Do Editorial do
Público de 28/2 extraímos os dizeres: «Mas agora com muitas “facultatividades”
e erros de palmatória, o AO é, desde o seu início, uma enorme ilusão e um
gigantesco erro. À falta de coragem para lhe pôr termo, estamos condenados a
ver arrastar, penosamente, o seu cadáver adiado.»
Tenho também presentes vários textos
d’ O Público sobre o debate parlamentar a fazer em torno do
Acordo Ortográfico para desejável – improvável – desvinculação do tal
que foi redigido em 1990 e imposto a partir de 2010, mau grado a oposição de
tantos que subscreveriam as afirmações do Professor, linguista e
filólogo ANTÓNIO EMILIANO[ “O Acordo Ortográfico é um monumento
de incompetência e ignorância”, “um desastre”, produto de
“indigência intelectual” de “inépcia científica”, e de “completa insensatez”.
O debate parlamentar marcado para 28/2 não solucionou a questão, como era de
calcular, a maioria dos deputados indiferente e inepta nestas questões linguísticas
que não são da sua competência e nem sequer da sua sensibilidade, neste monturo
de misérias físicas, intelectuais e morais em que nos tornámos como país não “a
entristecer” mas definitivamente triste. Repitamos: “O Acordo Ortográfico é um monumento de incompetência e ignorância”,
“um desastre”, produto de “indigência intelectual” de “inépcia científica”, e
de “completa insensatez”.
Foram vários os textos do “Público” que gostaria de gravar na íntegra, mas
por tal exceder os limites razoáveis de crónica, limitar-me-ei a transcrever
alguns dados que, é certo, não perfurarão o genérico das indiferenças, mais
preocupadas com os gritos da sobrevivência física.
1º texto21/02/2014: «O sustentável peso da língua, casa comum» por Teresa Rodrigues Cadete,Professora da FLUL e presidente do PEN Clube Português
«Quem
passar pelas bandas da Cidade Universitária, por exemplo para se dirigir à zona
das piscinas ou à Faculdade de Ciências contornando pelo poente a Aula Magna e
a Faculdade de Letras, deparará com um curioso letreiro adicionado ao conhecido
sinal de trânsito proibido: “EXETO UNIVERSIDADE.” Que quererá dizer esta
mensagem e a quem se destina ela? Talvez a estudantes inseridos no programa
Erasmus ou a professores visitantes, que comunicam nas aulas na língua de
Shakespeare e que agradecerão que lhes indiquem uma saída do labiríntico campus ao fim de um dia de aulas?
Mesmo com uma letra trocada, em princípio entende-se.
Ou
haverá aqui outras razões e significações que toda a razoabilidade desconhece?
Coloquemos algumas hipóteses absurdas. Por exemplo: talvez a confecção do
letreiro tenha sido entregue a alguém que se excedeu na aplicação do programa
Lince, austero depurador das facultatividades previstas no Acordo Ortográfico
de 1990, ou, conspirativamente, a alguém empenhado em mostrar a absurdidade de
um des-acordo que nunca cessará de dividir a população falante, escrevente e
pensante, a menos que seja suspenso por decisão sensata, pragmática e soberana?
Ou, ainda e algo simploriamente, terá porventura alguém mais lincesco que o
Lince e, em dúvida quanto à pronúncia correcta da palavra EXCEPTO, resolvido
cortar empiricamente o C e o P, por assim dizer deitando fora a criança com a
água do banho?...
«Entremos
no baile dessa língua que se queria uniformizada; e que vemos? Uma pista vazia,
comprovadamente abandonada pelos brasileiros desde a audiência dos linguistas
Ernâni Pimentel e Pasquale Cipro Neto na AR em 27.11.2013. Uma pista onde nunca
as outras comunidades lusófonas, africanas, asiáticas e oceânicas puseram os
pés. Uma pista onde alguns acordistas desesperados tentam acertar um passo
manco, tropeçando nos buracos deixados pelas letras que deixam a descoberto,
como num espaço sem letreiros nem bússolas, a falta de orientação que é dada
por séculos de história e geografia. E é assim que nos damos conta, nesse
descampado linguístico, do absurdo de um “porquessinismo” que manda escrever
“Egito” e egípcios, “exceto” e mentecapto, “caráter” e característica.
