quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Apesar de tudo nunca pensei!



Quando ontem ouvi o Dr. António Costa fazendo apelo ao voto da esquerda unida – ou mesmo de alguns da direita tresmalhada - que os há sempre, nestas coisas de eleições, virando a casaca, para tentar ainda chegar ao bolo que uma revolução lhes prometera e que viam repartido apenas pelos que melhor souberam aplicar as garras da sua ambição, na conivência das amizades – abri a boca, no espanto perante a voz altissonante, pedindo voto porque sim, apenas para o fazer ganhar a ele, Costa, pois que, após a sua vitória, todos esses poderiam retomar as suas funções de demolidores do partido que elegeram para governar, isso não o incomodaria minimamente, ele lá estaria para ultrapassar os salsifrés dessa esquerda unida na devastação pátria atrelada aos bons sentimentos democráticos.
Creio que já lhe apontei o comportamento mais contido, junto dos companheiros da  Quadratura, com um sorriso que chegava a manifestar timidez, talvez por se encontrar junto de outros dois de craveira mental que não convinha menosprezar, para mais no contexto de uma conversa à mesa, em que não se tratava de discutir futebol, nem de política de mulheres que tantas vezes redundam em peixeirada de rua.
Mas o gosto de experimentar os eflúvios do poder lhe alteraram a postura, o ar contido passando ao irrequieto das falas e dos gestos, da ida em ombros, como já fora Soares, para a potencialidade de mais tarde se passear no dorso de qualquer animal exótico grato a uma meninice perene… além do dorso habitual do povo que Cesário definia como “Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!”, o que não é já totalmente certo, embora às vezes nos sintamos muito maltratados, mas a vida não é, definitivamente, nenhum mar de rosas.
Os repórteres captaram muitas vezes a fala altissonante de António Costa explicando que era preciso expulsar o Governo - tal como o faziam diariamente Jerónimo de Sousa, com o seu ar de avô rezinga, e Catarina Martins, com o seu de filha que tirou curso superior, malhando nos pais humildes, que não tiraram mas que se sacrificaram para ela o ter. Mas de facto foi para mim um momento de estupefacção, quando o ouvi pedir o voto útil apenas para aquele efeito momentâneo de derrube, cada qual podendo retomar depois a sua coesão específica para o derrube habitual – hoje de Passos, amanhã de Costa.
Assim, a sofreguidão do poder requintou, ao permitir todas as incontinências da desvergonha nestes espectáculos caricatos  contendo a  acusação do outro e pedinchice para o próprio.
Era Fialho de Almeida um escritor de novecentos que, em linguagem carregada de dureza crítica bem mostrou peculiaridades sombrias do carácter nacional, que Eça apimentaria com a sua picardia, de uma outra leveza não menos sombria para nós, que assim nos revemos de longa data. Extraio do Livro I de “Os Gatos” o seguinte passo em «As gorjetas pour la réussite de l’ affaire»:

«… De resto, é um contra-senso exigir que os costumes políticos sejam melhores que os particulares. O parlamentarismo não falhou entre nós, por mau regímen, mas porque não há fórmulas eficazes para nacionalidades caducas como a nossa.
Conclui-se disto a deliquescência da vida portuguesa, nos seus duplos aspectos da consciência e da moral. Lá começa primeiro uma separação completa e desdenhosa entre os interesses da grossa massa da população, e os da matilha que reparte entre si os dinheiros das rendas públicas, e se crapuliza na porfia escandalosa do poder. Vê-se em seguida a indiferença pública crescer em matéria política, os jornais serem lidos só por passatempo, os actos do governo serem mencionados só como uma variante de anedotas obscenas, a política armar em profissão sem hombridade, em impune “chantage”, e jornalistas e homens de estado enfileirarem, no conceito geral, logo em seguida aos ratoneiros e aos assassinos.»

Até na boca dos candidatos esse conceito perpassa? Os media fizeram alargar indiscutivelmente a cultura desde então, podíamos ser menos pobres no radicalismo crítico e sabermos reconhecer méritos, outros que não os nossos - sempre subjectivos estes.

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