Quando o debate acabou, os da Quadratura
falaram e Jorge Coelho não fez segredo da sua euforia pelo que apelidou de vitória
do seu candidato. Até pediu, com certo pudor, não sei se sincero, desculpa da
sua efusão tão manifesta, ciente de que essas manifestações de agrado, um tanto
provocatórias, são mais compreensíveis
entre as crianças, que até pulam, ou no caso de jogos desportivos, entre os adeptos,
que já não pulam, por causa das articulações descarnadas. Pacheco Pereira
também não fez segredo do seu agrado, com os seus motivos específicos de uma
erudição que mal me custa acompanhar, por sábios e tortuosos, escondendo aquilo
que ele não deseja revelar de reconhecimento dos muitos nós na malha
governativa, dificultando a urdidura da teia que, para a sagaz Penélope era
mais fácil de produzir, por se limitar a fazer e desfazer o que ela própria
tecia, com os nós da sua fabricação, enquanto que os nós da teia governativa são
de múltiplas e estranhas proveniências, por vezes inextricáveis, como Pacheco
Pereira por certo conhece, o que lhe devia servir para desculpabilizar. Felizmente
Lobo Xavier, no seu discurso de rigor, resultante de uma visão sem malícia mas de
saber, estava ali para lançar um pouco de confiança nas almas adeptas dos
desfazedores de nós, e readquirimos a esperança, que a maioria dos outros
intervenientes em outros debates sucedâneos ao frente-a-frente, pretendeu
tirar-nos, nos moldes de Jorge Coelho, embora menos efusivamente, por a empatia
entre eles não ser tão de raiz familiar.
Mas os habituais articulistas do nosso enlevo
literário não deixaram escapar o acontecimento. Eles disseram tudo o que devia
ser dito, com a graça da sua justeza, e aqui estão. Muitos debates se vão
seguir ainda, para palco dos muitos analistas, uns com mais rancor outros com
mais amor. Apesar de tudo, o espectáculo do mundo que invade a Europa, com
crianças pequenas nos braços ou a caminhar com rapidez aflitiva, é mais
pungente. Mas as campanhas eleitorais servem sempre. Sobretudo aos humoristas.
Que é o que nós somos, acima de tudo. Quer os da plateia quer os do palco. Pulido
Valente e Alberto Gonçalves sabem-no bem.
Um debate
Não
se percebe por que razão o jornalismo português (profissional ou amador)
resolveu achar que António Costa tinha ganho a Passos Coelho.
A
ideia parece ser que um debate é uma espécie de altercação de taberna em que
ganha quem der mais murros no adversário e se mostrar, de maneira geral, mais
malcriado e belicoso. Se este modelo se aplica a uma discussão sobre o
Estado e a vida dos portugueses nos próximos cinco anos, temos, de facto, razão
para desesperar. António Costa gritou e esbracejou mais do que Passos
Coelho. E Passos Coelho foi falando com uma certa serenidade e não permitiu
que, da parte dele, a conversa degenerasse num chinfrim com o
primeiro-ministro. Mas, dizem os peritos, perdeu. O público e os
comentadores gostam de excitação e de alarido, como os pacóvios gostam de ver
desastres.
Veio
a seguir um coro geral de lamentações. Afinal, o debate não tinha
esclarecido ninguém. Primeiro, porque se discutiu durante muito tempo a
personagem de Sócrates (um argumento absurdo). Segundo, porque os
portugueses não perceberam metade do que ouviram (a reforma da segurança
social, a saúde, a troika, a dívida pública e por aí fora). Só que, se não
perceberam, o único critério que lhes ficou foi a intensidade do barulho dos
dois cavalheiros em presença. E isto para não entrar no capítulo das mentiras,
que ferveram do princípio ao fim: sobre a bancarrota, sobre o pedido de
resgate, sobre o “memorando”, sobre o melancólico facto de que, à mais pequena
crise nos mercados financeiros, não haverá dinheiro para as salvíficas
promessas de Costa ou para os sonhos sem sentido de Passos.
Não
passou pela cabeça dos jornalistas que “presidiam” ao debate com a sua
insuportável embófia perguntar às duas notabilidades que ali putativamente
discursavam ao país onde tencionavam arranjar o dinheiro para a redenção
da Pátria. Ao contrário do que um observador ingénuo talvez concluísse, em todo
aquele espectáculo, digno de Las Vegas (e tirando uns 600 milhões que faltam
à segurança social), não se ouviu a imunda palavra “dinheiro” uma única vez.
Vivemos numa situação periclitante em que o menor abano pode deitar tudo
abaixo. Mas naquela arena (não sei que outra coisa lhe devo chamar) não
se mencionou a Europa, a América ou a China. Apesar da retórica sobre a
“globalização”, Portugal acaba em Badajoz. E o dr. Costa e Passos Coelho,
coitados, suspeito que também.
Depois do debate
ALBERTO GONÇALVES
DN,
13 setembro 2015
Ao
longo da quarta-feira, as televisões trataram o programa do serão como
tratam os desafios de futebol, incluindo (juro) os indispensáveis inquéritos a
transeuntes sobre os "prognósticos" para o jogo, perdão, o debate.
Só faltaram as célebres filmagens dos autocarros a caminho do estádio,
perdão, do estúdio, de modo a envolver o espectador em pleno ambiente da bola.
