O título - «Escrita irritada pode ser delicada» - chamou-me a atenção para o confronto
entre os seus dois adjectivos, que geralmente se contrapõem embora haja os
indivíduos educados nas boas maneiras que expandem as suas irritações com
extrema cordialidade e, diria mesmo, nobreza de atitude, o que muitas vezes
envergonha o parceiro e o fazem desistir da sua luta. Suponho que João Cidreira
Lopes pretende isso mesmo, ele que foi professor de línguas, talvez muitas, e
por isso não se lhe dá que elas sejam escritas ou pronunciadas mais
correctamente ou menos – à balda e fé em Deus, como se costuma dizer - já que, como as
suas línguas de professor foram ensinadas no estrangeiro, a ninguém teve que
prestar contas do seu desempenho linguístico escrito nem fonético. Que lhe
importava, pois, ter os alunos no engano, “ou fosse monte, nuvem, sonho ou
nada?”, como clamava o pobre Adamastor à perversa Tétis, «nada»
devendo ser a resposta, para mais que a sua tese peca por umas tantas incongruências.
Exemplificando na questão destas, diz ele que “gostou de ler
a crónica de Gastão Cruz”, tendo definido este como “apreciado poeta e crítico literário”, aceitando “que
se irrite e ache inútil” o tal AO, e considerando a sua
crítica “muito bem fundamentada”, de acordo com o “conhecimento de
que dispõe sobre o acordo.”
Por aqui se vê que o seu conhecimento – dele, Cidreiro
Lopes – é superior ao de Gastão Cruz que só referiu no AO “aspectos
negativos”, ignorando “tudo o resto”, que a ele, C.L., não foi
alheio, e lhe competirá esclarecer, ou seja, os aspectos positivos do mesmo,
embora ele – C. L. - entenda que, na situação de G. C. – ex-colega que ele bem
conheceu e preza, no desempenho cultural – talvez pensasse “da mesma forma”,
só que com “menos violência”, o que comprova a sua perfeita educação –
dele, C. D. - bem contrária à do irritadiço G. C.. Assim, enquanto este é dado
às escritas, aquele, C. L., é um simples “anónimo” que “nunca
escreveu para publicar”, segundo afirma – o que é falso, como este seu
escrito comprova – conquanto não se me dê de pensar que no seu trabalho docente fosse verdadeira a asserção, vendo-se que lidou sobretudo com as oralidades do
mesmo tónus linguístico, mas de diferentes proveniências globais. É certo que a gafe do 4º parágrafo – «sai»
em lugar de «saí» – me fez eventualmente pensar que talvez
pertencesse às regras do AO, mesmo no contexto pretérito, 1ª pessoa do
singular – e não presente, 3ª - mas pensei em país, em saía, em caía
e por aí fora que ainda não estavam – parecia-me - transformados em
pais, saia caia, nem sequer em angustioso ai, e sosseguei a minha apreensão,
depois de confirmar na Internet – que agora já nem é preciso consultar o livro
da gramática para esclarecermos as dúvidas, permanecendo colados à cadeira da
nossa alteração óssea progressiva. Tratava-se mesmo de uma simples gafe como as
que eu cometo, por ignorância ou distracção, que ambas pertencem ao “errare humanum est” dos nossos
antepassados clássicos que gostavam de escrever coisas.
Seguidamente informa Cidreiro Lopes da sua profissão
de professor de português no estrangeiro – não, pois, de línguas como se
subscreve, mas apenas de uma só – a sua – pelo que retiro o que disse sobre a
multiplicidade linguística impeditiva de concentração numa só, baralhando
necessariamente as pistas, ao ter que se adaptar aos registos orais dos seus
alunos de outros glossários, o que o predispôs para a maleabilidade relativamente
ao seu próprio glossário, quer no que toca à escrita quer na questão da oralidade.
Segue-se que daí resulta a sua crítica amarga contra
os que estagnaram no seu pequeno rectângulo lusíada, parando de sonhar - mau
grado o poetar de alguns desses - contra os progressistas que souberam “dar a
volta” desenvoltamente, sem pesos na consciência - «Há dois tipos de
portugueses adultos: os que “deram a volta” e se atualizaram e continuam a
sonhar, e os que “não deram a volta” e estacionaram, satisfeitos com as
posições já alcançadas. – embora eu ache isso uma asserção incorrecta,
já que os que «estacionaram» na questão do «sonho», podem talvez
ter estudado outras línguas mesmo as de origem das novilatinas e isso lhes faz
que possam «continuar a sonhar» com mais dignidade linguística, na minha
modesta opinião, defendendo a sua língua mãe contra a “acefalia” (designação
mais bem educada incontestavelmente que o designativo “estupidez” de G. C. ) dos fazedores do
actual AO.