Facultatividades? O contexto decide? Ah mas não era suposto que o AO acabasse
com os alegados elitismos das pessoas que pretendem simplesmente transmitir
toda a herança linguística greco-latina, dos docentes que encaram de peito
firme a complexidade de todas as línguas porque se enquadram numa família
etimológica? Aos alegados desfavorecidos é então servido um grafolecto
que faz cada aluno pensar duas vezes como pronuncia para escrever, se não tem
um computador à mão – e que faz aos aprendentes de uma língua estrangeira dar
erros atrás de erros, como “diretion”, “concetion”, “excetion”? A leveza do
“acordês”, com que somos confrontados todos os dias, tornou-se num estendal de
horrores que nos entram pela casa dentro. Que fazer, se quisermos manter as
boas práticas comunicacionais que estabelecem uma ponte harmoniosa com as
outras línguas europeias, que têm como um livre-trânsito na casa comum
greco-latina?
No
passado mês de Setembro, a Assembleia Geral do PEN Internacional aprovou por
unanimidade, em Reiquejavique, uma segunda resolução sobre a Língua Portuguesa,
apresentada pelo Comité de Tradução e Direitos Linguísticos e apelando às
autoridades competentes no sentido de (e passo a citar)
— Tomarem medidas imediatas para permitir a reposição do
Português Europeu nos documentos e trâmites oficiais e nas escolas. Esta
herança cultural comum deveria ser respeitada de acordo com a Constituição
Portuguesa, com inteira liberdade face a qualquer interferência política;
— Terem em conta, ao longo deste processo, as opiniões de
especialistas da língua, bem como as opções de escrita de escritores e
tradutores portugueses, e garantirem que os editores renunciam a impor
condições que são abusivas e restritivas face à criação literária. ….»
O 2º texto, de 22/02/2014, de
M. Gaspar Martins, bancário jubilado, «A obstinada oposição ao Acordo
Ortográfico» é um acervo
de ridículas – se não criminosas – inépcias, bem expressivas de uma mentalidade
bancária, para quem os números são a única coisa que define a sua existência no
bem estar da arrogância e da toleima ignorante:
«O
AO não se impõe a ninguém salvo nos exames oficiais de português. …….
Não
me sai da memória há décadas a cena de vergonha por que passei numa aula da
escola primária ao ler em voz alta um texto indicado pela professora e
pronunciei “êchôdo”. Risada geral e o ridículo perante toda a turma e, desde
então, interrogo-me por que o vocábulo “êxodo” não se escreve “éizodo”. Tal
como a palavra “quente” que não se pronuncia assim em “frequente”. É a crítica
que faço ao AO por não ter simplificado mais. Admito não haver ainda condições
para adotar carateres para os diferentes sons representados pelas vogais “a”,
“e”, e “o”. Mas já se podia impedir que carateres diferentes representem o
mesmo som: “ç”, “ch”, “s”, “x”, “z”.
O
AO não se impõe a ninguém salvo nos exames oficiais de português. Cada um
escreve como entender e se faça entender. Fernando Pessoa recusou a revisão
ortográfica de 1911 e abominava que se escrevesse “Rei” sem “y”. Nenhum mal
veio ao mundo, mas os opositores do AO, numa atitude fundamentalista, querem
que
…. «Mas pensar e criticar faz-se com palavras, com
linguagem, com uma formação profissional prática e teórica, que se enriquece
com a cultura de cada um, feita de aprendizagem do quotidiano, da vivência
própria do indivíduo, tendo por base a escola, educação, exercício
profissional, experiência de cultura e arte, exercício da cidadania. As
palavras são manancial de riqueza: juntam a criatividade de “crescer” em
diversos sentidos, a partir das suas raízes fortes, em lógica de desenvolvimento
que é tanto delas mesmas como dos que as usam, quando respeitam o seu étimo. E
reúnem-se na família vocabular que é a Língua: o Português, cujas raízes estão
no Latim e no Grego, beneficiando de outras línguas no seu convívio. São como
um chão em que nos movimentamos, tanto quanto um firmamento de sonho, que em
nós suscita desejos e projectos, leva a sucessos e invenções. Quase sem darmos
por elas, como nos entenderíamos sem palavras fortes, não dúbias e bem
definidas?
Ora já sabemos como o chamado Acordo Ortográfico as
veio maltratar, como as cortou das raízes da sua proveniência, como lhes
decepou ligações de vizinhança com línguas europeias. E antevemos vários cortes
de raciocínio (o raciocínio que leva à acção concertada!) a que tal conduz.
