Uma análise de uma grande analista.
De uma grande Mulher.
TRATA-SE DOS PORTUGUESES
Os
políticos vão e vêm, ganham e perdem. Os países duram. E quanto a alguns bons
resultados ou a felizes constatações, não se trata de gabar a coligação.
Trata-se, bem mais importante, dos portugueses
1.
Valeria a pena questionar esta coisa de António Costa valorizar
sistematicamente a sua posição dizendo mal. Só mal. Todo o mal. Exclusivamente
mal. Do Governo, do primeiro-ministro, da coligação. Tudo foi um erro, nada se
salvou. A ocorrência de haver índices, números, resultados, estatísticas, (já
lá vou) que desmentem, ou pelo menos esbatem consideravelmente, a ficção do
discurso de Costa sobre o país – falo de Portugal, no verão de 2015 – não
parecem interessar-lhe. É mais simples e mais rápido – duvida-se porém se mais
eficaz – negar.
Estará
o líder do PS manietado pelas expectativas hoje infinitamente menores que
provoca em relação a 2014, quando aterrou sem pré-aviso no Largo do Rato,
arredando de lá o seu camarada Seguro? Terá (ainda?) pouco de substancial para
dizer? Já não evoco a dúvida de algo de já decidido para a governação do país,
caso dela venha a ser incumbido; de alguma coisa que ultrapasse em utilidade o
“baixar o IVA da restauração” (e alguma vez houve tantos e tão exitosos
restaurantes entre nós, de norte sul?) ou “eliminar exames”. Ou de algo que não
seja um rol de promessas cuja concretização, quase na sua totalidade, depende
de um incertíssimo “aumento do consumo”, em grande parte estrangeiro. Também
não evoco os incontáveis ziguezagues executados sem norte aparente sobre o
documento idealizado pelos seus economistas. Umas coisas são para ver melhor;
outras só verão a luz do dia, se…; outras ainda são passíveis de discussão e,
quem sabe até, de serem retiradas.
E
assim sendo e parece que é, agarra-se na bengala da linguagem radical como
instrumento politico ou desagua-se no insulto. Como o “mentiroso” aplicado
agora a torto e a direito ao chefe do Governo com a naturalidade de quem diz
que ele é alto ou tem olhos claros. Um passo que o próprio Passos e a coligação
nunca deram. Puxem lá pela cabeça: em meses e meses, quatro anos, quatro, de
debates parlamentares, discursos, entrevistas, centenas de declarações à
entrada e saída de sítios, que me conste não há insultos, verbos radicais ou
insinuações falsas arrumadas nos arquivos. Sim, os políticos não são iguais,
mas aqui trata-se de escolhas e o que sucede é que elas explicam muito bem
– ou mesmo definem – os seus autores. E iluminam o seu caracter e os seus
modos de proceder politicamente.
2.
Mas qual será o resultado, interrogar-se-ão muitos, entre o pasmo e a
dúvida, ao ouvir o insulto como argumento? Atingirá o insulto grosseiro os
objectivos políticos em nome dos quais foi disparado? Olhar o gozo quase
violento com que as oposições, fazendo hoje disso uma regra, substituem o uso
racional do argumento político pela aplicação do insulto travestido de “culpa”
(a culpa é sempre “deles”), resvala para o mais baixo do exemplo cívico e
político. Não falo – porque não estamos diante disso – de um saudável
combate democrático duro e agressivo como compete, ou sequer do uso das boas
maneiras: falo de quase uma indecência.
Repare-se
em como as oposições servem agora Cavaco Silva como uma espécie de “prato do
dia”, devorado com gáudio e convenientemente “usado” como um vulgar inimigo
político. Ser ele o Chefe de Estado não impressiona as hostes. A esquerda
vomita outsiders (veja-se o caso de António José Seguro, que não era bem “um
deles”) Cavaco não pertence àquelas fileiras. Não tem legitimidade. E a
direita, por definição, não concita ou merece respeito, mesmo que meramente
institucional. Patriótico, ainda menos: a esquerda dá-se mal com a palavra, não
lhe encontra significado ou importância, confunde-a com nacionalismo.
3.
Falei acima de índices e resultados relativos a Portugal, em Julho de 2015.
Muito
a propósito, acabam de me informar de um estudo sobre desigualdades.
Contra
o que parece ser a convicção mediática entre nós, mostram os números que
constam desse estudo que a desigualdade global dos rendimentos em Portugal não
se agravou nos anos da crise. Pelo contrário, a redistribuição nos rendimentos
operada pelo Estado (por via dos impostos, transferências, etc. incluídos no
pacote de austeridade) foi de molde a conseguir diminuir até, ligeiramente, o
(consagrado) índice global de Gini.
A linha azul representa o índice de
Gini naturalmente gerado pelo mercado; a verde a acção redistributiva
do Estado; e a vermelha o índice de Gini real, depois dessa redistribuição
via impostos e prestações sociais (Fonte:
Eurostat)
Julgo em consciência que se tratará de uma quase “façanha”,
da qual aliás, nem todos os países sujeitos à austeridade destes anos se
poderão gabar por aí além. Sabendo-se porém como estes temas vão ser usados à
exaustão na campanha eleitoral, aqui fica o registo, já que a façanha tem sido
tornada dispensável pelas oposições ou mesmo ignorada. Que saberá afinal o PS
sobre o andamento do país?
4.
A “catalogação” em curso – quase vertiginosa, quase demencial, mas certamente
irracional – levará a que as considerações acima expostas sejam vistas como
vindas de uma “passista” cega ou sabe Deus. Mas não é de Passos e da sua
coligação que se trata, mas do país. Os políticos vão e vêm, ganham e perdem.
Os países duram. Mas mesmo sabendo que Portugal não se esgota nos insultos nem
mora apenas na subcave das redes sociais profissionalmente assassinas, aflige
observar como algumas coisas são possíveis de ser ditas.
E
quanto a alguns bons resultados do país ou a felizes constatações, como esta
das desigualdades, também não se trata de gabar a coligação mesmo que tenha
sido a sua navegação a chegar a alguns bons portos. Trata-se, o que é
infinitamente mais importante, dos portugueses.
21
de Julho de 2015
Maria João Avillez
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