terça-feira, 15 de setembro de 2015

A bandeira negra do nosso spleen



Como sempre paradoxal, Fernando Pessoa informa que «saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos». Vem no Público de 11/9/15, em epígrafe da última página.
Um dia, ouvindo o professor Girodon, na Faculdade de Letras de Coimbra censurar-me por andar ultimamente a perder tempo em emoções alheias aos objectivos a que me propunha quando para lá fui, eu respondi-lhe alegremente que “estudar é uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma”. Estávamos no Instituto Francês, em frente ao bibliotecário Sr. França Amado, do lado de cá da secretária e logo M. Girodon contrapôs, com certo desprezo: “Que significa isso?”, o que então me arrasou, adepta que era de Pessoa e do seu “Liberdade”. Hoje, diria que M. Girodon tinha absoluta razão. Não significa nada, ou antes, é uma frase manobradora das consciências, preguiçosas como as nossas, no seu negativismo feito de spleen e de cepticismo, desprezador daquilo que precisamente pôde favorecer o espírito do poeta – a leitura, o estudo.
É nesta linha temática que Vasco Pulido Valente escolhe o título da sua excelente e ácida crónica –«O romantismo voltou» - implicando desprezo pelo sentimentalismo gerador de ilusão, nas atoardas jornalísticas que excitam o público e falseiam a verdade. A verdade que Pulido Valente conhece, e nada tem a ver com as balelas sobre debates decisivos, com que se pretende chamar audiências e, da parte dos contendores políticos, ocultar dados  importantes, ou revelar outros de pseudo-rigor, como fez Costa, com os papéis que alardeou.
Só desejava é que, neste nosso deserto de miragens, pela escassez de “água”, houvesse mais apoio e compreensão pelos que, adoptando a única via que parece sã e racional, trabalham para o oásis, por muito distante que ele pareça estar. A união faz a força, sempre se disse. Mas aqui a união que faz a força é aquela que desestabiliza, que se propõe destruir, com a qual nenhum país pode progredir, desordeira sob uma falsa aparência de amor e sentimento, pura ilusão para os papalvos que nisso crêem.
E os escritos tão interessantes das análises dos mestres da língua, aí estão, intocáveis, nem carne nem peixe, dissimulando intenções, no seu capricho superior, lavando as mãos, como fez aquele que deixou condenar Cristo.
O romantismo voltou
Público, 11/09/2015
A gente vária e geralmente analfabeta que manda na televisão e nos jornais decidiu que o debate entre o dr. António Costa e Passos Coelho seria decisivo para a campanha e, naturalmente, para a eleição. Claro que não foi. Foi um espectáculo no Museu da Electricidade, caótico e repetitivo, que não “esclareceu” ninguém.
Cada um dos candidatos representou a personagem que lhe estava destinada – António Costa a de chefe popular com um programa debaixo do braço e de quando em quando uma ocasional berraria; e Passos Coelho a de estadista paciente e sereno que mete na ordem um secretário de Estado incómodo. Os portugueses parece que gostaram mais de Costa do que de Coelho, porque detestam a autoridade e gostam de lhe assobiar às canelas do outro lado da rua.
Do essencial não se falou. António Costa não se permitiu explicar com que dinheiro vai emendar as desgraças do seu pobre país – ponto que também não interessou aos jornalistas que alegadamente “dirigiam” o debate. E Passos Coelho também não se deu à excessiva franqueza de nos confessar o que se propunha fazer do país nos próximos quatro anos. Nada disto espanta. Os portugueses só têm uma pergunta na cabeça: vamos ficar pior com o dr. Costa ou com Passos Coelho? Pelas cenas do Museu da Electricidade, ficou a impressão de que o público que gosta de engenharia social (e Costa levou rolos de papel com os planos todos) simpatizou mais com a aventura tradicional da esquerda: a de partir alegremente com um mapa errado para sítio incerto. Em compensação, a horrenda espécie de criaturas que não se mete em sarilhos sem contar o dinheiro muito provavelmente preferiu Passos.
Acabado este intermédio, que pouco se distinguiu do concerto de uma banda qualquer, a zaragata irá continuar. Os candidatos e a sua tropa pregarão a sua mezinha, insultarão o próximo e, jurando que não prometem, continuarão como de costume a prometer, perante a indiferença do cidadão comum. O grosso do eleitorado ficará em casa, olhando com indiferença o desvario do pequeno bando que nos quer governar. Nós, por acaso, sabemos que o protectorado de Bruxelas não acabou e que uma crise nos mercados financeiros pode arruinar num minuto os mais perfeitos sonhos de homens e de ratos. Vinte e cinco anos depois da queda do Muro, o romantismo político voltou. Para ficar.

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