quinta-feira, 6 de março de 2014

Como Pilatos



E Seguro lava as suas mãos, demarcando-se. As políticas de Passos Coelho não são, evidentemente, as suas, agora que ainda não é Governo, como não o eram as de Passos Coelho antes de ser Governo. Sê-lo-ão quando o for, as mesmas, se não piores, indiferente aos problemas dos que verdadeiramente sofrem e sempre sofreram, porque são os que contribuem sempre para safar o país, ora com o seu trabalho mal pago, ora com os seus impostos de recurso permanente aumentados. Porque o discurso balofo da caça ao voto ainda há quem nele creia, para continuarmos a fingir que avançamos, da forma que sabemos, forma gingada de varina de outrora, apregoando o seu peixe em slogan repetitivo e saracoteando-se com donaire e bom timbre. Os do próprio partido de Seguro o não aceitam bem, é alvo de chufas internas e externas, mas ninguém faria melhor do que ele, e por isso o aceitam, os ilustres do seu partido, como bouc émissaire, ou cabeça de turco, pobre Seguro, disco rachado na insistência do seu pregão monolítico. Mas os bem falantes do seu partido sabem bem que não há nada a dizer, nem vale a pena, neste pobre país onde muitos já se favoreceram e sabem que a única coisa a fazer é esperar para ser Governo quando se está na oposição, esperar para ser oposição quando a actual for governo. Os do actual Governo nem os governos seguintes já não podendo favorecer-se tão bem, ressequido o país, tudo se processa em tristeza, como afirma epicamente Vasco Pulido Valente:
Vasco Pulido Valente faz dele e do seu partido um excelente retrato, não vale a pena o alongamento dos considerandos. Por tal motivo, “Na triste mediocridade do Portugal de hoje, Seguro serve.” como conclui:

«Seguro serve»
01/03/2014
Na triste mediocridade do Portugal de hoje, Seguro serve.

«O PS julga e proclama que a direita está isolada. Mas não compreende que ele também está. Isolado da esquerda radical – o PC, o BE e miudezas várias – que o descredita e o impede de crescer. Isolado na maioria das questões que importam aos portugueses. Pior ainda: isolado na “Europa”, que se move noutro sentido.
A política de Seguro é, no fundo, a de evitar qualquer contaminação. A contaminação da franja lunática doméstica, que o empurraria para fora do “arco de governação”; a contaminação da “austeridade” que lhe faria perder votos; a contaminação da sra. Merkel, que arrasaria os ridículos sonhos de uma “Europa” que nos viesse gratuitamente tirar de sarilhos. Ora a melhor maneira de continuar “puro” é, na prática, continuar sozinho.
Na sua miraculosa inconsciência, Seguro julga ainda que, passado o pequeno episódio do “ajustamento”, se voltará à velha “rotação” entre o PS e o PSD e que chegou agora a hora do PS, se ninguém se agitar dentro do partido. Infelizmente para ele, tem à perna Soares, Sócrates, Costa e uma matilha enraivecida de personagens menores, que não o deixam sossegar, nem agir. O hábito em que se instalou de dizer “não” a tudo e de carpir lacrimejante a malvadez da direita é muito claramente uma táctica de defesa. Assim não se compromete e, supõe ele, não compromete o futuro: cá fora e no momento próprio o povo se encarregará do resto. Talvez não seja isto que se espera de um chefe da oposição e daí a complacência com que o tratam nos dois lados desta adormecida guerra em que vivemos.
Mas não acredito que alguém pudesse substituir Seguro com uma decisiva vantagem para o PS. A social-democracia acabou, apesar dos berros de meia dúzia de alucinados do PSD. Não existe social-democracia que resista à situação actual da Europa, para já não falar em Portugal. O PS acabará por se transformar, à falta de melhor, num partido de resistência à mudança e, como desde 1975 o PC, vai nos quinze anos mais próximos defender o “Estado Social” e outros privilégios de uma classe média empobrecida e de trabalhadores sem força. Embora condenado e curto, este papel é um papel nobre. A ideia de que uma figura “carismática” (e não consigo descobrir nenhuma) seria capaz de reconstituir o mundo como ele era no fim do século XX, é tão absurda como a de reconstituir o mundo como ele era antes de 1914, como muito boa gente sonhou entre 1918 e o triunfo de Hitler. Na triste mediocridade do Portugal de hoje, Seguro serve.»

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