segunda-feira, 10 de março de 2014

As estrebuchadelas do pânico superior



Gosto, dum modo geral, dos artigos de Vasco Pulido Valente, homem de cultura, de razão, de desafio e humor, cujas lições de história, aliadas aos retratos incisivos – de expressão ultimamente beatificante - de tantas figuras pátrias, constituem leves pinceladas do nosso pitoresco nacional, quer no sombrio das semelhanças factuais entre o passado e o presente, quer no certeiro dos dados caracterológicos, de recorte malignamente histriónico, ao sabor dos seus caprichos linguísticos, ou das suas tristezas reais.
Leiga na matéria económica, eu quis acreditar nos indicadores positivos já várias vezes referenciados e bastamente assinalados durante o congresso do PSD, que não me pareceu provocador, como toda a esquerda se apressou a concluir, o que atribuí antes a um sentimento de mesquinhez invejosa, de quem não aceita com desportivismo o êxito alheio, tentando denegri-lo com as chufas imediatas do cepticismo ardiloso. Não vi nos discursos de Passos Coelho pesporrência embandeirada em arco, mas a constatação - não isenta de preocupação - de algum êxito obtido, em que os primeiros passos – de abaixamento de salários indevidamente atribuídos antes – além de outros cortes impostos, por idênticos motivos, teriam forçosamente que efectuar-se. O não ver isso é que me parecia absurdo e tenebroso, como certas propostas vindas de outros coveiros da Pátria, de não pagamento da dívida escandalosa.
Por isso o artigo de Vasco Pulido Valente, “Uma despedida”, do Público de 28/2, me soa a intencionalmente maligno, pela ocultação de dados justificativos das medidas drásticas forçosas da nossa aventura económica, e pela indiferença achincalhante por alguns resultados positivos, entre os quais alguma recuperação de credibilidade externa. Quanto à informação sobre a futura descoberta pelo país de que a austeridade vai permanecer durante mais duas décadas – o que todos no país sabem já - ela insere-se no mesmo trilho dos que interrogam os ministros sobre o pedido ou o repúdio da providência cautelar posterior à Troika, numa especulação fofoqueira tendenciosa, desestabilizadora e inútil.

«Uma despedida»
«Eduardo Lourenço disse que o congresso do PSD lhe parecia uma espécie de missa cantada. A mim, que sei pouco de missas, o que me pareceu o congresso foi uma festa de despedida.
Acredito piamente que Marcelo Rebelo de Sousa resolveu lá ir por razões sentimentais, como o resto das criaturas que dirigiram aquela extraordinária agremiação desde 1985. Tanto os “chefes” como os “militantes” sentiram, e com razão, que não se tornariam a encontrar tão cedo naquele ritual. E talvez nunca mais. Vieram de certa maneira ao enterro de uma história, para eles gloriosa, que não voltará. Depois de Passos Coelho, depois de Cavaco, depois desta maioria (embora com CDS) ninguém no seu juízo pensa que o PSD pode ter genuinamente a esperança de recuperar a confiança do país.
Não são só estes quatro anos de “austeridade” e a incompetência política com que o Governo executou o programa da troika. É a singular esterilidade de quase tudo quanto fez. O grande partido “reformista” não reformou coisa nenhuma. Na essência, Portugal está como estava antes, com menos dinheiro. O primeiro-ministro transformou, ou deixou transformar, o debate político numa interminável conversa em calão económico, que ninguém percebe e porque verdadeiramente ninguém se interessa. O mortal comum olha para o “ajustamento” com desespero e com medo. E, por mais que Seguro o desconsole, quer outra coisa, seja ela qual for. Não há truque, não há manha, não há justificação ou argumento que alterem este facto básico. No Coliseu, a gente do PSD encontrou entre si algum conforto. Cá fora, o país assistiu ao espectáculo com desdém.
A eleição para o Parlamento Europeu e, a seguir, as legislativas irão mostrar a fraqueza do partido. É um mistério como Passos Coelho e a sua corte conseguem imaginar que “empobrecer” os portugueses, liquidar uma boa parte da classe média e tirar o futuro às gerações que tão iludidamente se “qualificaram” é uma política esquecível e perdoável. Era necessário? Acredito. Mas para cada um de nós a necessidade não aliviou nada. Sócrates não compreendeu ainda que morreu em 2010. O actual primeiro-ministro já suspeita que vai morrer em 2014 ou 2015, principalmente quando o país descobrir, com espanto e com terror, que a “austeridade” irá durar mais quinze ou vinte anos. A despedida do PSD chegou na altura certa.»

