É a minha amiga que diz, acrescentando seguidamente: “Nosso Senhor castiga”. Eu respondo beatificamente que Nosso Senhor é bom, mas ela tem larga experiência de desastres vividos e também dos lidos, para se intimidar logo com as consequências, assim que protesta ou se indigna.
Acho que o seu complexo não passa de superstição, coisa que eu condeno, atida que sou a uma real devoção, dissipadora de outros mitos. Ou então são resquícios dos conceitos da justiça de Talião, e isso ainda é mais condenável desde que Cristo pregou sobre a fraternidade, com os homens todos filhos de Deus, embora não declarasse a igualdade entre os irmãos, essa só apregoada pelos Franceses e suponho que nunca seriamente generalizada.
Logo a minha amiga exemplifica o seu conceito contando daquela vez, Dia da Mulher, já nem sei quando – menos, talvez do que os vinte ou trinta anos que recorda o Guerra Junqueiro, quando partiu e deixou a velha ama chorando... E daí, até talvez sejam mais, nem sei ... Mas agora choramos nós o passado terrivelmente distante. Não tivemos, é certo, ama para nos chorar, por no nosso tempo existirem os biberons e os leites substitutos dos maternos, embora sem a qualidade dos de agora, além de que as nossas mães cumpriam escrupulosamente os cuidados da sua esfera de trabalho, tal como nós cumprimos, até com mais sobrecarga e variedade de deveres, não nos pesa na consciência o termo-nos jamais eximido ao desempenho das nossas responsabilidades.
Como ia informando, decidimos festejar o Dia da Mulher, nesse dia distante, apanhando o combóio para Belém para visitar os Jerónimos. Quando chegámos a Belém já chovia, mas arrostámos intrepidamente a borrasca, à chuva sem guarda-chuva, por imprevidência, pois não contámos com a mudança climática, os Boletins Meteorológicos da época, muito falíveis nas informações sobre o tempo.
Tive que ouvir a minha amiga, encharcada e com a consciência pesada por se ter desviado do seu recto dever de tratar do almoço da família, partindo para Belém de comboio, embora comigo, que sou isenta, embora também me encharcasse: “Nosso Senhor castiga sempre”.
Mas visitámos o monumento, e ainda tivemos tempo de comprar os pastéis de cerveja na casinha perto da dos de Belém, e retomámos o caminho do redil, para cumprir a nossa obrigação diária.
Contudo, ficou à minha amiga o jeito, de cada vez que se indigna com os pecados alheios: “Tenho que me calar. Nosso Senhor castiga sempre.” Por isso, eu própria de repente assustada, lhe chamo profeta Elias, e até mesmo evoco as descrições apocalípticas de S. João, com receio do fim próximo. Mas acho que é mais da nossa idade.
Vê-se que anda atemorizada com as consequências do excesso de protestação sobre o excesso de desaires subitamente desabando sobre si. Eu refiro os que desabam sobre mim, mas solidária como sou, lembro-lhe os que desabam por aí aos molhos, e não é por culpa do Nosso Senhor, que felizmente tem as costas largas. É então que cai em si. Mas logo se levanta, fogosa, criticando, para a seguir fazer a contrição chantagista: “Tenho que me calar. Nosso Senhor castiga sempre”.
Geralmente é a causa pública que a faz roer nos políticos. Mas hoje tive o prazer de também eu apresentar um exemplo do meu protesto. Foi no lugar do pão, num centro comercial que até apresenta um pão razoável embora com o rabo de cavalo a varrer as prateleiras sem touca.
Gosto de analisar a farsa do saco de plástico ora enfiado na mão para tirar o pão, ora tirado da mão para os trocos da caixa registadora. Mas hoje, quando cheguei, a menina do rabo de cavalo sem touca estava a atirar para as caixas dos pães, com as duas mãos, os pães que o padeiro tinha acabado de trazer nos cestos. Mãos sujas do trabalho, diria a nossa Hermínia democrata. E sem sacos de plástico a proteger o pão e os futuros comensais. Mais ninguém estava lá e só eu vi. Para o próximo cliente, o saco seria enfiado. Eu saí sem pão.
Acho que o seu complexo não passa de superstição, coisa que eu condeno, atida que sou a uma real devoção, dissipadora de outros mitos. Ou então são resquícios dos conceitos da justiça de Talião, e isso ainda é mais condenável desde que Cristo pregou sobre a fraternidade, com os homens todos filhos de Deus, embora não declarasse a igualdade entre os irmãos, essa só apregoada pelos Franceses e suponho que nunca seriamente generalizada.
