quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Les uns et les autres



Quando o debate acabou, os da Quadratura falaram e Jorge Coelho não fez segredo da sua euforia pelo que apelidou de vitória do seu candidato. Até pediu, com certo pudor, não sei se sincero, desculpa da sua efusão tão manifesta, ciente de que essas manifestações de agrado, um tanto provocatórias,  são mais compreensíveis entre as crianças, que até pulam, ou no caso de jogos desportivos, entre os adeptos, que já não pulam, por causa das articulações descarnadas. Pacheco Pereira também não fez segredo do seu agrado, com os seus motivos específicos de uma erudição que mal me custa acompanhar, por sábios e tortuosos, escondendo aquilo que ele não deseja revelar de reconhecimento dos muitos nós na malha governativa, dificultando a urdidura da teia que, para a sagaz Penélope era mais fácil de produzir, por se limitar a fazer e desfazer o que ela própria tecia, com os nós da sua fabricação, enquanto que os nós da teia governativa são de múltiplas e estranhas proveniências, por vezes inextricáveis, como Pacheco Pereira por certo conhece, o que lhe devia servir para desculpabilizar. Felizmente Lobo Xavier, no seu discurso de rigor, resultante de uma visão sem malícia mas de saber, estava ali para lançar um pouco de confiança nas almas adeptas dos desfazedores de nós, e readquirimos a esperança, que a maioria dos outros intervenientes em outros debates sucedâneos ao frente-a-frente, pretendeu tirar-nos, nos moldes de Jorge Coelho, embora menos efusivamente, por a empatia entre eles não ser tão de raiz familiar.
Mas os habituais articulistas do nosso enlevo literário não deixaram escapar o acontecimento. Eles disseram tudo o que devia ser dito, com a graça da sua justeza, e aqui estão. Muitos debates se vão seguir ainda, para palco dos muitos analistas, uns com mais rancor outros com mais amor. Apesar de tudo, o espectáculo do mundo que invade a Europa, com crianças pequenas nos braços ou a caminhar com rapidez aflitiva, é mais pungente. Mas as campanhas eleitorais servem sempre. Sobretudo aos humoristas. Que é o que nós somos, acima de tudo. Quer os da plateia quer os do palco. Pulido Valente e Alberto Gonçalves sabem-no bem.

Um debate
Público, 12/09/2015
Não se percebe por que razão o jornalismo português (profissional ou amador) resolveu achar que António Costa tinha ganho a Passos Coelho.
A ideia parece ser que um debate é uma espécie de altercação de taberna em que ganha quem der mais murros no adversário e se mostrar, de maneira geral, mais malcriado e belicoso. Se este modelo se aplica a uma discussão sobre o Estado e a vida dos portugueses nos próximos cinco anos, temos, de facto, razão para desesperar. António Costa gritou e esbracejou mais do que Passos Coelho. E Passos Coelho foi falando com uma certa serenidade e não permitiu que, da parte dele, a conversa degenerasse num chinfrim com o primeiro-ministro. Mas, dizem os peritos, perdeu. O público e os comentadores gostam de excitação e de alarido, como os pacóvios gostam de ver desastres.
Veio a seguir um coro geral de lamentações. Afinal, o debate não tinha esclarecido ninguém. Primeiro, porque se discutiu durante muito tempo a personagem de Sócrates (um argumento absurdo). Segundo, porque os portugueses não perceberam metade do que ouviram (a reforma da segurança social, a saúde, a troika, a dívida pública e por aí fora). Só que, se não perceberam, o único critério que lhes ficou foi a intensidade do barulho dos dois cavalheiros em presença. E isto para não entrar no capítulo das mentiras, que ferveram do princípio ao fim: sobre a bancarrota, sobre o pedido de resgate, sobre o “memorando”, sobre o melancólico facto de que, à mais pequena crise nos mercados financeiros, não haverá dinheiro para as salvíficas promessas de Costa ou para os sonhos sem sentido de Passos.
Não passou pela cabeça dos jornalistas que “presidiam” ao debate com a sua insuportável embófia perguntar às duas notabilidades que ali putativamente discursavam ao país onde tencionavam arranjar o dinheiro para a redenção da Pátria. Ao contrário do que um observador ingénuo talvez concluísse, em todo aquele espectáculo, digno de Las Vegas (e tirando uns 600 milhões que faltam à segurança social), não se ouviu a imunda palavra “dinheiro” uma única vez. Vivemos numa situação periclitante em que o menor abano pode deitar tudo abaixo. Mas naquela arena (não sei que outra coisa lhe devo chamar) não se mencionou a Europa, a América ou a China. Apesar da retórica sobre a “globalização”, Portugal acaba em Badajoz. E o dr. Costa e Passos Coelho, coitados, suspeito que também.

