Foi o que me lembrou ontem, os três
questionadores em posição severa de interpelação incisiva, bem estudada e exigente
de respostas prontas, interrompendo frequentemente os entrevistados – sobretudo o da RTP, João
Adelino Faria, que me pareceu muito deselegante, a Judite de Sousa como sempre,
compostinha mas exigente, a Clara de Sousa mais competente e delicada. Sim,
lembrei-me da «Canção de Lisboa» e o júri dos lentes, como abutres debruçados sobre
o Dr. Vasquinho, no seu exame final de medicina, que daquela última vez mostrou
carradas de saber, a incluir as páginas do livro por onde regulou as suas respostas
disparadas de enfiada. Parece que António Costa mostrou um esternocleidomastoideo
mais triunfal ainda que o Vasquinho da Canção, a voz timbrada e segura, de quem
há muito faz campanha a malhar no ceguinho, seguro de que chegou a sua vez, no
final falando já de cátedra aos jornalistas, o senhor que se segue para
libertar o povo da miséria a que foi votado por um governo austero e mais
papista que o Papa – (para nos arrancar mais depressa do fosso, é minha
opinião, contudo).
Eu gostei da postura de Passos
Coelho, como gostei de o ouvir, como sempre lembrando o tal fosso e os êxitos
já obtidos, naturalmente precários ainda – (o fosso sendo mais uma espécie de
buraco negro intransponível, toda a gente o sabe mas faz por ignorar, para não
ter que tomar parte na responsabilidade de o cobrir) - mas com a
respeitabilidade necessária, para partir em frente. Mas não vai partir. Chegou a vez do Costa, que
se mostrou mais seguro. Como disse Passos, seguro porque poeticamente
escondendo as côdeas do seu fabrico futuro sob o manto das rosas do seu milagre
prometido.
Entretanto, transcrevo textos já
antigos, de Alberto Gonçalves, guardados para ocasião propícia. Não sei se esta o é. Eu própria me censuro por
os copiar para o meu blog, como imagem mais cabal de um futuro estadista, que
pretende safar-nos da austeridade. Parece que Alberto Gonçalves também não
acredita nisso, embora também não creia na coligação. Creio que sente por esta
o mesmo que eu sinto e bem assim outras pessoas que zelam o princípio da
honradez traduzida no provérbio “Pobrete mas alegrete”. De toda a maneira, os
artigos de Alberto Gonçalves merecem sempre destaque:
Procura-se
ALBERTO GONÇALVES
DN, 16 agosto 2015
Nas
últimas eleições britânicas alguma imprensa discutiu os prós e os contras dos
outdoors políticos. Concluiu-se que os primeiros são escassos (que espécie de
tontinho decide o voto fundamentado num cartaz?) e que os segundos são imensos
(na época das "redes sociais", os cartazes são um convite à detecção
do erro e à chacota). Evidentemente, os nossos partidos não estiveram atentos.
Sobretudo
o PS, que em poucos dias condensou toda a incompetência, mau gosto e
desconsideração pelo eleitorado que os outdoors conseguem traduzir. De imagens
grotescas a mensagens auto-incriminatórias, culminando nas afirmações
imaginárias de pessoas reais e, ao que parece, desconhecedoras da trapaça, os
socialistas monopolizaram a atenção e o riso deste início de campanha. Quanto à
coligação PSD/CDS, que ainda ria, viu-se logo a seguir metida numa trapalhada
comparável, e comparável no sentido literal: a inépcia demonstrada pelo PS foi
superior. Por muito que se tentasse dizer o contrário, a (ridícula) utilização
de rostos indistintos e profissionais na tentativa de vender o peixe não é o
mesmo que atribuir histórias a cidadãos portugueses que não as viveram. Também
por isto, as rábulas dos cartazes constituíram uma razoável súmula do que se
joga nas próximas "legislativas".
