terça-feira, 23 de junho de 2009

As mesas da escola aberta

Geralmente gosto de ler Isabel Stilwell. É alegre, sensata, escreve sobre assuntos sociais ou pedagógicos, com uma dose de franqueza terra-a-terra, que dispõe bem e nos faz aderir muitas vezes às suas risonhas mensagens. Mas sinto, simultaneamente, que é alguém que se considera um espírito moderno, aberto, sempre pronto a defender as políticas modernas, ousadas, do governo actual, escamoteando deliberadamente as perversões e os erros desse governo, com consequências tão negativas sobre tanta gente, o que a não perturba. Já a tenho ouvido, em mesas redondas, pontificando, com os seus pareceres decididos, e as suas duras gargalhadas, de alguém que morde a vida com gosto, caminho a um futuro que os seus filhos um dia trilharão com igual optimismo e eficácia.
Ontem também a ouvi num programa do Canal 24, que apanhei por acaso, já quase no fim. Por isso não é sobre o programa, com quatro entrevistadas entre as quais igualmente a discreta Laurinda Alves que me vou pronunciar. É apenas sobre uma frase que um dos seus filhos pronunciou, quando era mais infante, sobre a sua atenção nas aulas, e que ela reproduziu, mais ou menos nestes moldes: “Ó mamã, há professores que expõem, impõem apenas, as suas matérias. Como podem exigir a nossa atenção durante tanto tempo da aula? Há outros que tornam as aulas mais atraentes, com várias mesas para os grupos de trabalho. Destes, sim, é que gostamos”.
E a mamã, de concluir, com superioridade, sobre a nota negativa que atribui à aula expositiva, e a nota positiva à da escola aberta, das mesas e cadeiras à volta, em termos de eficácia estratégica.
Perfeitamente integrada, pois, nos moldes pedagógicos da actualidade, indiferente aos problemas de indisciplina e vazio gerados pelo farfalhudo dessas pseudo-actividades que, não digo que não se façam, mas a partir de noções que os alunos deverão dominar previamente. E isso resulta de exposição prévia de saberes, se se quiser colher resultados. Parte do princípio, com sabedoria, que uma aula onde o professor expõe é apenas uma aula sensaborona, com o professor falando, ouvindo-se sem ouvir, o que é falso. Há muitos instrumentos de apoio, o quadro, mapas, gravações, que podem despertar o interesse dos alunos para uma fixação de dados ou uma melhor compreensão das questões, que servirão de apelo à participação daqueles. Se é que é importante pensar em transmitir algo a alguém hoje em dia, ou pretender formar.
Mas as intervenções de Isabel Stilwell não são inocentes, por muitas rajadas de risos que solte, que parecem submeter as outras, embora talvez o façam por delicadeza. Vê-se que toda ela é autoridade sobre os adultos que a escutam ou lêem, sobretudo porque defende a personalidade das crianças, o universo das crianças, universo em que os adultos funcionam muitas vezes de ditadores, papões, bruxas más, e as criancinhas é que são ladinas e sábias e vão construindo a sua vida, impondo as suas regras, submetendo os seus parentes, a sociedade moderna.
La Maison de papier”, de Françoise Mallet-Joris, eis um livro que se lê com prazer e encanto, pela graça dos meninos, crianças com muita personalidade, filhos de pais artistas sempre ocupados, uma casa em desordem onde entram os amigos dos filhos, empregadas várias, com os seus problemas também, e anseios e familiaridades, onde parece não haver disciplina nem formação, mas a todos a mãe atendendo, apesar do intenso trabalho, sorridente, generosa, inteligente, deixando os filhos desenvolver as suas capacidades, sem imposições e escutando-os sempre, respondendo aos seus comentários de crianças simultaneamente ingénuas e filósofas, compensada sempre, mesmo nas suas preocupações maternas, pois que até o filho extravagante, que aparentemente se desvia do percurso normal, se revelará estudante capaz quando chega o momento certo. Um livro cheio de humor, que não deixa de impor uma tese pedagógica - a do não autoritarismo, a da confiança - de superiorioridade sobre as outras, e simultaneamente exibindo a inteligência da mãe, frágil e desordenada, na casa, porque com intenso trabalho intelectual, mas solidária sempre.
Parece-me que Isabel Stilwell quer exibir um pouco essa maleabilidade materna de generosidade e saber escutar o mundo infantil, posta em destaque na “Maison de papier”, salientando altivamente também a sua inteligência e o seu saber, sem considerar os relativismos nem as contingências, nem outras posições, para ela obsoletas, por racionais que sejam.
Mas agora que lhe conheci as gargalhadas de satisfação, não senti o mesmo encanto com que sempre li os seus textos. Porque, generosa e apaparicadora com o mundo infantil, pareceu-me cruel com o mundo adulto, embora rasteira com o mundo do actual governo que apoia incondicionalmente.
No caso dos professores, creio que esfrega as mãos de contente, por a Ministra os ter reduzido às suas nulidades. Mandando-os aprender a dar aulas, sem grande necessidade de matérias, com muitas mesas e cadeiras à volta, em cada sala.
Provavelmente não tardará o dia em que o que se pede nas aulas é que o professor distribua o café do bem-estar aos seus alunos.

Nenhum comentário: