quarta-feira, 10 de junho de 2009

“Ser outra vez Portugal”

Foi o Presidente da República que falou. Gostei do que ele disse, de apelo à recuperação do sentido de nacionalidade, e de retoma dos valores, creio que tradicionais. Senti, assim, que Cavaco Silva foi dos adaptados aos ventos da mudança, como tantos houve, mas sem se identificar com eles. No fundo, foi dos que construiu o seu destino, trabalhando, em prol da pátria, como todos nós, sem se esquecer de si, também como todos nós. Nós os que trabalhamos, ou trabalhámos antes da aposentação.
Jorge Sampaio também apelava, apelava, com a arrogância do grande senhor, mas parece-me que nunca se demarcou dos novos ares democráticos. Mário Soares apela mais agora, que já está feito aquilo para que ele tanto contribuiu que se fizesse. Apela ao bom senso, critica o estado de sítio em que vivemos, depois do adeus às armas. Dantes acentuava mais, até mesmo exaltadamente, os tais parâmetros da liberdade, da democracia, e da glória do seu contributo para isso. Agora ficam-lhe a matar os ares de ponderação pseudo-paternalista, para enganar os ingénuos.
Ramalho Eanes foi também disciplinado, pareceu-nos, inicialmente, o anjo da guarda que sanou o aventureirismo destruidor dos nossos heróis revolucionários. Os que ajudaram a desfazer o tal império, e que agora se não importam – eles ou os seus continuadores - de ir guerrear para sítios donde saiam mais bem remunerados e mais bem publicitados, mesmo que seja uma publicidade enjoativa, das despedidas e das chegadas, com a mulher e os filhos abençoando-os em lágrimas, de alegria, ou tristeza, ou apenas de cupidez.
Camões talvez os não imortalizasse. Mas a verdade é que os heróis que ele imortalizou, também se mostraram surdos e endurecidos, para com ele, sim, mas também na “vil tristeza”, e “austera” e “apagada” que levou Portugal à perda da independência, durante sessenta anos.
Cavaco Silva sabe que vivemos na mesma “vil tristeza” ordenada por quem tanto se empenhou em semeá-la, num ministério intemerato, destruidor do sentido da dignidade do povo, atropelador de todas as normas da decência e do respeito humanos, indiferente às torturas por que passam os que perderam os seus empregos, os que se demitiram por não suportarem o serem calcados na sua dignidade, o encerramento de tantos aparelhos necessários, como hospitais, escolas, um ensino de fantoches, de desconsiderações e indisciplina, e, no meio de tudo isso, a expansão de um subsídio hipócrita e humilhante, criador de subserviência, provavelmente angariador de votos eleitorais e danificador da economia nacional.
Pobre Camões tão repetidamente invocado, e muito justamente, como nosso génio tutelar! Mas eu não sei se Cavaco Silva estava bem ciente do que disse quando desejou que Portugal fosse outra vez Portugal.
Portugal foi-o, no seu pai criador, Afonso Henriques, e os vários reis que a ele conferiram algo do sentido pátrio, pelo seu contributo conquistador ou formador. E os que ambicionaram o seu alargamento e o conseguiram. Foi isso que sentiu Camões, ao escrever a sua epopeia, da forma exaltada e plena do engenho e arte que ele se reconhecia, e é isso que nos tem alimentado o ego nacionalista.
Mas o que nos tornaria grandes, de facto, seriam os valores da seriedade, da racionalidade, da coesão, do amor ao solo natal que nos levasse a cultivar-nos, a embelezar o nosso país com algo mais do que facúndia oca, a impedir a prevaricação, cada um fazendo por atingir objectivos que o dignificassem e que dignificassem o seu país, estudando, trabalhando, valorizando-se e valorizando a pátria. Como fazem todos os países que se definem como entidades válidas – sejam eles conhecidos ou não – mas onde impera o respeito e a valorização intelectual, moral e cívica dos cidadãos.
Sem esses dados, que significa “ser outra vez Portugal”?

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