Onde
a coligação foge à verdade, o PS mente por vocação. Onde a coligação se orgulha
de pouco, o PS não se envergonha de nada. Onde a coligação se esquece do que
não fez, o PS quer que nos esqueçamos do que fez. Onde a coligação é um remendo
sem esperança, o PS é a calamidade garantida. Em Outubro, os portugueses que
ainda ligam a estas coisas e não acreditam nos delírios do PCP, das diversas
agremiações "trotskistas" ou do "movimento" do sr. Martinho
e Pinto rumarão às urnas decididos a escolher o mal menor. É triste? Não: é a
pura democracia, que no seu melhor não é lugar de convicções ou entusiasmos,
mas de resignação. A realidade é sempre mais melancólica do que o sonho. E, no
fim de contas, menos perigosa.
De
qualquer modo, o regime já terá amadurecido o suficiente para que, no fundo, as
pessoas suspeitem que o único cartaz adequado a quase todos os políticos é
aquele com a palavra "Procura-se" em baixo. E que só a recompensa
varia.
Precário é o Dr. Costa
ALBERTO GONÇALVES
DN, 23 agosto 2015
Dada a quantidade de ar
morno que lhe atravessa a cabeça, extraordinária até pelos padrões da classe
política, é difícil prestar atenção às opiniões de António Costa, e dificílimo
destacar alguma. Quando num dia promete 207 mil empregos e no seguinte explica
que a promessa é afinal uma estimativa, as pessoas, entretanto habituadas ao
estilo, não ligam. Mesmo assim, foi com pasmo que vi o homem lamentar a
"precariedade" dos novos contratos laborais, tragédia que "não
oferece segurança" e é "altamente prejudicial". Não é só um
argumento típico de quem anda longe do universo do trabalho: é a fezada de quem
nunca trabalhou.
Pela
parte que directamente me toca, em vinte anos nunca tive qualquer vínculo à
entidade empregadora e nunca me ocorreu reivindicar (é o verbo, não é?)
alternativa. Com uma remota excepção: seis meses de suplício num
"projecto" ligado ao Ministério da Saúde, de onde saí por
despedimento "ilícito" e abençoado. Descontada a legitimidade legal,
a que pretexto iria forçar-me a continuar num lugar onde não me queriam e que,
de resto, eu abominava? Desde então, aprendi que receber por cada serviço que
presto é, além de genericamente decente, racional. Por muito que isto indigne o
Dr. Costa, não percebo que um sujeito suporte ser remunerado por imposição do
tribunal e não pelo reconhecimento daquilo que faz. A garantia do emprego para
a vida é má para o emprego e péssima para a vida.
Pela
parte que me toca indirectamente, a brutal distância entre o Dr. Costa e o
mundo ainda é mais ofensiva. Nos últimos meses, tenho acompanhado de perto o
microscópico drama de um "patrão" que tenta em vão despedir o
"trabalhador". O primeiro paga o dobro do praticado no sector, a que
acresce horas extras, 14 meses e, claro, segurança social. O segundo organiza
manifestações sindicais diárias, esforça-se com irregularidade e exibe maus
modos. A solução, de acordo com diversos advogados? Manter tudo como está, já
que o despedimento com justa causa exige pelos vistos que o assalariado cometa
um ou dois crimes de sangue durante o expediente. E o malévolo capitalista não
aguenta os custos de um despedimento sem prova da causa "justa".
Quando
o Dr. Costa, com três décadas de carreira partidária em cima, diz que "o
combate à precariedade é tão ou mais importante do que o combate ao
desemprego", não compreende que aquele torna este inútil: no cenário
actual, e que o PS sonha agravar, apenas um maluco empregará alguém.
Mudando
de assunto, há que louvar o novíssimo critério do Dr. Costa para a emergência
de um "bloco central": uma "invasão marciana" (sic). Enfim,
o chefe do PS comenta temas que domina. Infelizmente, arrisca-se a não ir a
tempo: precário é ele.
Um comentário:
Sobre o debate de ontem - coloquem taxistas, uberistas e teco-tecos a entrevistar os candidatos já!
Simulem o cockpit de um táxi terrestre, com volante e tudo, no pavilhão do Conhecimento, sentem na condução uma das personagens acima, à vez, para que interroguem os candidatos. Poderão até sentar estes últimos no banco traseiro, um ao lado do outro pois as televisões conseguem dar-nos a impressão que estão frente-a-frente.
É que não há nada melhor, em qualquer capital que se preze, do que falar com quem nos traz as malas para casa acerca do que vai na alma da aldeia...
Postar um comentário