sexta-feira, 5 de junho de 2009

Era uma vez um amigo meu que tinha uma amiga professora...

Tem vezes” que são recuadas, esta “vez” é recente. O diálogo foi mesmo hoje, via telemóvel:
- “Como está a tua filha?” – pergunta o meu amigo preocupado. –“Anda em baixo de forma, deprimida. Acho que tem muitas negativas a distribuir, e as positivas são dos alunos mais mal comportados, mal educados mas com alguma cabeça. Não conseguiu estabelecer estratégias de recuperação dos alunos menos capazes, embora mais bem comportados. Tudo isso ela acha injusto, para mais tendo que atingir percentagens de sucesso que não correspondem à realidade.” – “Pois, o Ministério arranjou uma esquisita fórmula de avaliar os professores, a quem impede de avaliarem os alunos segundo critérios de competência, racionalidade e honestidade, sob pena de a sua própria avaliação ser penalizada. Tenho uma amiga professora, também competente, mas que encara “a sério” uma avaliação que nada tem de sério: querem 90 ou 97% de aprovações? Pois tê-las-ão. E não entra em depressões. E será avaliada positivamente, por ter atingido os objectivos – não os seus, mas os do Ministério.”
Concordei com o ponto de vista da amiga do meu amigo. Devemos actuar camaradamente, agora que o nosso Primeiro Ministro nos rotula de “camaradas”. Devemos acamaradar, pois, com as normas da nossa camarada Ministra da Educação, que nos rotula de incompetentes quando pomos em causa os benefícios e a farsa dos magalhães e todas as outras farsas do actual ensino, que só não dão para rir porque causam muita infelicidade – presente e futura.
Mas lembro, num objectivo dirigista, impeditivo das depressões – toda a gente tem direito aos seus próprios objectivos - uma história da Écloga “Basto” do nosso Sá de Miranda. É a que conta Bieito a Gil, para convencer o seu tresmalhado amigo, que escolhera a solidão e liberdade orgulhosas, de que mais lhe valia ir com os outros, como a “Maria” do provérbio. Conta que num dia de chuva, talvez já marada com a poluição da época, os que se molharam ficaram tocados do miolo. Excepto um, que se acolheu ao alpendre, tratou da casa e da seara. Mas logo os outros o maltrataram, mesmo o juiz, já nessa altura um viciado. De tal maneira, que o pobre do sensato resolveu brincar à chuva como os mais, em primitiva sugestão do “Singing in the rain” do Gene Kelly, sem tanta magia mas com muito realismo:
“BIEITO: Come de toda vianda, / não andes nesses entejos; / não sejas tão vindo à banda, / tem-te às voltas co’s desejos: / anda por onde o carro anda. / Vês como os mundos são feitos: / somos muitos, tu só és; / por isso em todos seus jeitos, / um esquerdo entre direitos / parece que anda ao revés.
“Dia de Maio choveu: / a quantos a água alcançou / o miolo revolveu; / houve um só que se salvou, / que ao coberto se acolheu. / Dera vista às semeadas, / as que tinha mais vizinhas; / viu armar as trovoadas, / acolhe-se às bem vedadas / das suas baixas casinhas.
“Ao outro dia um lhe dava / piparotes no nariz, / vinha outro que o escornava; / aí também era o juiz, / que se de riso finava. / Bradava ele: - Homens, estai! / iam-lhe co dedo ao olho. / Disse então: - É assi que vai? / Não creio logo em meu pai / se me desta água não molho.
“Apaixonado qual vinha, / achou num charco que farte; / o conselho havido o tinha; / molhou-se de toda a parte, / tomou-a como mezinha. / Quantos viram, lá correram: / um que salta, outro que trota, / quantas graças i fizeram! / Logo todos se entenderam: / ei-los vão numa chacota.”
Bieito
conta ainda a Gil, no mesmo desígnio de incitamento a que se chegue aos da aldeia, a história do “bacorote honradiço” para ilustrar o provérbio “cada qual com seu igual”: é nos nossos que encontramos apoio nas aflições. Assim o bacorote que tinha a seu cargo o “gado ovelhum”, que tratava, aliás, com pouca delicadeza, um dia é apanhado pelo lobo feroz. Ora quem lhe valeu, nos seus gritos? Não foi o cobardolas do gado lanígero, mas sim os porcos da aldeia, seus pares, que escorraçaram o lobo intruso.
Por isso, como as personagens tão vivas e tão actuais do nosso experiente clássico, juntemo-nos aos pares, acamarademos, queridos camaradas, acamarada, querida filha, espalha as positivas, não te espalhes tu!

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