O Manifesto dos 70 Notáveis mereceu a “Carta
de um Notável” não incluído entre os do Manifesto, Carta
que logo me lembrou o ULTIMATUM de Álvaro de Campos publicado no
único número do Portugal Futurista (de 1917) - e essa evocação não
resultante do estilo torrencial, maiusculado, gritante, metafórico, hiperbólico,
sádico, vaidoso, narcisista, à maneira futurista do Primeiro Modernismo
expresso nesse formidável “Mandado de
despejo aos mandarins da Europa! Fora. / Fora tu , Anatole France , Epicuro de
farmacopeia homeopática, ténia-Jaurès do Ancien Régime, salada de
Renan-Flaubert em loiça do século dezassete, falsificada!....», de tão
esbanjadora expressão.
Trata-se de um Ultimatum
mais modesto, embora igualmente patriótico, ditado por um espírito menos
brilhante nas imagens mas mais racional nos argumentos. e honesto nas
referências. Contrariamente, pois, ao grito de escândalo e provocação daquele,
que, se afirma com poder para “indicar o caminho! -
…-.«Europa quer passar
de designação geográfica a pessoa civilizada !
O que aí está a
apodrecer a Vida, quando muito é estrume para o Futuro!
O que aí está não pode
durar, porque não é nada!
Eu, da Raça dos
Navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da Raça dos
Descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir um Novo Mundo!
Quem há na Europa que
ao menos suspeite de que lado fica o Novo Mundo agora a descobrir?
Quem sabe estar em um
Sagres qualquer?
Eu, ao menos, sou uma
grande Ânsia, do tamanho exacto do Possível!
Eu, ao menos sou da
estatura da Ambição Imperfeita, mas da Ambição para Senhores, não para
escravos!
Ergo-me ante o sol que
desce, e a sombra do meu Desprezo anoitece em vós!
Eu, ao menos, sou
bastante para indicar o Caminho!
Vou indicar o caminho!»…..,
José
Gomes Ferreira indica igualmente o caminho – aos notáveis - num
patriotismo de equilíbrio, sem fanfarronadas ou achincalhamentos de génio, mas com
simplicidade honesta, de justeza e de rigor, lembrando factos, não ocultando as
intenções nem as culpas desses que exigem reestruturação de uma dívida de que
eles próprios são responsáveis, na sua maioria.
Gostei
do seu texto, como gosto dos seus programas na SIC Notícias. Assim houvesse
mais jovens sérios como ele, preocupados com um futuro que outro/outros jovens,
actuais governantes, procuram levar a bom termo, apesar dos sacrifícios e
entraves e contra a oposição tenebrosa das notabilidades fautoras de tantos dos
desaires deste nosso tempo de sombra, mas que a disciplina da honestidade
parece ajudar a erguer do chão.
Eis
o texto de José Gomes Ferreira, publicado no blog A Bem da Nação:
«CARTA
A UMA GERAÇÃO ERRADA»
«Caros João Cravinho, Manuela Ferreira Leite, Bagão
Félix, Ferro Rodrigues, Sevinate Pinto, Vitor Martins e demais subscritores do
manifesto pela reestruturação da divida publica: Que tal deixarem para a
geração seguinte a tarefa de resolver os problemas gravíssimos que vocês lhes
deixaram? É que as vossas propostas já não resolvem, só agravam os problemas.
Que tal darem lugar aos mais novos?
Vi, ouvi, li, e não queria acreditar. 70 das mais
importantes personalidades do país, parte substancial da nossa elite, veio
propor que se diga aos credores internacionais o seguinte: – Desculpem lá
qualquer coisinha mas nós não conseguimos pagar tudo o que vos devemos, não
conseguimos sequer cumprir as condições que nós próprios assinámos, tanto em
juros como em prazos de amortizações!
Permitam-me uma pergunta simples e directa: Vocês
pensaram bem no momento e nas consequências da vossa proposta, feita a menos de
dois meses do anúncio do modo de saída do programa de assistência
internacional?
Imaginaram que, se os investidores internacionais
levarem mesmo a sério a vossa proposta, poderão começar a duvidar da capacidade
e da vontade de Portugal em honrar os seus compromissos e poderão voltar a
exigir já nos próximos dias um prémio de risco muito mais elevado pela compra
de nova dívida e pela posse das obrigações que já detêm?
