domingo, 14 de junho de 2009

“Merci Professeur”

A nossa mentalidade de povo inseguro que, porque estudou pouco faz da agressão mesquinha o modo mais expressivo de se afirmar, toda ela se manifesta a cada passo, e, porque aí tem maior visibilidade, a própria televisão, como meio veiculador de ensinamento, faz questão em revelar essa faceta lusa, pondo em cheque a ignorância ou o saber alheio, nas perguntas de rua com que apanha os incautos, esquecida a televisão do muito que peca no capítulo linguístico.
É o caso do miniprograma “Bom Português” cujas entrevistas de rua sobre a ortografia das palavras muitas vezes acentuam o nosso desconhecimento, em armadilha pouco simpática e sem interesse real em ensinar, porque acentuando o lado social da nossa pobreza intelectual. E a correcção, com a escassa explicação, pouco adianta, limitando-se a breve reposição do termo correcto, sem ir à raiz da questão.
Para uma explicação mais eficaz, convinha que o programa fosse dirigido por um linguista que historiasse filologicamente os casos e lhes revelasse os porquês ou as diferenças de outros casos parecidos.
É o que faz Bernard Cerquiglini no seu programa diário da TV5, de escassos minutos, frequentes vezes repetido no intervalo das programações. “Merci Professeur” se chama, tem como ponto de partida, geralmente, uma pergunta vinda de qualquer parte do mundo, de pessoa identificada, pergunta geralmente com interesse, a que o linguista responde com profusão de dados, que implicam referências às línguas de origem, etimologia, largo historial e confronto com outros termos similares, conclusões bem urdidas que põem em jogo o sentido de humor e a perspicácia elucidativa do linguista.
Não se trata de amesquinhar ninguém, mas de levar a toda a parte as particularidades da língua francesa, ensinando, construindo, formando.
O nosso génio de mesquinhez que, ao deslumbrar-se com o que aprendeu, deseja propalar aos quatro cantos o que aprendeu, só entendeu fazê-lo, pondo em realce o que outros terão ou não aprendido. E vá de fazer perguntas de rua que nos põem a todos infelizes ou troçando, se formos mesquinhamente vaidosos, ao toparmos com a grande massa inculta que forma a tessitura do nosso povo.
Não há, pois, um desejo formativo a reger tal programa, que implica largos custos, penso, com as câmaras televisivas deslocando-se por entre as multidões.
Quanto mais valia que tais custos fossem dispendidos com um ou dois linguistas que esclareceriam sobre as palavras e as expressões da nossa língua, tão expressiva e rica como outra qualquer, e que mereceria ser ensinada e não vilipendiada, como o faz a televisão nesses arremedos de cultura/incultura trazidos pelo “Bom Português”, como faz, de resto, o “Acordo Ortográfico” mandando o bom Português às malvas.

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