E
os jornais que a minha irmã me traz vão-se acumulando, na premência dos
afazeres ou de outras leituras, e descubro agora, já antigo, este, com o artigo
já sublinhado por ela. Pouco tenho a dizer, na anuência de opinião com a dum
jovem, João Miguel Tavares, que não enfileira no grupo oportunista, como já
tantos passaram ao longo destes anos de “liberdade” e agora têm a oportunidade
de se exibirem novamente, descendentes da geração antiga, ou novamente estreitados,
para não deixarem passar a ocasião de relembrar... E insistir. Um artigo que
desejo guardar, auscultador de uma sociedade de grande penúria, que se entretém
a alardear excitações, mais do que reais convicções, fundamentadas em
argumentos de ombridade e solidez - quais rãs da fábula, inchando, a aspirar ao
tamanho do boi...
Patriotismo? Tenham vergonha
Público, 7/07/2016
Já ouvem ao longe as trombetas? Neste momento, a luta
contra as sanções não é apenas um combate político – é um desígnio patriótico
ao nível do ultimato inglês de 1890. É a dignidade de Portugal que está em
causa! É a obrigação de reagirmos à chantagem europeia! É a necessidade de
defendermos a alma lusitana e o espírito de Viriato! Vocês lembram-se do tempo
em que o nacionalismo era coisa salazarenta e o patriotismo uma bandeira
poeirenta do CDS? Esqueçam. O patriotismo está super-fashion e há um novo nacionalismo 2.0. O PCP, o Bloco de
Esquerda e o próprio PS estão embriagados de nacional-patriotismo, e não é por
causa do Europeu de futebol: é porque os alemães – ou melhor: os boches –
querem impor a todo o custo a ditadura da austeridade. Em 1890 cantava-se pelas
ruas “contra os bretões, marchar, marchar”. Com o advento da República passou a
cantar-se “contra os canhões, marchar, marchar”. Chegou a hora de uma nova e
imprescindível actualização: “contra os teutões, marchar, marchar”.
O
secretário-geral do PCP pede ao Governo “brio patriótico” para informar
Wolfgang Schäuble que “no seu país manda ele, mas aqui mandam os portugueses”.
O Bloco garante que se as sanções forem para a frente ele lança contra a Europa
a sua mais recente canhoneira: o referendo-a-não-se-sabe-bem-o-quê. Já no final
do ano passado, o Bloco discutia num dos seus fóruns a candente questão: “A
esquerda deve ser patriótica?” Luís Fazenda mostrava o caminho: “Há um
nacionalismo progressivo e um nacionalismo reaccionário. Nós somos do campo do
nacionalismo progressista.” Viva, pois, o nacionalismo progressista, que o PS
tem vindo a adoptar com entusiasmo crescente, cumprindo mais uma das suas
promessas eleitorais: ser, nas palavras de António Costa, “o campeão do patriotismo
na Europa”.
A coisa
funciona assim: quanto mais a Europa se desconvence da sanidade mental dos
planos económicos de Mário Centeno, mais o fervor patriótico toma conta do
Partido Socialista. Por cada mapa Excel que se afunda há uma bandeira verde-rubra
que se ergue. Pelas ruas, estão plantados cartazes onde os socialistas prometem
“defender Portugal na Europa” e a destacada Ana Catarina Mendes elogia a “voz
grossa” do Governo e do PS. Os agudos de Pedro Passos Coelho foram substituídos
pelos baixos profundos de António Costa.
Por favor,
alguém informe os nacionalistas progressistas e os campeões do patriotismo da
figura ridícula que estão a fazer. Não por haver mal algum em defender os
interesses de um país – acho óptimo –, mas porque o único interesse que a
esquerda está a defender é a sua sobrevivência política. Isto não é um
patriotismo corajoso, de faca nos dentes. Isto é apenas um patriotismo
dependente, de chucha na boca.
Eis a dura
verdade: esta esquerda não tem qualquer projecto político plausível para o país
que tanto diz amar. Aquilo a que chamam patriotismo é o eterno prolongamento do
Portugal de mão estendida e incapaz de produzir o suficiente para sustentar o
seu nível de vida. Patriotismo é tentar quebrar esse círculo vicioso.
Patriotismo é trabalhar pelas reformas indispensáveis, é fazer sacrifícios por
um país melhor, é lutar pela nossa independência financeira. Patriotismo não é
berrar alto, a ver se nos voltam a encher a velha gamela. Dizem por aí que o
bom aluno era demasiado subserviente. Já o aluno cábula, esse, é um grande
patriota. Com uma mentalidade destas, só temos aquilo que muito patrioticamente
merecemos.
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