Lembrei-me de «O Pequeno Lorde», da escritora
anglo-americana Frances Hodgson Burnett, livro que atravessou a minha
infância e que um dia ofereci ao meu filho Artur, hospitalizado na altura,
chamando-lhe, na dedicatória “o meu pequeno lorde”, por ser loiro e um
rapazinho responsável, delicado e com amigos. O pequeno Cedric, era órfão de um
filho de um conde inglês – Lorde Fauntleroy – que desprezara o filho, com
rigidez aristocrática, por ter casado com uma jovem americana, aparentemente
destituída das características imponentes da educação britânica. Mas o avô
manda buscá-lo aos Estados Unidos e a imagem, observada ocultamente pelo advogado
interveniente, da corrida entre o rapazinho e os seus amigos em que aquele sai
vitorioso e se justifica disso sem “peneiras”, juntamente com outras atitudes
de simplicidade e graciosidade que vai revelando numa história colorida de
ternura e graça nos contrastes, permaneceram no meu espírito como exemplo “a
não perder”.
Tal como o Artur, que a aflição pela sua doença me
levara a oferecer-lhe o livro do paralelo com o tal rapazinho do meu encanto,
ao ouvir hoje Pedro Passos Coelho em voz bem timbrada de um discurso simples e
racional, pareceu-me que o Pedro criança poderia ter sido menino exemplar, como
Cedric, o futuro pequeno lorde Fauntleroy. Será fantasia, mas não me importo de
a revelar. Tenho gostado sempre dos discursos dele e naturalmente que um ou
outro traço menos seguro desses discursos não são de molde a destituí-lo do
pedestal de pessoa conscienciosa e honesta, que se propôs erguer a sua nação do
atoleiro de ignomínia a que fora condenada, o que a maioria de nós não quer
ver.
Como ele, outras figuras são, manifestamente,
discretamente sábias e sensatas, as que o defendem, como Lobo Xavier, Telmo
Correia, Nuno Magalhães, o que, em minha opinião, prova uma formação cívica e
moral que dantes era prezada, e hoje ainda, por alguns, mesmo jovens, o que nos
alegra a alma. É assim também o meu marido, embora não mais jovem, a quem
recorro para me trazer uma palavra, não de apaziguamento, mas da mesma
indignação que a minha, quando os ouço, aos outros, deitando abaixo, por vezes em
voz aflautada, cheios de razões que, ou traduzem enorme empáfia, ou traduzem
enorme ambição, ou enorme indiferença pelo país.
O meu marido foi dos que defendeu a pátria, pelos
matos de Angola, muitos outros que o mesmo fizeram poderão ter idêntica posição
de hombridade e amor pátrio, dificilmente aceitarão a leviandade dos que
sistematicamente aniquilam quem governa, fechando os olhos aos condicionalismos
em que trabalhou o Governo.
Mas a maioria não quer saber. Como descreve Vasco
Pulido Valente, somos um povo que andou sempre a reboque, atrelado a uma
Inglaterra protectora e desprezadora, pela nossa miséria económica e cultural. Agora
estamos cheios de pruridos por continuarmos de canga e culpam Passos Coelho de
se rebaixar a Merkel, ao BCE, como antes à Troika.
António Costa promete fazer diferente, mas todos sabem
que não, imagem dos Tsipras e Varoufakis arrogantes e condenados. Os senhores
da esquerda mais as senhorinhas de olhos tristes ou maliciosos sabem disso, mas
o objectivo é condenar, porque achamos que temos direito à teta europeia.
Eternamente, lordes refestelados, bem tratados, com direitos, sem deveres, sem
educação. Não o achou Salazar, mas esse não conta, que nunca roubou.
Leiamos Vasco Pulido Valente, saído hoje no Público:
Protectorado
À esquerda e à direita anda por aí
muita gente indignada por causa do protectorado de que Portugal sofreu e,
segundo alguns patriotas sem mancha nem tumor, continua a sofrer. Isto deixa um
indivíduo de boca aberta por duas razões.
Primeiro,
porque de maneira geral foram esses mesmos patriotas que levaram Portugal ao
protectorado de Bruxelas. Depois, pela total ignorância da história deste pobre
país desde pelo menos o fim do século XVIII. Toda a gente se esqueceu que em
1807 a Inglaterra meteu D. João VI num barco e o despachou para o Brasil? Ou
que Junot acabou corrido por um corpo expedicionário inglês? Ou que o
embaixador de S.M. Britânica tinha assento de jure no Conselho de Regência que
ostensivamente governava o Reino?
E
ninguém se lembra que na guerra contra os franceses (que durou até 1814) o
general Beresford comandava o exército português com a ajuda de umas dezenas de
oficiais que trouxera de Inglaterra e que o nosso Tesouro pagava? E também
ainda não é claro para a cabecinha nacional que o triunfo do liberalismo em
1834 não passou de uma conveniência da Inglaterra que ela, de resto, financiou
e forçou as potências conservadoras, como por exemplo a Áustria, a engolir? E o
progressismo indígena também se esqueceu que a guerra da “Patuleia” se resolveu
com a intervenção da esquadra inglesa (ao largo do Porto e em Setúbal), por uma
invasão de um exército espanhol assalariado por Londres e por um “protocolo” de
Palmerston, que determinava quem podia, ou não podia, entrar no governo?
E
a seguir desapareceu o protectorado? De maneira nenhuma. A Inglaterra e, com a
autorização dela, a França continuaram a sustentar a maravilhosa paz da
Regeneração; e a promover ou liquidar ministérios de acordo com o grau da sua
subserviência e a mandar nos territórios de África de que Portugal, na sua
ingenuidade, se julgava dono. E finalmente, em 1892-1893, não hesitaram em
suspender os víveres de que a nossa miséria humildemente se alimentava. Os
patriotas que hoje se arrepiam com o protectorado dos credores deviam pensar
que o único período em que não houve protectorado algum em Portugal foi durante
a Ditadura de Salazar, cujos benefícios não se distinguiram na história da Europa.
Mas voltar a 1928 não parece uma política muito inteligente.
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