quarta-feira, 12 de março de 2014

Nem caricatura são



Não são caricatura. São retratos de corpo inteiro, de políticos nossos de varapau e apito – que é como quem diz garganta – que só na facúndia altissonante e mutuamente acusadora conseguem fazer passar as suas mensagens, para gáudio dos ouvintes das respectivas facções partidárias. Mas Vasco Pulido Valente, que ultimamente explora com grande virtude a metáfora beatificante , renega-os no seu artigo do Público de 8/12, quase os esconjurando num «Deus nos proteja» de apelo beatífico a uma Providência cautelar e de desafio e incompreensão, embora  já há muito devesse estar adaptado ao jeito da nossa eloquência tribunícia – de tribunos da plebe, está visto, que os mais raffinés, do tipo de Vítor Gaspar, os esconjuramos também, esses sim pela caricatura da estranheza e da pelintra inveja.
Saborosa crítica a de Vasco Pulido Valente, de uma expressão simultaneamente subjectiva e rigorosa de lucidez caracterológica:

«Deus nos proteja»
«Não gosto nem do sr. Rangel, nem do sr. Assis. Bem sei que há eleições para o Parlamento Europeu e que tanto um como o outro não conseguem pensar em mais nada. Mas são os dois símbolos perfeitos de tudo o que a política portuguesa tem de mais triste e desprezível: o fanatismo de partido, ou, se preferem, para usar a nojenta linguagem do meio, o “amor à camisola”.
Ora o “amor à camisola” não me parece qualificação bastante ou recomendável para representar Portugal na União numa altura de crise para a própria União e para o país. Quinta-feira, na televisão, o sr. Rangel e o sr. Assis desceram à mais baixa zaragata a propósito das duas seitas que representam e que, para eles, parecem resumir o mundo. Sem vestígio de inteligência ou dignidade gritaram durante quase uma hora com o único propósito de mostrar que eram “combativos”, como as “bases” querem, muitíssimo capazes de arranjar votos.
Nenhum percebeu o sofisma em que assenta este comportamento aberrante. Só 14% do eleitorado acredita nos partidos. Pior ainda: mesmo esses 14% não serão com certeza determinados pelo espectáculo de injúria e de cólera encenada e falsa que lhes oferecem os candidatos, venham eles de onde vierem. De resto, o sr. Rangel e o sr. Assis não trouxeram à conversa o mais vago argumento compreensível, convincente e novo. Com uma persistência que demonstra a vacuidade das suas tribunícias cabeças, repetiram a ladainha da praxe. O sr. Rangel acusou o PS da bancarrota nacional e de trazer a troika para Portugal; e o sr. Assis passou a culpa da presente miséria para o deliberado “neo-liberalismo” do Governo. Não falharam um lugar-comum e, depois, discutiram o “consenso”.
Durante todo o espectáculo não se viu uma sombra de educação genuína, de pensamento original, ou, pelo menos, de responsabilidade política. Qualquer assunto servia (por exemplo: a manifestação da polícia), para voltar à sopa requentada da querela entre o PS e o PSD. É mais do que evidente que o sr. Rangel e o sr. Assis não percebem que o português comum verdadeiramente não se interessa por essa repugnante guerra e que, não parando de falar dela, os facciosos de serviço lhe estão na prática a mentir. Não apareceu até agora uma exposição séria sobre o estado de Portugal, sobre os quatro anos de troika ou sobre o futuro da Europa. E pretendem eles que o país lhes dê uma sinecura em Bruxelas, bem protegidos do desespero e da miséria indígena, em nome dos méritos do PS e do PSD… Deus nos proteja.»

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