sábado, 20 de junho de 2009

“Porque não havemos nós de tomar arsénico?”

É a srª Teresa, esposa fiel do sr. João da Esquina, tendeiro de profissão, mãe extremosa da menina Francisquinha, que, em insistência matreira com o marido, repete insistentemente a frase “Porque não hás-de tu tomar arsénico?”, no jogo de sedução em torno de Daniel, filho de José das Dornas, de visita médica, em substituição de João Semana, o velho médico da aldeia. Daniel receitara ao sr. João da Esquina um tratamento à base de arsénico, insistindo na eficácia dele na alimentação dos cavalos, o que indignou João da Esquina, não só pelo desprimor do confronto cavalar, como por já estar de prevenção contra as modernices do novo médico, apregoadas exuberantemente pelo pai babado José das Dornas, a respeito duma tese muito apreciada pelos professores do filho, que versava sobre a ligação do homem aos símios, do conceito original na época.
E a srª Teresa, pressurosa de filar o recém-médico para genro, na sua teia de simpatia, vai reproduzindo, em leit-motif sagaz, intervalado com a conversa do receituário médico de Daniel, a frase insidiosa que leva o marido aos arames.: “Ó homem, porque não hás-de tu tomar arsénico?”
Nem Júlio Dinis, ao escrever “As Pupilas do Senhor Reitor”, imaginaria o efeito simbólico do seu enredo simpático sobre a nossa sociedade de arteirices e imposições, de gente acomodada ao arsénico, de gente impondo o arsénico.
Pois aqui estamos nós a ler estas notícias sobre a Ministra da Educação e o Primeiro Ministro, em novo jogo sedutor, para a apanha de votos legislativos, minimizando a avaliação, responsável pelas injustiças, subversões e pelos traumas sociais de vária ordem, e pela deseducação com efeitos pesados sobre o futuro da nação, cada vez mais ínfima e enferma, quando antes foram surdos a qualquer apelo ao bom senso, na alteração das suas exigências, a primeira suavemente recusando agora “passar atestados de incompetência aos professores”, o segundo, finalmente, soltando o pseudo-grito do Ipiranga para os professores, a tudo afeitos: “Gostaríamos de não ter cometido o erro de apresentar uma avaliação tão exigente, tão complexa, tão burocrática”. Não acrescentou “tão nula”, mas podemos ultrapassar isso.
A moda do rebaixamento à Bill Clinton, pedindo desculpa à nação americana pelas facadas que deu no seu matrimónio, tendo sido perdoado, pegou cá, estamos a ver. Sem facadas matrimoniais - que essas até merecem sorrisos de conivência e simpatia. Basta compor um novo discurso, basta compor um novo facial de seriedade e mansidão.
E nós... porque não havemos de tomar o arsénico? Torna o físico dos cavalos mais luzente e vigoroso, segundo a versão de Júlio Dinis, pela boca do simpático Daniel. Tomámos o arsénico da imposição, tomemos o arsénico da séria mansidão.
Duma maneira ou de outra, remédio já não haverá para o nosso físico.

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