sexta-feira, 12 de junho de 2009

“Apareça, faça o Serviço”

Devo contextualizar. Tratou-se da questão da transferência do Ronaldo e do seu vencimento inefável, segundo etimologia grega, indizível, segundo etimologia latina. Comentei que se tratava de uma indignidade dos nossos tempos, fora de qualquer nomenclatura do nosso conhecimento – por isso inefável, por isso indizível - para a descrever condignamente, tamanha era.
Logo a Ilda: “O futebol não tem Deus? Apareça, faça o Serviço!”.
Somos pessoas sensíveis, que sofrem com os males – nossos e alheios – e hoje em dia os alheios formam enxurrada que nos arrasta também, embarcados todos na mesma jangada furada, para um despenhadeiro inenarrável, continuando na senda dos vocábulos que ocultam os que a nossa boa educação, ou a nossa ignorância escatológica, nos impede de utilizarmos para classificar os feitos vergonhosos de uma sociedade podre.
De facto, num mundo subvertido, onde ninguém já pode confiar em ninguém, e sobretudo na classe alta, seja governativa, bancária, jurídica, empresarial, senhora do capital, em suma, que desgraçou todos os que o não são, em conivência sem vergonha nem disfarce, atirando com uns arremessos de côdea para calar protestos - as somas astronómicas que o futebolista Ronaldo veio ganhar, que outros já ganharam antes, parecem ironia, troça, desprezo pelos mortais restantes, dos quais se diz que, além do que já têm pago, ainda vão ter que pagar pelas fraudes bancárias para indemnizar os que a banca lesou.
Eu creio que os futebolistas que assim ganham ainda devem ter alguma vergonha, porque se mostram discretos, manipulados pelas potências capitalistas. Mas, os que lhes pagam assim, usam o desprezo como arma, para lançarem tais propostas insensatas de arranjos clubísticos, uns comprando, outros vendendo, por tais preços, tais pessoas como gado.
Daí que a frase herética da Ilda sobre a inexistência actual de um Deus, que, ao que parece, desapareceu da Terra, seja no futebol, seja no resto das acções humanas, veio como um grito de alma, de alguém muito sensível às desconsiderações.
Mas eu não sei até que ponto é que nos não move uma feroz inveja, por não termos as competências que o Ronaldo tem embora nem desejássemos tanto, que isso até é pecado, como já bem provámos.
E vem à baila a fábula da raposa ferida pelo caçador, cujo sangue as moscas chupavam, chupavam. A raposa queixou-se a Júpiter e logo apareceu o ouriço-cacheiro, zeloso, a oferecer os seus préstimos: “- Eu mato as moscas, eu mato as moscas, vizinha”. “- Já agora, deixe estar as moscas, vizinho, que já estão quase repletas do meu sangue. É preferível do que ter de alimentar novos bichos, tais como o vizinho, que ainda estão no começo...”
Não serve de moral, mas é um conselho ao Ronaldo, assim bafejado pelo Júpiter, em segunda e mais eficaz dose ainda. O seu sangue já deve ter servido a muito bicho. Cuidado com os ouriços-cacheiros que virão a seguir.
Prometemos não participar. A negra inveja faz mais o nosso jeito, já que Deus abandonou de todo o Seu Serviço e não aparece mais.

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