No mundo passam-se atropelos hoje, como em todo o
sempre. A história da humanidade está manchada de horrores, desde o seu início.
Só que a globalização nos tornou mais cientes hoje do que se passa aqui e ali e
em todo o lado. O artigo de Pedro Baldaia – «Tolerância zero» é bem
explícito na sua condenação do terrorismo islâmico e na sua impaciência para
com as falsas bondades de uma hipotética compreensão de todos os que se
pretendem “ecuménicos” na questão da aceitação do “outro”. Tal não existe.
Todos somos diferentes, mau grado as filosofias da igualdade, e aceitar passivamente
o que nos parece errado, a pretexto de que, contrariando-o, estamos a
contribuir para uma maior intolerância universal, acho-o irrisório e concordo
em absoluto com Paulo Baldaia na sua impaciência contra o “politicamente
correcto” da nossa hipocrisia.
Por seu turno, na Crónica ilustrada do
mesmo jornal e data – em Notícias Magazine - José Luís Peixoto publica
um breve ensaio sobre “O Medo”, em sintonia com a tese de Paulo
Baldaia, na medida em que considera quanto o terrorismo islâmico está na origem
das fobias actuais, em face do desconhecido ou do imprevisível.
O certo é que a bola azul continua a girar, o mundo a
mexer-se, até à consumação dos tempos, no enigma do que virá a seguir.
Tolerância zero
Paulo Baldaia
DN, 31/7/16
Se queremos vencer esta guerra onde estamos metidos,
temos de nos deixar do politicamente correcto e usar as palavras certas quando
relatamos crimes praticados em nome da religião e de Deus. Uma criança de 10 anos que é dada pela família
para casamento é pedofilia, não é uma tradição ancestral. Um irmão que
mata a irmã porque ela quer viver em liberdade não é um crime de honra, é um
assassinato. Uma criança que é mantida em casa e proibida de ir à escola
é um rapto.
De igual forma é tão terrorista um muçulmano que mata
na Europa como um muçulmano que mata no Iraque ou um cristão que se arma até
aos dentes e mata nos Estados Unidos. Não são terroristas os dois primeiros e maluco o norte-americano.
Ainda assim, há um problema grave com o islamismo. E não, não tem que
ver com o que defende esta religião em comparação com as outras, tem muito mais
que ver com a tolerância com que olhamos para os crimes praticados. A começar
pelos que são praticados lá longe.
Ninguém pode ser feminista na Europa e não ter
tolerância zero em relação ao islamismo. Sou agnóstico e, mesmo que acreditasse em Deus, não
seria capaz de viver com a minha racionalidade em nenhuma igreja. Mas, por ser
racional, sei que a história nos dá conta de que, enquanto a maioria das
religiões se tornou mais humanista, o islamismo teima em tolerar que se cometam
crimes em seu nome e em nome de Deus.
Se a atitude passiva que se vê na grande maioria dos
líderes muçulmanos tivesse perdurado na história do cristianismo, a Inquisição
teria durado muito mais tempo e feito muito mais vítimas. No século da globalização, não é tolerável que uma
determinada religião olhe para os crentes das outras religiões como infiéis.
Como não é tolerável que considere a mulher um ser inferior.
Na questão do uso das palavras é igualmente um erro,
quando falamos do islamismo, falar de líderes moderados em contraponto aos
radicais. Não haverá paz enquanto a maioria for radical e os moderados não
deixarem de ser moderados. Não chega não advogar a guerra, os moderados
têm de se radicalizar, dentro da sua religião, para combaterem os crimes de
ódio, os crimes de honra, a escravidão das mulheres. Utilizamos o termo
moderado como um elogio e o que ele revela é uma fraqueza.
Vivemos numa sociedade livre, onde até os ateus e os
agnósticos são aceites como fazendo parte do reino de Deus. Não podemos aceitar
viver com religiões que aceitam todo o tipo de discriminações. E não, não é
apenas para nos defendermos, é também para defender os milhões de pessoas que
vivem sob o jugo da intolerância religiosa. Contra esta barbárie temos de ter tolerância
zero, na Europa e no resto do mundo. Professem a religião que entenderem, mas
isso não lhes dá o direito de não respeitarem os outros seres humanos.
Crónica ilustrada
José Luís Peixoto
Notícias Magazine. 31/7/16
O Medo
Todo
o medo é medo do desconhecido. Todo o medo é falta de resposta a
perguntas. O que será de nós? A morte é a maior pergunta que somos
capazes de fazer. A própria experiência de existir é colocada em causa
pela morte. Faltam palavras para nomear o que não sabemos, falta uma forma
concreta para o medo.
Em espaços públicos, são infinitas as oportunidades
que um suicida dispõe para assassinar inocentes. Se não nos fecharmos em bunkers,
haverá sempre ocasião para qualquer pessoa assassinar qualquer pessoa.
Não podemos instalar máquinas de detetar metais nas
entradas da internet. Hoje, a glória a que aspiram já não é um paraíso cheio de
virgens, são likes no Facebook, visualizações no YouTube, são câmaras de
televisão a repetir o seu nome e a entrevistar os amigos do bairro.
É certo que, a posteriori, os facínoras lá do deserto
estão disponíveis para reivindicar qualquer atrocidade, mas parece-me que, mais
do que uma ideologia, o terrorismo fundamentalista islâmico deu ao mundo uma
nova forma de exprimir frustrações e desesperos diversos, não necessariamente
religiosos.
Depois de acontecer, averiguamos o país de origem do
criminoso ou da família do criminoso. Na cabeça, levamos uma lista vaga de
países que, estamos convencidos, nos tira imediatamente as dúvidas sobre as
intenções do que aconteceu. Se gritaram Allahu Akbar, se publicaram alguma
frase em árabe na internet, queremos acreditar que já conhecemos a história
toda, mas no íntimo sabemos mais do que apenas isso.
As respostas deixaram de ser simples.
Estamos num ponto em que nos faltam as certezas
absolutas. Existe o problema, é imenso, parece cobrir tudo e, como sempre
acontece nas dificuldades reais e presentes, não deixa espaço para soluções. Depois
de tanto horror que ultrapassámos, guerras mundiais e genocídios, parece ser a
primeira vez que não sabemos o que fazer. O inimigo não tem rosto, está
em toda a parte, pode usar qualquer arma. O que será de nós? O inimigo é
o medo, o seu lugar é o medo, a sua arma é o medo.
*medo, em árabe.
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