Não sei se Alberto Gonçalves tem os pés bem assentes
na Terra, ou se é um lírico que se arrisca a concitar inimigos, mas de facto,
se se arrisca, é porque é alguém corajoso, e se o é, deve ter os pés bem assentes.
E os que o atacarem não passam de pusilânimes que a todo o custo desejam
mostrar qualidades beneméritas, as quais dão mais no goto das pessoas da
sensibilidade a favor dos prós e da pouca clareza de pensamento que não entende os
contras...
Na verdade, Alberto Gonçalves sente o que sentem os
europeus atacados pelas hordas de fugitivos, a fugir dos seus horrores, é
certo, pobres deles, mas quem sabe se muitos não pretendem infiltrar-se nos
terrenos de uma Europa a esfrangalhar-se dentro em pouco sem mais controlo nem
autoridade, onde irão difundir outras regras religiosas e aniquilar toda uma
civilização que desde sempre se impôs como farol de racionalidade, na
compreensão dos ideais humanísticos.
«A Europa é de fugir», esse primeiro artigo que enfrenta a bacoquice dos
que gritam impropérios contra os que não acodem logo, para, é certo, nos
afundarmos todos mais depressa.
«Milagre de Santo António», o texto a
seguir, que mostra que, se não há grandes razões para apoiar a coligação, tão
frágeis são os resultados da sua actuação, menos ainda as há para apoiar o
Costa das discursatas monocórdicas, em que o disparate e a pobreza da
argumentação funcionam como milagre, para a vitória da coligação.
A Europa é de fugir
por
ALBERTO GONÇALVES
DN,
30 agosto 2015
Quando
um branco mata um negro, como às vezes acontece com alguns polícias
excessivamente nervosos nos EUA, a sentença popular é imediata: trata-se,
obviamente, de racismo. Quando, como aconteceu na quarta--feira, um negro mata
dois brancos, filma os homicídios e despeja tudo no Twitter para efeitos de
consagração, a coisa complica-se: o homem, para cúmulo, gay, era capaz de ser
vítima de discriminação, o que legitima parcialmente o crime. O resto
legitima-se com o direito de posse de armas, pelo que há que julgar a
Constituição e prender o revólver.
Em
matéria de malabarismo mental, não faltam casos parecidos. O terrorista do
comboio francês, por exemplo, apenas queria roubar para comer. Pelo menos é o
que jura a advogada dele, que descreve um homem miserável e subnutrido.
Esqueceu-se de descrever de que maneira é que tamanha penúria económica e
física permite adquirir e transportar uma Kalashnikov de 600 euros e três
quilos. Mas o principal é que a culpa é da exclusão social, ou seja, da
sociedade, ou seja, sua e minha. Por mim, estou disposto a confessar tudo e a
acatar o merecido castigo.
Entretanto,
lembro a curiosa retórica com que se recebe os refugiados que dia após dia
chegam pelo Mediterrâneo e por onde calha. Segundo a voz corrente nos media, a
responsabilidade pela tragédia (humanitária, é de bom-tom acrescentar) cabe
inteirinha à Europa, a Europa que não recebe devidamente, a Europa que não
integra adequadamente, a Europa que, em suma, não corresponde impecavelmente
aos sonhos daqueles desgraçados, disponibilizando-lhes em cinco minutos casa
decente, emprego digno, subsídio de assimilação e banda filarmónica. Os
telejornais fervilham de repórteres a apontar o dedo indignado.
Quase
ninguém explica que as dificuldades de resposta da Europa são inevitáveis
perante a brutal, e desde há décadas incomparável, migração de centenas de
milhares de pessoas (350 mil em 2015). Quase ninguém recorda que as dúvidas
europeias são as próprias de gente civilizada, que tende a ponderar as
consequências dos seus actos. Quase ninguém nota que a Alemanha, logo a
Alemanha, tem liderado com a generosidade possível o processo de acolhimento.
Quase ninguém refere a veneração que inúmeros sírios passaram a dedicar à
senhora Merkel, logo à senhora Merkel. Sobretudo quase ninguém informa que os
refugiados, na imensa maioria muçulmanos, escapam precisamente da selvajaria
hoje recorrente nos países de origem e na religião que professam. Apesar do
folclore jornalístico em contrário, que atribui ao bombeiro o fogo posto pelo
pirómano, a verdade é que o drama dos refugiados começa no Islão, não na
Europa.
A
benefício da subtileza, também poderíamos falar dos refugiados que são de facto
"infiltrados" do ISIS e agremiações similares. E dos refugiados que
matam refugiados sob acusações de cristianismo. E dos perigos de abordar estas
matérias com mais lirismo adolescente do que sensatez. Porém, dado que andamos
ocupadíssimos a odiarmo-nos, não há tempo para detalhes. O importante é
estabelecer que a culpa é nossa. Culpa de quê? Vê-se depois, ou nem isso. Certo
é que a Europa é de fugir, embora os outros misteriosamente fujam para a
Europa.
Sábado, 29 de Agosto
Milagre de Santo António
Vejo
com pesar as contas do meu IRS e, pela enésima vez, constato uma evidência: o
governo não salvou o país, remendou-o através do fisco. Descontado o alívio
imediato obtido pelo saque aos contribuintes, a coligação PSD--CDS não deixou
uma reforma digna do nome. Ou seja, não fez nada que tornasse uma nova
bancarrota mais difícil e uma nova austeridade menos provável. De futuro, e o
futuro está já aí, qualquer irresponsável pode reverter num instante a relativa
simpatia dos indicadores actuais e, por falta de mudanças e obstáculos
estruturais, devolver-nos ao abismo de 2011. A prazo, os sacrifícios de hoje servirão
de pouco. E pouca, por isso, é a estima que a coligação merece.
Ainda
assim, a coligação habilita-se a ganhar as eleições de Outubro. Porquê? Porque
o PS trocou um líder amorfo por um homem que, em curtos meses, leccionou um
curso completo de incompetência. Sempre que não estava a prometer maravilhas
que apenas ganhavam sentido numa dimensão paralela, António Costa estava a
nomear relíquias da Carbonária para lugares de destaque, a louvar os
maluquinhos do Syriza, a perder eleições na Madeira, a inventar candidatos
presidenciais absurdos, a arranjar enxovalhos a pretexto das listas de
deputados, a pendurar cartazes com mentiras constrangedoras, a escrever cartas
embaraçosas a eleitores imaginários. Há dias, ergueu o fantasma de António
Arnaut a mandatário nacional e vangloriou-se de ter descido a dívida da Câmara
de Lisboa em 40%, proeza espantosa para quem desconhece que o Estado assumiu a
mesma dívida em 43%.
Também
há dias, meia dúzia de jovens sem vida própria acorreram à Universidade de
Verão do PSD. Tratou-se de um frete escusado. Se a ideia era aprender a fazer
política, bastava--lhes pôr os olhos no Dr. Costa - e fazer o contrário. O Dr.
Costa é uma lição e, na perspectiva da coligação, um milagre.
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