conseguiu instalar os
portugueses numa resignação triste, em si mesma absolutamente inaceitável, mas
que, pelo menos, não punha dia a dia o mundo de pantanas. Claro que o melodrama
do Syriza ajudou bastante a este regresso à ordem do antigo regime. A irrupção
na cena europeia de uma dezena de putativos revolucionários, que se
manifestavam tirando a gravata e pedindo aos gritos coisas que toda a gente
lhes recusava e a que de qualquer maneira não podiam apresentar o mais vago
direito, dividiu Portugal em milhares de causas (muitas manifestamente justas),
sem criar um movimento colectivo com objectivos claros, mas pelo contrário
levando a suspeita lógica e sensata de que a realidade estabelecia ao desejo
limites firmes.
Depois da catástrofe por que passou, o país não quer
ser sujeito a uma nova experiência de engenharia financeira ou social, que nada
lhe garante que possa emendar (se correr mal) ou parar a tempo (se não lhe
convier). A oposição jura pelos planos que nos pretende aplicar. Só que esses
planos são vastos demais, pormenorizados demais, dependentes demais de factores
que a oposição não controla: e Portugal, embora frustrado e pobre, não precisa
de aventuras. O PS talvez consiga ainda alguma gravidade burguesa e juntar à
volta de Costa um grupo de indivíduos com um verdadeiro currículo de eficácia e
prudência. Como hoje se exibe, nem lhe falta tirar a gravata ou armar um
espalhafato por essas televisões. Já se percebeu do que a casa gasta.
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