Quando ontem ouvi o Dr. António Costa fazendo apelo ao
voto da esquerda unida – ou mesmo de alguns da direita tresmalhada - que os há
sempre, nestas coisas de eleições, virando a casaca, para tentar ainda chegar
ao bolo que uma revolução lhes prometera e que viam repartido apenas pelos que
melhor souberam aplicar as garras da sua ambição, na conivência das amizades –
abri a boca, no espanto perante a voz altissonante, pedindo voto porque sim,
apenas para o fazer ganhar a ele, Costa, pois que, após a sua vitória, todos
esses poderiam retomar as suas funções de demolidores do partido que elegeram
para governar, isso não o incomodaria minimamente, ele lá estaria para
ultrapassar os salsifrés dessa esquerda unida na devastação pátria atrelada aos
bons sentimentos democráticos.
Creio que já lhe apontei o comportamento mais contido,
junto dos companheiros da Quadratura,
com um sorriso que chegava a manifestar timidez, talvez por se encontrar junto
de outros dois de craveira mental que não convinha menosprezar, para mais no
contexto de uma conversa à mesa, em que não se tratava de discutir futebol, nem
de política de mulheres que tantas vezes redundam em peixeirada de rua.
Mas o gosto de experimentar os eflúvios do poder lhe
alteraram a postura, o ar contido passando ao irrequieto das falas e dos gestos,
da ida em ombros, como já fora Soares, para a potencialidade de mais tarde se passear
no dorso de qualquer animal exótico grato a uma meninice perene… além do dorso
habitual do povo que Cesário definia como “Homens de carga! Assim as bestas
vão curvadas!”, o que não é já totalmente certo, embora às vezes nos
sintamos muito maltratados, mas a vida não é, definitivamente, nenhum mar de
rosas.
Os repórteres captaram muitas vezes a fala
altissonante de António Costa explicando que era preciso expulsar o Governo -
tal como o faziam diariamente Jerónimo de Sousa, com o seu ar de avô rezinga, e
Catarina Martins, com o seu de filha que tirou curso superior, malhando nos
pais humildes, que não tiraram mas que se sacrificaram para ela o ter. Mas de
facto foi para mim um momento de estupefacção, quando o ouvi pedir o voto útil
apenas para aquele efeito momentâneo de derrube, cada qual podendo retomar
depois a sua coesão específica para o derrube habitual – hoje de Passos, amanhã
de Costa.
Assim, a sofreguidão do poder requintou, ao permitir
todas as incontinências da desvergonha nestes espectáculos caricatos contendo a
acusação do outro e pedinchice para o próprio.
Era Fialho de Almeida um escritor de novecentos que,
em linguagem carregada de dureza crítica bem mostrou peculiaridades sombrias do
carácter nacional, que Eça apimentaria com a sua picardia, de uma outra leveza
não menos sombria para nós, que assim nos revemos de longa data. Extraio do
Livro I de “Os Gatos” o seguinte passo em «As gorjetas pour la
réussite de l’ affaire»:
«… De resto, é um contra-senso exigir que os costumes
políticos sejam melhores que os particulares. O parlamentarismo não falhou
entre nós, por mau regímen, mas porque não há fórmulas eficazes para
nacionalidades caducas como a nossa.
Conclui-se disto a deliquescência da vida portuguesa,
nos seus duplos aspectos da consciência e da moral. Lá começa primeiro uma
separação completa e desdenhosa entre os interesses da grossa massa da
população, e os da matilha que reparte entre si os dinheiros das rendas
públicas, e se crapuliza na porfia escandalosa do poder. Vê-se em seguida a
indiferença pública crescer em matéria política, os jornais serem lidos só por
passatempo, os actos do governo serem mencionados só como uma variante de
anedotas obscenas, a política armar em profissão sem hombridade, em impune “chantage”,
e jornalistas e homens de estado enfileirarem, no conceito geral, logo em
seguida aos ratoneiros e aos assassinos.»
Até na boca dos candidatos esse conceito perpassa? Os
media fizeram alargar indiscutivelmente a cultura desde então, podíamos ser menos
pobres no radicalismo crítico e sabermos reconhecer méritos, outros que não os
nossos - sempre subjectivos estes.
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