É o artigo de Vasco Pulido Valente “A força das coisas” do
PÚBLICO DE 14/3 sobre o conflito que separa – ou une – a Rússia e a Ucrânia e a
Crimeia, que tanto perturba os noticiários ultimamente, opondo os chefes em
ameaças mútuas, mas que, pelas razões a que Pulido Valente alude – fragilidades
e dependências do Ocidente europeu, ambições hegemónicas e expansivas russas –
putinianas – desinteresse dos Estados Unidos já bastante escaldados em questões
de apoio solidário - real ou fictício – e, em definitivo, o reconhecimento de que“a
Rússia, excepto por meia dúzia de “oligarcas”, não precisa tão desesperadamente
da Europa”, vão
permitir mais um atropelo aos direitos de povos que uma DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS, ditada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro
de 1948, tão empoladamente defendeu não só no seu “Preâmbulo” cujos
considerandos transcrevo da Internet,
- « - Considerando que o reconhecimento da dignidade
inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e
inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
«- Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos
direitos humanos resultaram em actos bárbaros que ultrajaram a consciência da
Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de
palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da
necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,
«- Considerando essencial que os direitos humanos
sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido,
como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
«- Considerando essencial promover o desenvolvimento
de relações amistosas entre as nações,
«- Considerando que os povos das Nações Unidas
reafirmaram, na Carta, a sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade
e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das
mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de
vida em uma liberdade mais ampla,
«- Considerando que os Estados-Membros se
comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal
aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos
e liberdades,
«- Considerando que uma compreensão comum desses
direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse
compromisso» ,
como nos seus artigos de que transcrevo o 28º – “Toda a
pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma
ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades
enunciados na presente Declaração”.
Direitos criados em resultado de acontecimentos conhecidos
e que transcrevo igualmente da Internet, ao acaso da curiosidade:
«Durante a Segunda Guerra Mundial, os aliados
adoptaram as Quatro Liberdades: liberdade da palavra
e da livre expressão, liberdade de religião, liberdade por necessidades e liberdade
de viver livre do medo. A Carta das Nações Unidas
reafirmou a fé nos direitos humanos, na dignidade e nos valores humanos das
pessoas e convocou a todos os seus estados-membros a promover respeito
universal e observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para
todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião3
.
Quando as atrocidades cometidas pela Alemanha nazista se tornaram conhecidas
depois da Segunda Guerra, o consenso entre a comunidade mundial era de que a Carta
das Nações Unidas não tinha definido suficientemente os direitos a que se
referia,.
uma declaração universal que especificasse os direitos individuais
era necessária para dar efeito aos direitos humanos. »….
São registos que deviam permanecer na lembrança de
todos e sobretudo dos responsáveis pelos governos das suas nações.
Mas a febre do poder mundial preside ainda, não vale a
pena “esclarecer”, como faz o Agildo trapalhão, como faria eu se o
tentasse, e daí a pertinência do texto de Pulido Valente “A força das
coisas”. Sim, não há fuga possível para a febre imperialista de Putin,
idêntica à de tantos seus antecessores, afinal. Só que os ucranianos têm
direito à sua independência, têm direito a serem respeitados. O problema é que
não existe unanimidade de parecer entre os próprios ucranianos, grande parte
apoiante de políticas pró-russas. Entre nós também os houve, apoiantes dos que
podiam ajudar mais à sua sobrevivência, e Camões o esclarece, esse sim, na
estrofe 33 do Canto IV dos Lusíadas
«Ó tu,
Sertório, ó nobre Coriolano,Catilina, e vós outros dos antigos
Que contra vossas pátrias com profano
Coração vos fizestes inimigos:
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes.
O texto de Vasco Pulido Valente:
“A força das
coisas”.
«Desfazer um império, e um
império do tamanho da URSS, não é uma operação fácil. Sobretudo quando se trata
de redefinir fronteiras e a Federação Russa, ao contrário, por exemplo, da Áustria,
continua a ser uma grande potência.
Na Ucrânia, o caso ainda se torna
mais difícil. Na II Guerra Mundial, a Alemanha só invadiu entre cinco e dez por
cento do território da Rússia propriamente dita, mas conseguiu ocupar a Ucrânia
inteira. Em 1945, o Exército Vermelho tinha proporcionalmente mais gente da
Ucrânia do que de qualquer outra República da União; e hoje, da Polónia à
Crimeia, a esmagadora maioria da população indígena é bilingue. Separar o
que esteve tão junto traz necessariamente complicações. Putin quer a
reconstituição, pelo menos parcial, do império. A Europa e a América não
querem.
Não se percebe
porquê. Em primeiro lugar, depois do Iraque e do Afeganistão, a opinião
americana não consentiria uma nova guerra e, principalmente, uma guerra que ao
menor incidente poderia degenerar numa catástrofe nuclear. A Europa que
durante 60 anos viveu para o consumo e para o Estado social está desarmada.
Não vê bem um conflito em que um dos lados se recusa a participar. Restam as
sanções (evidentemente, económicas). Só que as sanções prejudicariam muito
mais a Europa (embora não a América) do que a Rússia. A Alemanha precisa
como de pão para a boca do gás russo. E a Alemanha e a Inglaterra dependem do
mercado interno e dos capitais russos para saírem da crise e crescer a um ritmo
razoável. A Rússia, excepto por meia dúzia de “oligarcas”, não precisa tão
desesperadamente da Europa.
O problema começou, de resto,
porque a Ucrânia se preparava para assinar um acordo com a UE e a Rússia
resolveu impedir essa inclinação para o Ocidente, porque pretende que a Ucrânia
venha a aderir a uma futura união euro-asiática, que eventualmente servirá para
opor à Europa uma esfera de influência, económica e ideológica, sob o domínio
de Moscovo. A ideologia “euro-asiática”, como se calcula, não é
democrática, nem adepta do liberalismo ou do Estado de direito. É autoritária,
discriminatória, racista e manifestamente “fascizante”. Não parece que seja
no imediato uma terrível ameaça para a América ou para a Europa. Como não
parece que o Ocidente, apesar das suas piedosas declarações, fosse capaz de
sustentar uma Ucrânia falida, com uma economia arcaica e uma quase total
dependência energética da Rússia. Era com certeza melhor que, nesta altura, se
reconhecesse a realidade.»
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