Não faltou o intervalo. Não faltou a flash interview. E não faltou
António Costa, que à semelhança dos comentadores do ramo se fingiu frequentemente
indignado, puxou de bonitos papéis e recorreu ao truque mais infantil das
discussões do género: o não-vale-a-pena-exaltar-se, sobretudo quando Pedro
Passos Coelho praticamente adormecera, é um artifício que só não envergonha os
fanáticos.
E
os fanáticos, ou os convertidos à partida, não têm vergonha nenhuma. Mal
terminou o debate, correram a decretar a estrondosa vitória do Dr. Costa
com o alívio de quem começava a perder a esperança nas
"legislativas". Não é por acaso: durante hora e meia, o Tsipras
indígena (a comparação é do Telegraph de Londres) conseguiu desfiar as suas
extraordinárias patranhas quase sem contraditório do adversário, o qual, não
sei se o referi, estava a dormir. Ao Dr. Passos Coelho, cujas limitações não
são pequenas, bastava deixar claro o absurdo que é um destacado cúmplice da
bancarrota regressar com promessas de novo desastre. Ou lembrar que a
portentosa "gestão" da Câmara de Lisboa, salva à custa do Estado, é
no mínimo uma mentira cabeluda. O resto ficaria por conta do próprio Dr.
Costa, que louva imenso a "lusofonia" e fala um português assaz
carenciado.
Contas
feitas, o debate suscitou dois mistérios e um avanço civilizacional. O
primeiro mistério é a apatia do Dr. Passos Coelho, que sempre possui
meia dúzia de indicadores económicos amáveis, se bem que precários, para atirar
ao currículo socialista de miséria e fraude. O segundo mistério é o facto de
as desconchavadas lendas do menoríssimo Dr. Costa ainda convencerem muitos
cidadãos que não os cidadãos que dele esperam uma nomeação, um emprego,
um pratinho na extremidade da mesa do poder. O mérito do debate passa por José
Sócrates.
No
país invertido que habitamos, houve jornais e analistas que atribuíram ao
ex-primeiro-ministro a grande vitória da noite. Falharam por pouco: José
Sócrates foi evidentemente o maior derrotado. Viram o que eu vi? O Dr.
Passos Coelho ocupou metade do tempo a associar, com legitimidade, o Dr. Costa
ao "engenheiro". O Dr. Costa ocupou a metade restante a negar, sem
legitimidade, as acusações. E não resistiu a uma graçola que no fundo
achincalha menos o destinatário do que o sujeito: "Porque é que não vai lá
a casa debater com ele? Tem tantas saudades..." Aliás, depois do
debate, diversas "personalidades" socialistas - e conhecidos devotos
"socráticos" - aderiram ao folguedo e usaram a insistência em José
Sócrates para tentar diminuir o Dr. Passos Coelho. Na verdade, as
chalaças plantadas nas ditas "redes sociais" diminuem José Sócrates,
que devagarinho alcançou o prestígio da peçonha. Noventa minutos
televisivos pareceram sugerir o que nove meses de cadeia e anos de trapalhadas
prometiam: a morte política de um homem abaixo de qualquer suspeita. Veremos.
Por
enquanto, vemos o Dr. Costa, que José Sócrates abomina em privado e
"apoia" em público, dispor de um futuro radioso a trocar
argumentos por conversa fiada no Tempo Extra, na Quadratura do Círculo, no Trio
de Ataque ou em qualquer outro desses debates futebolísticos. Ou, se Deus Nosso
Senhor for excessivamente sarcástico, no cargo de primeiro-ministro. Com sorte,
já terá havido pior. E não é preciso citar o nome.
Quinta-feira, 10 de Setembro
Da liberdade ao Rato
Falou-se
imenso do debate em que três "moderadores" amigos (e, até certo
ponto, Pedro Passos Coelho) deixaram António Costa à vontade para vender
bugigangas. Por motivos evidentes, falou-se muito menos da entrevista do dia
seguinte, na RTP, em que o Dr. Costa passou o tempo a acusar o jornalista Vítor
Gonçalves de estar ao serviço do PSD. O lendário humanismo dos socialistas,
decerto inspirado pela bonomia do seu fundador, tem tendência a exasperar-se
com perguntas a sério e com o contraditório em geral. Faz sentido: se a moda
pegasse, qualquer dia o Dr. Costa seria obrigado a reconhecer que o universo
feliz e copioso das suas propostas (?) não possui a mais vaga relação com a
realidade - isto admitindo que ele consegue notar a diferença.
Depois
do pedagógico sms a um director adjunto do Expresso, há meses, fica
definitivamente estabelecido o estilo do Dr. Costa, e fica provado que as
semelhanças com José Sócrates não se esgotam no "modelo económico"
(eufemismo para ruína). Esqueçam as promessas de leite e mel: a acontecer,
o regresso do PS será sobretudo o regresso a isto, à intimidação, à ameaça,
à intolerância e em suma ao convívio complicado com os pressupostos da
liberdade. O governo em vigor esfola-nos através do fisco? Prefiro que me
aliviem o bolso do que me calem a boca, para cúmulo quando a segunda habilidade
é opcional e, apesar dos pantomineiros que juram o contrário, a primeira não.
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