De resto se o português provém de um latim muito
bárbaro, segundo opinião de João Cidreiro Lopes, o certo é que o mesmo sucedeu
com as outras línguas novilatinas, e nem por isso os respectivos povos as
abastardaram, como connosco sucede. Na verdade, por alturas do Renascimento, a
leitura dos clássicos greco-latinos, preservados na Idade Média conventual,
trouxe a aristocratização e enriquecimento da língua, acompanhando a evolução e
enriquecimento das mais, com influências constantes ainda, dessas e outras
sobre a nossa – estrangeirismos se lhes chama (além dos latinismos e helenismos
mais comuns) - mas também temos a marmelada e o barroco entre
muitos outros termos que aquelas de nós colheram, para nossa glória.
E nada disso tem a ver com o AO, estapafúrdio e
perfeitamente arbitrário - estúpido
diria eu, acompanhando a indignação de Gastão Cruz, já sem pruridos da cortesia
que Cidreiro Lopes exige no seu texto incongruente, de grande pobreza
espiritual, ao pretender adaptar a oralidade
à grafia, sem ter em conta a pronúncia, que a escrita protege tendo em
conta também a etimologia, através de regras próprias indispensáveis à sua
manutenção
Cidreiro Lopes foi professor que usou a oralidade mais
do que a escrita, que, segundo informa, está cheia de regras absurdas.
Nossa! Desisto de continuar a exploração do seu texto,
todo ele ditado pela subserviência oportunista, apesar da homenagem
introdutória ao ríspido colega de universidade, que honestamente zela pela
dignificação da sua língua.
Um fedor de texto, que não apetece reler. Pouah! Na
interjeição inglesa para desprezo. Oba! , na brasileira, mais doce. Irra! na minha, contrariada, e até preferindo estoutra mais grosseira, de Chiça! do fundo da alma, soltando-se.
Escrita
irritada pode ser delicada
João Cidreiro Lopes Professor de línguas aposentado
Público
14/08/2016
Compreendi que o Português só poderá ter valor
como língua importante quando deixar de ter variações locais em diferentes
continentes.
Gostei
muito de ler a crónica “O injustificável acordo orto(?)gráfico” do
apreciado poeta e crítico literário Gastão Cruz, repudiando a Língua Portuguesa
atual e argumentando que o Acordo Ortográfico em vigor é estúpido e inútil, o
que muito o irrita.
Aceito
que se irrite e o ache inútil, mas não que chame “estúpido” ao trabalho
coletivo de uma série de homens de letras de uma craveira possivelmente tão
elevada como a sua. Apreciei a argumentação dura do poeta
(talvez num dia um tanto azedo?), mas a sua crítica está muito bem
fundamentada, tendo em conta o conhecimento de que dispõe sobre o Acordo.
O
texto é pouco objetivo, pois só refere aspetos negativos e ignora tudo o resto.
Se estivesse na sua situação, eu provavelmente pensaria da mesma forma, mas com
menos violência. Por vezes uma pessoa, mesmo sendo poeta, na falta de argumentos
recorre à ofensa física ou oral.
Pela
minha parte sou um simples professor. Não tenho obras publicadas nem contatos
com figuras públicas. Sou anónimo. Mais duas diferenças: apesar de ter o mesmo
curso de Gastão Cruz, sai da faculdade quando ele entrou, e estou
bastante mais a par do Acordo, pois nele reconheço aspetos negativos mas também
positivos. E a diferença fundamental: a ortografia de antes ou depois do A.O.
não me afeta, pois a minha vida não depende da imobilidade indispensável a quem
escreve por profissão.
Há
dois tipos de portugueses adultos: os que “deram a volta” e se atualizaram e
continuam a sonhar, e os que “não deram a volta” e estacionaram,
satisfeitos com as posições já alcançadas.
Como
professor lecionei durante décadas Português no estrangeiro, principalmente na
Alemanha, e Língua Portuguesa para Estrangeiros na Faculdade de Letras. Ao
longo da vida dediquei-me somente a estudar a nossa língua e devo confessar que
só comecei a compreendê-la em profundidade depois de vários anos a ensinar
universitários estrangeiros e a tentar responder às suas perguntas e dúvidas.
Até então eu era um docente interessado e culto, que pensava dominar
perfeitamente a língua portuguesa, depois de a ter usado, estudado e ensinado
ao longo de muitos anos.
Ao
tentar esclarecer as dúvidas e questões que os meus alunos europeus, asiáticos,
americanos, africanos e oceânicos me punham, tentando compreendê-las por
comparação com a descrição que me iam fazendo da gramática das suas línguas
maternas, descobri que a língua que eu falo não é tão perfeita como eu julgava.
A
nível mundial o Português que falamos é uma língua com origem num latim muito
bárbaro, com forte influência do grego e do árabe, para além de outras, como o
francês e modernamente o inglês. Comparada com outras é uma língua um tanto
confusa e bastante ilógica, com vagas e antiquadas regras, que pouca gente
conhece e respeita. E o que é errado, depois de repetido milhões de vezes,
torna-se correto.