Reencaminhamo-nos, assim, para o “orgulhosamente sós” de Salazar e, mais do que
sós, ficamos decepados. Com a desculpa que a ortografia não é a língua (como se
ela não fosse parte integrante da língua, como a pele que cobre o corpo!), o
Acordo Ortográfico desfigura a linguagem: desmembra famílias de palavras,
estraçalha vocábulos (que parecem outros, com os quais os falantes os
confundem), isola termos que ficam lexicalmente à deriva, num oceano de
incongruências, arbitrariedades, confusões, deslocalização do sentido original,
que já não é possível perceber para se atinar de imediato com o sentido. Um
desatino!
Ficámos aleijados a escrever em português. Por
determinação da lei que impôs o Acordo Ortográfico como medida política de
aproximação com os países de língua oficial portuguesa. Os quais, afinal,
enjeitam tal medida, pois não o adoptaram! E aleijados também porque ninguém
entre nós sabe escrever segundo o Acordo, tão impossível de fixar ele é,
ilógico nas suas regras, infinidade de excepções e hipóteses de escrita
múltipla. Não se consegue fixá-las, é preciso decorar o que está correcto e o
que não está! Não há hoje quem saiba escrever em Portugal segundo o Acordo:
escrevem os correctores automáticos (ditadores mecânicos da linguagem que “faz”
cultura: como Deus a fazer um “pato” com o Diabo, num livro de Saramago; como a
locutora da TV que lança um “réto” (“repto” quis ela dizer, e não “recto”) ou
como o aluno que, lendo sobre “a Imaculada Conceção”, passa a escrito como
“Imaculada Concessão” – exemplos sem fim, que parecem anedota, se é que tudo
isto o não é… Por uma vez, as piadas deixam de fazer rir em Portugal, pois é o
ser humano, física e mentalmente, que o Acordo Ortográfico agride, já que a
saúde do indivíduo reside também na sua fala e poder de escrita, e ambas se
interpenetram.
Não vale a pena exibir mais agravos do Acordo
Ortográfico: as críticas que lhe têm sido feitas chegam e sobejam para
entendermos o seu alcance de danificação, em expressão e raciocínio, a curto
prazo (e já actual!), no falante luso. E as implicações a vir na descida do
nosso nível cultural, profissional e económico, no futuro. É uma amputação!
Quem aprovou a lei não o supunha, talvez. Embora tenha havido claros pareceres
e advertências, na altura devida – e os responsáveis fizeram, no sentido mais
próprio, ouvidos de mercador.
Mas ainda é tempo! A Assembleia da República que
aprovou esse instrumento de atraso mental não é hoje a mesma, e os que nela
permanecem, do grupo anterior, tiveram entretanto ensejo de reflectir, de
compreender. Tenhamos esperança! Os portugueses que formam esta AR podem
mostrar-se cidadãos responsáveis, que não querem depender, durante o resto da
vida, de conversores automáticos colocados em computadores, os quais ainda por
cima erram na aplicação do próprio Acordo, e o resultado é que não se fica a
escrever nem em Português nem na ortografia imposta…, escreve-se em língua que
não existe, não é a da lei, nem a usual! Os deputados não serão indiferentes à
ideia de seus filhos e netos, e todos os portugueses, se tornarem deficientes
linguísticos ad
aeternum, com os custos que isso
acarretará, em atraso e marginalidade decorrente, para Portugal. “Medida
política”, isto?!
Tal medida, impensadamente aprovada em 2008, que
desfigura a fisionomia do Português, vai ser reexaminada na Assembleia da
República no próximo dia 28, graças a mais uma Petição de cidadãos que
pretendem desvincular-se do Acordo Ortográfico, recebida por este órgão de
soberania. Esse pode ser um dia de efectiva recuperação para o nosso país, e o
28 de Fevereiro ser data marcante da democracia, como efectiva participação do
povo na res
publica! A esperança é a última a
morrer? Talvez, mas… quem espera sempre alcança. Em Rosas a Prestações, de Elsa Triolet (esposa de Aragon), as heroínas,
jovens raparigas belas, ambiciosas e ignorantes, deitaram tudo a perder. Porque
a sua esperança se apoiava em gestos de exibição social, aparência física de
vazio interior e relações de interesse… e tudo isso, se não tem linguagem
segura a apoiar o indivíduo e a torná-lo gente, estilhaça-se. Esse é um romance
que foca a falência humana pela incapacidade da linguagem na comunicação. Mas a
vida não é um romance, e, em democracia, o decisor é o povo, pelos seus
representantes. Haja, pois, confiança!»
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