Um
poema de Charles Baudelaire, que mostra um estado de espírito depressivo de um
grande poeta que influenciou tantos poetas nossos, como Cesário Verde e António
Nobre, entre outros do mesmo século XIX, ou os próprios poetas do ORPHEU. Extraindo
“flores” do “mal”, isto é, beleza dos motivos macabros da doença, miséria,
droga, corrupção dos corpos, estados de espírito de profunda morbidez, “Les
Fleurs du Mal” pretenderam demonstrar que a beleza poética em tudo assenta
da realidade humana, não tem que se cingir aos motivos da espiritualidade ideal
dos clássicos.
Como
no último artigo falei no spleen dos literatos de hoje que, desprezando
profundamente tudo e todos, provam as suas capacidades de inteligência e
lucidez de análise, mas jamais se comprometem na defesa de determinado partido
que, pela sua crítica global até parece que os seduz mais, preferindo, contudo,
não dar a cara, tal me parece resultar de uma outra espécie de spleen deste
século XXI, não propriamente de sofrimento por desespero romântico, como
veremos na definição de Baudelaire, mas de sofrimento de orgulho incompreendido,
de superioridade acima dos mais mortais, e isso se traduz não em auto análise de
grande expansão imagística como naqueles tempos do sentimentalismo, mas em
alteridade psicanalítica, faceira e brilhante de perspicácia.
(Tal
não direi, contudo, de um programa que vi hoje na TVI, por Ricardo Araújo
Pereira sobre Passos Coelho. Sempre lhe achei graça e admirei a capacidade de
construir argumentos e raciocínios com mordacidade e leveza. Mas hoje apenas o
achei “ordinário”. E tive pena. Essa juventude que desrespeita tudo e
todos - capaz de se rebaixar, todavia, perante os que admira ou finge admirar (
não creio que a inteligência de Ricardo Araújo o leve a admirar, de facto,
outro que não seja a si próprio ) – são um mau sintoma da educação de muitos
jovens e adultos, péssimo exemplo para os jovens que os escutam no
aparvalhamento das risadas ultrajantes).
Leiamos
Baudelaire, naturalmente em tradução quase literal, sem o ritmo e a rima que
tão belo poema, naturalmente, contém, e reparemos na dimensão das imagens
dinâmicas do seu desespero:
Spleen
Quando o céu baixo e pesado tomba como uma tampa
Sobre o espírito gemendo em longas melancolias,
E abarcando todo o círculo do horizonte
Mais tristes do que as noites nos lança os dias;
Quando a terra se transforma em húmido calabouço
Ou a Esperança, qual morcego, contra os muros
Com as suas tímidas asas vai roçando,
E com a
cabeça, nos tectos podres batendo;
Quando a chuva, os seus amplos cordões de água
despejando,
Imita as grades de uma vasta prisão,
E um exército mudo de enormes aranhas
Fundo nos nossos cérebros as suas teias vem
estendendo,
Os sinos de repente explodem em fúria
E lançam para o céu um imenso fragor,
Como espíritos errantes e sem pátria
Que se põem obstinadamente a gemer.
- E sem música nem tambores, longos carros
funerários
Desfilam na minha alma lentamente; a Esperança,
Vencida,
chora, e a Angústia despótica, atroz,
Planta a
sua negra bandeira sobre o meu crânio inclinado.
(Charles Beaudelaire in “Les Fleurs du Mal”)
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