Foi assim igualmente o artigo “O Grande Carnaval”, de 2/3, sobre os prováveis candidatos às eleições presidenciais, do PSD como do PS, os conhecidos e os que, nos seus artigos de opinião ou nos seus discursos se identificam com cargos de relevo, a lembrar hipóteses de candidatura. Um artigo de humor e graça, na sua acutilância retratista.
Mas discordei do que afirmou de Cavaco Silva. Ao contrário do que afirma Pulido Valente, Cavaco Silva, na apagada modéstia da sua presença paternalista, consegue impor-se e ser elemento de travão tanto do Governo como da Nação. E no seu incontestável amor pátrio, quando se desloca, por exemplo, a países ricos, estendendo a mão para pedidos de colaboração económica, engolindo os sapos da vergonha própria, em benefício de um país que fala e grita e lança as labaredas dos seus ódios desordeiros e ingratos, em vez de agradecer e de trabalhar num esforço de recuperação.
Por isso não concordo com o seguinte postulado: «É difícil escolher o pior. Mas como nenhum, por mais que se esforçasse, poderia ser pior do que o Prof. Cavaco, o país, que devia andar aterrado, anda tranquilo.»
É que o país confia nesse homem, que não tem a elegância dos nascidos nos berços dourados da aristocracia ou do capital, mas que, já velho, leão batido pelo burro da fábula, consegue impor ainda o seu rugido, na selva de que foi rei outrora:

«O grande carnaval»
«Num partido em que os “notáveis” só se preocupam com a sua carreira e com os seus “negócios” não admira que já haja três candidatos à presidência da República e que a questão se discuta ardorosamente por aí. Os três candidatos são Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso e Santana Lopes e todos fazem a sua humilde corte ao PSD, de que precisam para ser candidatos, primeiro, e eleitos, depois.
É difícil escolher o pior. Mas como nenhum, por mais que se esforçasse, poderia ser pior do que o Prof. Cavaco, o país, que devia andar aterrado, anda tranquilo. De resto, o estatuto e a influência do Presidente caíram tanto de há vinte anos para cá que ele se tornou num ornamento inócuo do regime, a que ninguém atribui especial importância e que desceu, por sua própria conta, a angariador de investimentos para Portugal.
De qualquer maneira, este extraordinário trio talvez nos consiga divertir no meio da desgraça. É pena que Marcelo nos prive da sua missa dominical, em troca da vista de Belém, embora talvez nos compense com a sua inclinação para o inesperado e a sua congénita malícia política: o país precisa que o agitem. Pedro Santana Lopes apareceu agora, desde que lhe deram a Misericórdia, com um arzinho de frade franciscano, que lhe fica bem e o ajuda a competir com o Papa. E Durão Barroso teoricamente traz consigo um cheiro a Europa de que os portugueses sempre gostaram. Claro que nada disto se consegue levar a sério. Mas na tristeza do dia-a-dia o absurdo distrai e até consola. Verdade que os três candidatos (ou “proto-candidatos”), não chegam para uma orquestra. Nem se pede tanto, com as dificuldades da Pátria: hoje basta um trio enquanto o “Titanic” se afunda.
À esquerda, esvoaça muito discretamente o inevitável António Costa. Sócrates levaria o PS a um prodigioso desastre. E não se consegue imaginar outra “figura” do partido, que razões de idade ou de currículo não afastem dessa miserável aventura. Em compensação, não nos faltam excêntricos com mais de 35 anos, que se acham perfeitamente capazes de nos pastorear com a gravidade e a elegância com que discursam em reuniões de acaso ou escrevem artigos, assinados “director”, “gestor” ou “professor universitário”. Portugal está cheio de videntes com a cura para a crise no bolso, que sonham com uma oportunidade de passar à prática. E também o Bloco e similares se preparam com certeza para arejar as suas querelas teológicas a benefício das massas que não os compreendem. As presidenciais hão-de espantar o mundo.»

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