Logo a minha amiga exemplifica o seu conceito contando daquela vez, Dia da Mulher, já nem sei quando – menos, talvez do que os vinte ou trinta anos que recorda o Guerra Junqueiro, quando partiu e deixou a velha ama chorando... E daí, até talvez sejam mais, nem sei ... Mas agora choramos nós o passado terrivelmente distante. Não tivemos, é certo, ama para nos chorar, por no nosso tempo existirem os biberons e os leites substitutos dos maternos, embora sem a qualidade dos de agora, além de que as nossas mães cumpriam escrupulosamente os cuidados da sua esfera de trabalho, tal como nós cumprimos, até com mais sobrecarga e variedade de deveres, não nos pesa na consciência o termo-nos jamais eximido ao desempenho das nossas responsabilidades.
Como ia informando, decidimos festejar o Dia da Mulher, nesse dia distante, apanhando o combóio para Belém para visitar os Jerónimos. Quando chegámos a Belém já chovia, mas arrostámos intrepidamente a borrasca, à chuva sem guarda-chuva, por imprevidência, pois não contámos com a mudança climática, os Boletins Meteorológicos da época, muito falíveis nas informações sobre o tempo.
Tive que ouvir a minha amiga, encharcada e com a consciência pesada por se ter desviado do seu recto dever de tratar do almoço da família, partindo para Belém de comboio, embora comigo, que sou isenta, embora também me encharcasse: “Nosso Senhor castiga sempre”.
Mas visitámos o monumento, e ainda tivemos tempo de comprar os pastéis de cerveja na casinha perto da dos de Belém, e retomámos o caminho do redil, para cumprir a nossa obrigação diária.
Contudo, ficou à minha amiga o jeito, de cada vez que se indigna com os pecados alheios: “Tenho que me calar. Nosso Senhor castiga sempre.” Por isso, eu própria de repente assustada, lhe chamo profeta Elias, e até mesmo evoco as descrições apocalípticas de S. João, com receio do fim próximo. Mas acho que é mais da nossa idade.
Vê-se que anda atemorizada com as consequências do excesso de protestação sobre o excesso de desaires subitamente desabando sobre si. Eu refiro os que desabam sobre mim, mas solidária como sou, lembro-lhe os que desabam por aí aos molhos, e não é por culpa do Nosso Senhor, que felizmente tem as costas largas. É então que cai em si. Mas logo se levanta, fogosa, criticando, para a seguir fazer a contrição chantagista: “Tenho que me calar. Nosso Senhor castiga sempre”.
Geralmente é a causa pública que a faz roer nos políticos. Mas hoje tive o prazer de também eu apresentar um exemplo do meu protesto. Foi no lugar do pão, num centro comercial que até apresenta um pão razoável embora com o rabo de cavalo a varrer as prateleiras sem touca.
Gosto de analisar a farsa do saco de plástico ora enfiado na mão para tirar o pão, ora tirado da mão para os trocos da caixa registadora. Mas hoje, quando cheguei, a menina do rabo de cavalo sem touca estava a atirar para as caixas dos pães, com as duas mãos, os pães que o padeiro tinha acabado de trazer nos cestos. Mãos sujas do trabalho, diria a nossa Hermínia democrata. E sem sacos de plástico a proteger o pão e os futuros comensais. Mais ninguém estava lá e só eu vi. Para o próximo cliente, o saco seria enfiado. Eu saí sem pão.
A ASAE sabe destes casos, mas só foi eficiente no início, e mesmo irracionalmente severa, bem ao nosso modo, por ter a vara na mão. Agora terá recebido outros meios, também ao nosso modo, para se portar com menos profissionalismo. Os rabos de cavalo e os sacos de plástico em aparência irão permanecer, no jogo da sua farsa democrática, para todos os gostos.
Mas já me sinto com complexos de culpa . A minha amiga pegou-me a mania: Deus castiga. Tenho que me calar, que o mal só recai sobre os bons como nós, já o dizia Camões:
“Os bons vi sempre passar / no mundo graves tormentos; / e para mais me espantar / os maus vi sempre nadar / em mar de contentamentos...”
É melhor não ligar ao rabo de cavalo bamboleante nem à farsa dos sacos da apanha do pão ou da apanha dos trocos. Vou ser superior às contingências da nossa ASAE.
Não posso passar sem pão.
Mas já me sinto com complexos de culpa . A minha amiga pegou-me a mania: Deus castiga. Tenho que me calar, que o mal só recai sobre os bons como nós, já o dizia Camões:
“Os bons vi sempre passar / no mundo graves tormentos; / e para mais me espantar / os maus vi sempre nadar / em mar de contentamentos...”
É melhor não ligar ao rabo de cavalo bamboleante nem à farsa dos sacos da apanha do pão ou da apanha dos trocos. Vou ser superior às contingências da nossa ASAE.
Não posso passar sem pão.
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