Compreendi
que o Português só poderá ter valor como língua importante quando deixar de ter
variações locais em diferentes continentes. E descobri também que quase todos
os alunos estrangeiros queriam afinal aprender Português para futuras ligações,
integrações e negócios com o Brasil, Angola, Moçambique, Guiné, Macau, Timor
etc e também para poderem depois ensinar Português nos seus próprios países.
A
relativamente poucos interessa aprender o “Português só de Portugal”: só para
turismo de férias, namoro ocasional, segunda residência de estrangeiros reformados
ou falso casamento negociado para permitir a entrada na Europa.
Esta
descoberta surpreendeu-me e causou-me problemas, ao reconhecer que afinal não
dominava a língua mundial que os alunos pediam que lhes ensinasse.
Felizmente
as línguas são na sua essência faladas. Quando nascemos não sabemos falar.
Aprendemos a comunicar com as pessoas que nos estão próximas por ruídos, gestos
e finalmente pela fala, que nos acompanha e vai evoluindo ao longo da vida. Só
anos depois compreendemos que não é possível falar com pessoas que estão longe
de nós. Informam-nos ser possível comunicar por nuvens de fumo, reflexos de
espelhos, bandeirolas em mastros. Obrigam-nos depois a ir para a escola e a
reproduzir por escrito os sons com que comunicamos com as outras pessoas. Mas
criam regras nem sempre claras, para nos cercear a liberdade.
A
ortografia é sempre uma tentativa de acompanhar a fala, e esta, como a língua é
viva, vai-se alterando lentamente e evoluindo ao longo do tempo. Vão aparecendo
novas invenções a que é preciso dar nome e desaparecendo outras tornadas
inúteis, às quais ninguém mais se refere.
A
maioria dos neologismos são cópias e imitações de palavras inglesas que nada
têm a ver com as nossas raízes linguísticas. Ainda mais infelizmente, as
mensagens que os jovens teclam nos seus telemóveis e afins já não são escritas
em Português, mas numa mistura de abreviaturas, símbolos e anglicismos que
horrorizam os cada vez menos puristas da língua.
Mas
nem tudo é mau. A comunicação escrita é cada vez menor, substituída pela
comunicação oral, que no fundo é a forma original de as pessoas comunicarem
entre si. Felizmente foram sendo inventadas formas de comunicar à distância
usando a fala e não necessitando de recorrer à complicada escrita. Quando a
comunicação oral progride, a comunicação escrita regride.
Eu
próprio acreditava escrever sem erros até descobrir que ainda faço vários. E ao
ouvir gravações de como falo, ainda mais horrorizado fiquei.
O
mesmo acontece com as pessoas que conheço, incluindo professores de Português.
Não consigo recordar um português culto em cuja escrita não tenha encontrado
pequenos erros de língua.
Na
Faculdade apareciam-me por vezes estudantes portugueses, finalistas de Letras,
a pedir autorização para assistir às aulas de Português dos estrangeiros, “para
os ajudar a integrar-se, a conviver e a conhecer a cidade”, principalmente
suecas e italianas.
Quando
havia ditado, os portugueses, “para ajudar a integração” sorriam e pediam para
fazer também o ditado. Curioso é verificar que os alunos estrangeiros fazem
menos erros do que os finalistas portugueses, que tinham anunciado que “aquilo
ia ser canja”. Uma chinesa perguntou até a um dos visitantes: Se você aprendeu bem a sua língua, porque faz tantos erros?
Na
sua essência as divergências que hoje existem entre quem se declara a favor ou
contra o Acordo são naturais mas não são fáceis de eliminar. Na anterior
Reforma Ortográfica, em 2011, foi tudo muitíssimo mais complicado.
O
A.O. veio facilitar a comunicação em língua portuguesa a nível internacional e
mundial, mas a nível local veio prejudicar muitos cidadãos cuja subsistência
está relacionada com a manutenção da imobilidade da ortografia em que nasceram,
principalmente escritores, editores e críticos literários. Tal como os teclados
eletrónicos estragaram a vida aos tipógrafos que enfileiravam à mão as letras
das frases, também o “Português mundial” vem pôr de lado o “Português só
nacional” que até agora dava emprego e estabilidade financeira a profissionais
desejosos de sossego e paz. Mas a nível particular cada adulto é livre de
escrever como lhe tentaram ensinar na escola primária.
No
fundo cada pessoa tem hoje de optar entre duas opções:
–
Ser uma pessoa que prefere viver num país pequeno e isolado, se sente
satisfeita com o nível de estabilidade e reconhecimento que o seu trabalho lhes
proporciona, e que comunica com o exterior numa antiga língua local com 10
milhões de falantes.
–
Ser uma pessoa que nasceu num país pequeno e isolado, mas que se sente também
cidadão do mundo e ousa enfrentar novos desafios, aceitando várias mudanças na
sua vida e na sua relação com uma língua viva com mais de 200 milhões de
falantes.
Creio
integrar-me no segundo grupo. Apesar de ser hoje um septuagenário, mantenho o
meu espírito em bom estado, acompanho o meu tempo e continuo com vontade de
ajudar o meu país a progredir.
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