Conseguem perceber que, na hipótese absurda de o
Governo pedir agora uma reestruturação da nossa dívida, os juros no mercado
secundário iriam aumentar imediatamente e deitar a perder mais de três anos de
austeridade necessária e incontornável para recuperar a confiança dos
investidores, obrigando, isso sim, a um novo programa de resgate e ainda a mais
austeridade, precisamente aquilo que vocês dizem querer evitar?
Conseguem perceber que, mesmo na hipótese absurda de
os credores oficiais internacionais FMI, BCE e Comissão Europeia aceitarem a
proposta, só o fariam contra a aceitação de uma ainda mais dura
condicionalidade, ainda mais austeridade?
Conseguem perceber que os credores externos,
nomeadamente os alemães, iriam imediatamente responder – Porque é que não
começam por vocês próprios?
Os vossos bancos não têm mais de 25 por cento da vossa
dívida pública nos seus balanços, mais de 40 mil milhões de euros, e o vosso
Fundo de Capitalização da Segurança Social não tem mais de 8 mil milhões de
euros de obrigações do Tesouro? Peçam-lhes um perdão parcial de capital e de
juros.
Conseguem perceber que, neste caso, os bancos
portugueses ficariam à beira da falência e a Segurança Social ficaria
descapitalizada?
Nenhum de vós, subscritores do manifesto pela
reestruturação da dívida pública, faria tal proposta se fosse Ministro das
Finanças. E sobretudo não a faria neste delicadíssimo momento da vida
financeira do país. Mesmo sendo uma proposta feita por cidadãos livres e
independentes, pela sua projecção social poderá ter impacto externo e levar a
uma degradação da percepção dos investidores, pela qual vos devemos
responsabilizar desde já. Se isso acontecer, digo-vos que como cidadão
contribuinte vou exigir publicamente que reparem o dano causado ao Estado.
Conseguem perceber porque é que o partido que pode ser
Governo em breve, liderado por António José Seguro, reagiu dizendo apenas que
se deve garantir uma gestão responsável da dívida pública e nunca falando de
reestruturação?
Pergunto-vos também se não sabem que uma
reestruturação de dívida pública não se pede, nunca se anuncia publicamente. Se
é preciso fazer-se, faz-se. Discretamente, nos sóbrios gabinetes da alta
finança internacional.
Aliás, vocês não sabem que Portugal já fez e continua
a fazer uma reestruturação discreta da nossa dívida pública? Vitor Gaspar como
ministro das Finanças e Maria Luis Albuquerque como Secretária de Estado do
Tesouro negociaram com o BCE e a Comissão Europeia uma baixa das taxas de juro
do dinheiro da assistência, de cerca de 5 por cento para 3,5 por cento.
Negociaram a redistribuição das maturidades de 52 mil milhões de euros dos
respectivos créditos para o período entre 2022 e 2035, quando os pagamentos estavam
previstos para os anos entre 2015 e 2022, esse sim um calendário que era
insustentável.
Ao mesmo tempo, juntamente com o IGCP dirigido por
João Moreira Rato, negociaram com os credores privados Ofertas Públicas de
Troca que consistem basicamente em convencê-los a receber o dinheiro mais
tarde.
A isto chama-se um “light restructuring”, uma
reestruturação suave e discreta da nossa dívida, que continua a ser feita mas
nunca pode ser anunciada ao mundo como uma declaração de incapacidade de
pagarmos as nossas responsabilidades.
Sabem que em consequência destas iniciativas, e
sobretudo da correcção dos défices do Estado, dos cortes de despesa pública, da
correcção das contas externas do país que já vai em quase 3 por cento do PIB,
quase cinco mil milhões de euros de saldo positivo, os credores internacionais
voltaram a acreditar em nós. De tal forma que os juros das obrigações do
Tesouro a 10 anos no mercado secundário já estão abaixo dos 4,5 por cento.
Para os mais distraídos, este é o valor médio dos juros
a pagar pela República desde que aderimos ao Euro em 1999. O valor factual já
está abaixo. Basta consultar a série longa das Estatísticas do Banco de
Portugal.
E sim, Eng. João Cravinho, é bom lembrar-lhe que a 1
de Janeiro de 1999, a taxa das obrigações a 10 anos estava nos 3,9 por cento
mas quando o seu Governo saiu, em Outubro desse ano, já estava nos 5,5 por
cento, bem acima do valor actual.