Depois do debate
ALBERTO GONÇALVES
DN, 13 setembro 2015
Ao longo da quarta-feira, as televisões trataram o programa do serão como tratam os desafios de futebol, incluindo (juro) os indispensáveis inquéritos a transeuntes sobre os "prognósticos" para o jogo, perdão, o debate. Só faltaram as célebres filmagens dos autocarros a caminho do estádio, perdão, do estúdio, de modo a envolver o espectador em pleno ambiente da bola. Não faltou o intervalo. Não faltou a flash interview. E não faltou António Costa, que à semelhança dos comentadores do ramo se fingiu frequentemente indignado, puxou de bonitos papéis e recorreu ao truque mais infantil das discussões do género: o não-vale-a-pena-exaltar-se, sobretudo quando Pedro Passos Coelho praticamente adormecera, é um artifício que só não envergonha os fanáticos.
E os fanáticos, ou os convertidos à partida, não têm vergonha nenhuma. Mal terminou o debate, correram a decretar a estrondosa vitória do Dr. Costa com o alívio de quem começava a perder a esperança nas "legislativas". Não é por acaso: durante hora e meia, o Tsipras indígena (a comparação é do Telegraph de Londres) conseguiu desfiar as suas extraordinárias patranhas quase sem contraditório do adversário, o qual, não sei se o referi, estava a dormir. Ao Dr. Passos Coelho, cujas limitações não são pequenas, bastava deixar claro o absurdo que é um destacado cúmplice da bancarrota regressar com promessas de novo desastre. Ou lembrar que a portentosa "gestão" da Câmara de Lisboa, salva à custa do Estado, é no mínimo uma mentira cabeluda. O resto ficaria por conta do próprio Dr. Costa, que louva imenso a "lusofonia" e fala um português assaz carenciado.
Contas feitas, o debate suscitou dois mistérios e um avanço civilizacional. O primeiro mistério é a apatia do Dr. Passos Coelho, que sempre possui meia dúzia de indicadores económicos amáveis, se bem que precários, para atirar ao currículo socialista de miséria e fraude. O segundo mistério é o facto de as desconchavadas lendas do menoríssimo Dr. Costa ainda convencerem muitos cidadãos que não os cidadãos que dele esperam uma nomeação, um emprego, um pratinho na extremidade da mesa do poder. O mérito do debate passa por José Sócrates.
No país invertido que habitamos, houve jornais e analistas que atribuíram ao ex-primeiro-ministro a grande vitória da noite. Falharam por pouco: José Sócrates foi evidentemente o maior derrotado. Viram o que eu vi? O Dr. Passos Coelho ocupou metade do tempo a associar, com legitimidade, o Dr. Costa ao "engenheiro". O Dr. Costa ocupou a metade restante a negar, sem legitimidade, as acusações. E não resistiu a uma graçola que no fundo achincalha menos o destinatário do que o sujeito: "Porque é que não vai lá a casa debater com ele? Tem tantas saudades..." Aliás, depois do debate, diversas "personalidades" socialistas - e conhecidos devotos "socráticos" - aderiram ao folguedo e usaram a insistência em José Sócrates para tentar diminuir o Dr. Passos Coelho. Na verdade, as chalaças plantadas nas ditas "redes sociais" diminuem José Sócrates, que devagarinho alcançou o prestígio da peçonha. Noventa minutos televisivos pareceram sugerir o que nove meses de cadeia e anos de trapalhadas prometiam: a morte política de um homem abaixo de qualquer suspeita. Veremos.
Por enquanto, vemos o Dr. Costa, que José Sócrates abomina em privado e "apoia" em público, dispor de um futuro radioso a trocar argumentos por conversa fiada no Tempo Extra, na Quadratura do Círculo, no Trio de Ataque ou em qualquer outro desses debates futebolísticos. Ou, se Deus Nosso Senhor for excessivamente sarcástico, no cargo de primeiro-ministro. Com sorte, já terá havido pior. E não é preciso citar o nome.
Quinta-feira, 10 de Setembro
Da liberdade ao Rato
Falou-se imenso do debate em que três "moderadores" amigos (e, até certo ponto, Pedro Passos Coelho) deixaram António Costa à vontade para vender bugigangas. Por motivos evidentes, falou-se muito menos da entrevista do dia seguinte, na RTP, em que o Dr. Costa passou o tempo a acusar o jornalista Vítor Gonçalves de estar ao serviço do PSD. O lendário humanismo dos socialistas, decerto inspirado pela bonomia do seu fundador, tem tendência a exasperar-se com perguntas a sério e com o contraditório em geral. Faz sentido: se a moda pegasse, qualquer dia o Dr. Costa seria obrigado a reconhecer que o universo feliz e copioso das suas propostas (?) não possui a mais vaga relação com a realidade - isto admitindo que ele consegue notar a diferença.
Depois do pedagógico sms a um director adjunto do Expresso, há meses, fica definitivamente estabelecido o estilo do Dr. Costa, e fica provado que as semelhanças com José Sócrates não se esgotam no "modelo económico" (eufemismo para ruína). Esqueçam as promessas de leite e mel: a acontecer, o regresso do PS será sobretudo o regresso a isto, à intimidação, à ameaça, à intolerância e em suma ao convívio complicado com os pressupostos da liberdade. O governo em vigor esfola-nos através do fisco? Prefiro que me aliviem o bolso do que me calem a boca, para cúmulo quando a segunda habilidade é opcional e, apesar dos pantomineiros que juram o contrário, a primeira não.

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