segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Sem papas na língua



É verdade que, fascinada pelas palavras cheias de António Costa, de mãos dadas com as Catarinas e os Jerónimos do pelotão apoiante, e com a camaradagem flutuante dos seus próprios comparsas de grupo, encantados com a oportunidade de figurarem novamente ao comando desta mesquinha embarcação sempre à deriva, entre o aperreamento e a balda, entre a ilusão e o sono, entre o desejo e a mortificação, também eu me quis convencer de que tudo nos vai correr  à maneira, e todos os meses espreito o vencimento, para ver se está a ser reposto, segundo a fórmula “o prometido é devido” que se badalava quando tudo começou. Mas este texto de Paulo Rangel veio tirar-me as peneiras e a partir de agora não vou mais acreditar em mudança, apesar do Camões e dos outros adeptos do rio que flui, a não ser que seja para águas ainda mais poluídas.
Não há nada a acrescentar, suponho, a esta expressiva síntese do deputado europeu.

O consumo consome e consuma o Governo
Público16/08/2016
1. A estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística — ainda carecida de correcção e precisão — mostra que o crescimento económico a meio do ano, passados os dois primeiros trimestres, se queda por menos metade do que inicialmente previu o Governo e por metade do que se registou em 2015. O Governo Costa, socialista e apoiado activamente pela esquerda radical, tinha como grande bandeira o crescimento. Crescimento que se faria essencialmente por obra e graça da procura interna, do consumo privado, induzido por uma devolução acelerada e robusta de rendimentos aos funcionários públicos e pensionistas. Ainda no fim-de-semana, Jerónimo de Sousa insistiu na necessidade de, no Orçamento de 2017, aumentar as pensões e os salários da função pública. O crescimento seria também propiciado por um aumento do investimento público e até privado. Mas investimentoapesar da reacção delirante de Ana Catarina Mendes na noite da Festa do Pontal do PSD — nem vê-lo! A receita milagrosa de Costa e de Centeno e, bem assim, dos seus aliados da extrema-esquerda falhou rotundamente. Afinal onde está a subida notória ou, ao menos, visível do crescimento? Com a política socialista e da esquerda radical o crescimento decresce e decresce a olhos vistos: decresce para metade do ano passado e para menos de metade das previsões de Centeno e Costa. O dito estímulo ao consumo já consumiu o Governo e há-de consumi-lo até o consumar.
2. O silêncio sepulcral do PS, do Bloco e do PCP, a respeito desta aferição do INE, mostra bem o fracasso das políticas do Governo. Aumentar de supetão e selectivamente, num único ano, os rendimentos de duas classes da populaçãocomo se todas as outras não tivessem sido expostas aos mesmos sacrifícios por causa do resgatenão produziu nenhum efeito palpável no crescimento económico. E, porque essa medida imprudente teve como contrapartida um significativo aumento de impostos (também sobre o consumo), assistimos a um evidente efeito recessivo de diminuição do crescimento económico. Isto, que comprova a falência e a exaustão do programa económico do Governo da frente de esquerda, nenhum dos três ou quatro partidos comenta ou explica. Não se ouviu uma palavra de Costa, de Catarina Martins ou de Jerónimo de Sousa sobre este mau resultado. Ouviu-se, sim, sem nenhum menoscabo para a dirigente socialista, uma surreal declaração de Ana Catarina Mendes em reacção ao discurso sério, responsável e realista de Passos Coelho no Pontal. A substituta de Costa no PS parece viver num outro país ou até num outro mundo. E depois, já ontem, ouviu-se uma investida lírica de António Costa contra Passos Coelho, sem nada conseguir explicar acerca dos números do crescimento que tanto o inquietavam e obcecavam quando ele — o crescimento — de facto existia. Jerónimo e Catarina, esses, guardam de Conrado o cabido silêncio — sem nada dizerem quanto à derrocada das políticas que tanto sustentaram. É espantoso como estes dois partidos que se alimentam do ruído político — algures entre a gritaria e a berraria — estejam agora tão calados, tão sossegados, tão disciplinados.
3. Mais grave ainda é que essa aposta no consumo privado — que falhou tão ostensivamente — consumiu todo o programa do Governo, que afinal nela se consumava. Fora dessa estratégia, que se revelou tão frustre e fraca, o Governo não tem quase nada ou mesmo nada para apresentar. Em termos económico-financeiros, foi desastrosa a gestão do caso Banif e verdadeiramente medíocre a gestão, ainda em transe, dos assuntos da Caixa Geral de Depósitos. No campo da educação, o Governo prosseguiu pura e simplesmente o caderno de encargos dos sindicatos da FENPROF, hipotecado ao PCP e à CGTP, destruindo todo o adquirido de muitos e muitos anos. Em sede de saúde, apesar da vontade do Ministro, as cativações — impostas pelo aumento da despesa destinado ao tal impulso ao consumo — geram dívida acumulada e vão afectar gravemente os serviços dentro de meses. Na área fiscal, o Governo não cessa o aumento brutal de impostos, geralmente, como se vê bem no IMI, de forma encapotada. Um tal aumento tem um impacto automático na queda do crescimento a que aqui se aludiu. Tudo isto para não falar na exemplaridade dos padrões de ética republicana, onde o Governo soberbamente queria dar cartas e em que tem sucumbido de modo assaz deplorável. Os outrora moralistas do regime, sempre de dedo em riste, Bloco e PCP, estão agora mudos e quedos, com declarações de princípio abstractas, sem qualquer convicção ou acutilância. O episódio do Secretário de Estado que usa de má fé para receber um subsídio de residência não lhes suscita nenhuma denúncia; o envolvimento do Ministério da Educação na manobra de condicionamento e de ataque à independência de um juiz não lhes motiva nenhuma repreensão; a promiscuidade de membros do Governo com empresas sobre a sua tutela é retratada a título de pura e simples ingenuidade, como se se tratasse de crianças sem qualquer experiência políticaO Governo podia ser apenas incompetente e falhar nas suas metas, mas mostrar-se um guardião dos princípios do Estado de Direito, com que os seus sustentáculos parlamentares da esquerda radical tanto enchem a boca. Mas nem isso.
4. Mau, francamente mau, foi também o desempenho da titular da Administração Interna em matéria de prevenção e combate aos incêndios. Depois de se ter alardeado que Portugal nunca estivera tão bem preparado, a Ministra tardou, e muito, a aparecer, chegando a deixar o Primeiro-Ministro sozinho numa visita ao comando da Protecção Civil. E tardou, e muito, em accionar o apoio internacional. Se ela esteve bem na questão dos refugiados, parece agora falhar no núcleo duro das suas funções: a protecção civil e a polícia. E nem sequer hesitou em procurar afastar as Forças Armadas de uma responsabilidade que estas podem muito bem, no quadro de uma compreensão moderna da sua missão, assumir. A Ministra tal como o Governo também se aqui se consumiu e quase, verdade seja dita, se consumou.

Nenhum comentário: