quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Apenas uma tradução



Um poema de Charles Baudelaire, que mostra um estado de espírito depressivo de um grande poeta que influenciou tantos poetas nossos, como Cesário Verde e António Nobre, entre outros do mesmo século XIX, ou os próprios poetas do ORPHEU. Extraindo “flores” do “mal”, isto é, beleza dos motivos macabros da doença, miséria, droga, corrupção dos corpos, estados de espírito de profunda morbidez, “Les Fleurs du Mal” pretenderam demonstrar que a beleza poética em tudo assenta da realidade humana, não tem que se cingir aos motivos da espiritualidade ideal dos clássicos.
Como no último artigo falei no spleen dos literatos de hoje que, desprezando profundamente tudo e todos, provam as suas capacidades de inteligência e lucidez de análise, mas jamais se comprometem na defesa de determinado partido que, pela sua crítica global até parece que os seduz mais, preferindo, contudo, não dar a cara, tal me parece resultar de uma outra espécie de spleen deste século XXI, não propriamente de sofrimento por desespero romântico, como veremos na definição de Baudelaire, mas de sofrimento de orgulho incompreendido, de superioridade acima dos mais mortais, e isso se traduz não em auto análise de grande expansão imagística como naqueles tempos do sentimentalismo, mas em alteridade psicanalítica, faceira e brilhante de perspicácia.
(Tal não direi, contudo, de um programa que vi hoje na TVI, por Ricardo Araújo Pereira sobre Passos Coelho. Sempre lhe achei graça e admirei a capacidade de construir argumentos e raciocínios com mordacidade e leveza. Mas hoje apenas o achei “ordinário”. E tive pena. Essa juventude que desrespeita tudo e todos - capaz de se rebaixar, todavia, perante os que admira ou finge admirar ( não creio que a inteligência de Ricardo Araújo o leve a admirar, de facto, outro que não seja a si próprio ) – são um mau sintoma da educação de muitos jovens e adultos, péssimo exemplo para os jovens que os escutam no aparvalhamento das risadas ultrajantes).
Leiamos Baudelaire, naturalmente em tradução quase literal, sem o ritmo e a rima que tão belo poema, naturalmente, contém, e reparemos na dimensão das imagens dinâmicas do seu desespero:
Spleen
Quando o céu baixo e pesado tomba como uma tampa
Sobre o espírito gemendo em longas melancolias,
E abarcando todo o círculo do horizonte
Mais tristes do que as noites nos lança os dias;
Quando a terra se transforma em húmido calabouço
Ou a Esperança, qual morcego, contra os muros
Com as suas tímidas asas vai roçando,
E  com a cabeça, nos tectos podres batendo;
Quando a chuva, os seus amplos cordões de água despejando,
Imita as grades de uma vasta prisão,
E um exército mudo de enormes aranhas
Fundo nos nossos cérebros as suas teias vem estendendo,
Os sinos de repente explodem em fúria
E lançam para o céu um imenso fragor,
Como espíritos errantes e sem pátria
Que se põem obstinadamente a gemer.
- E sem música nem tambores, longos carros funerários
Desfilam na minha alma lentamente; a Esperança,
Vencida, chora, e a Angústia despótica, atroz,
Planta a sua negra bandeira sobre o meu crânio inclinado.
                (Charles Beaudelaire in “Les Fleurs du Mal”)

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