É bom lembra-lhe que fazia parte de um Governo que
decidiu a candidatura ao Euro 2004 com 10 estádios novos, quando a UEFA exigia
só seis. E que decidiu lançar os ruinosos projectos de SCUT, sem custos para o
utilizador, afinal tão caros para os contribuintes. O resultado aí está, a
pesar na nossa dívida pública.
É bom lembrar aos subscritores do manifesto pela reestruturação
da dívida pública que muitos de vós participaram nos Conselhos de Ministros que
aumentaram objectivamente a dívida pública directa e indirecta.
Foram corresponsáveis pela passagem dos cheques da
nossa desgraça actual. Negócios de Estado ruinosos, negócios com privados que
afinal eram da responsabilidade do contribuinte. O resultado aí está, a pesar
directa e indirectamente nos nossos bolsos.
Sim, todos sabemos que quem pôs o acelerador da dívida
pública no máximo foi José Sócrates, Teixeira dos Santos, Costa Pina, Mário
Lino, Paulo Campos, Maria de Lurdes Rodrigues com as suas escolas de luxo que
foram uma festa para a arquitectura e agora queimam as nossas finanças.
Mas em geral, todos foram responsáveis pela maneira
errada de fazer política, de fazer negócios sem mercado, de misturar política
com negócios, de garantir rendas para alguns em prejuízo de todos.
Sabem perfeitamente que em todas as crises de finanças
públicas a única saída foi o Estado parar de fazer nova dívida e começar a
pagar a que tinha sido acumulada. A única saída foi a austeridade.
Com o vosso manifesto, o que pretendem? Voltar a fazer
negócios de Estado como até aqui? Voltar a um modelo de gastos públicos
ruinosos com o dinheiro dos outros?
Porque é que em vez de dizerem que a dívida é
impagável, agravando ainda mais a vida financeira das gerações seguintes, não
ajudam a resolver os gravíssimos problemas que a economia e o Estado enfrentam
e que o Governo não tem coragem nem vontade de resolver ao contrário do que diz
aos portugueses?
Porque é que não contribuem para que se faça uma
reforma profunda do Estado, no qual se continuam a gastar recursos que não
temos para produzir bens e serviços inúteis, ou para muitos departamentos
públicos não produzirem nada e ainda por cima impedirem os empresários de
investir com burocracias economicamente criminosas?
Porque não canalizam as vossas energias para ajudar a
uma mudança profunda de uma economia que protege sectores inteiros da
verdadeira concorrência prejudicando as famílias, as PME, as empresas
exportadoras e todos os que querem produzir para substituir importações em
condições de igualdade com outros empresários europeus?
Porque não combatem as práticas de uma banca que cobra
os spreads e as comissões mais caros da Europa?
Um sector eléctrico que recebe demais para não
produzir electricidade na produção clássica e para produzir em regime especial
altamente subsidiado à custa de todos nós
Um sector das telecomunicações que, apesar de
parcialmente concorrencial, ainda cobra 20, 30 e até 40 por cento acima da
média europeia em certos pacotes de serviços?
Porque não ajudam a cortar a sério nas rendas das PPP e da Energia? Nos
autênticos passadouros de dinheiros públicos que são as listas de subvenções do
Estado e de isenções fiscais a tudo o que é Fundações e Associações, algumas
bem duvidosas?
Acham que tudo está bem nestes sectores? Ou será que
alguns de vós beneficiam directa ou indirectamente com a velha maneira de fazer
negócios em Portugal e não querem mudar de atitude?
Estará a vossa iniciativa relacionada com alguns
cortes nas vossas generosas pensões?
Pois no meu caso eu já estou a pagar IRS a 45 por
cento, mais uma sobretaxa de 3,5 por cento, mais 11 por cento de Segurança
Social, o que eleva o meu contributo para 59,5 por cento nominais e não me
estou a queixar.
Sabem, a minha reforma já foi mais cortada que a
vossa. Quando comecei a trabalhar, tinha uma expectativa de receber a primeira
pensão no valor de mais de 90 por cento do último salário. Agora tenho uma
certeza: a minha primeira pensão vai ser de 55 por cento do último salário.
E não me estou a queixar, todos temos de contribuir.
Caros subscritores do Manifesto para a reestruturação
da dívida pública, desculpem a franqueza: a vossa geração está errada. Não
agravem ainda mais os problemas que deixaram para a geração seguinte. Façam um
favor ao país – não criem mais problemas. Deixem os mais novos trabalhar.»
12.03.2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário