terça-feira, 11 de março de 2014

Para um rotativismo decente



Uma breve história de “Consensos” nos é magistralmente descrita por Vasco Pulido Valente, no seu artigo do Público de 7 de Março – da Carta Constitucional a Fontes Pereira de Melo, nas muitas andanças dos conceitos de poder e de dinheiros emprestados e mal parados, para fundamento das ilações sobre o consenso que o Governo actualmente exige ao PS, co-responsável nas políticas de esbanjamento ao longo dos últimos 40 anos de governações catastróficas e actualmente posicionada num Governo que, encetando uma política de resgate financeiro, ajudou à destruição económica pelo empobrecimento geral, ressalvados os casos de conservação plutocrática, sempre meritórios.
A conclusão do texto de que os “consensos” requerem dinheiro, que não existe, - «Hoje, o Governo que fala em “consenso” e o PS que o recusa por razões triviais não percebem que o “consenso” implica um Estado com dinheiro, e muito dinheiro, e crescimento económico. Não sabem história.» – não sei se corresponde, todavia, a uma asserção de credibilidade, já que nas referidas tentativas anteriores de consenso também faltou o dinheiro, pelo menos para o povo do pé rapado, que de vez em quando reagia nas suas patuleias da indignação desestabilizadora.
O que julgo é que o PS deveria, por interesse próprio, participar no consenso pedido, e que o nosso PR tão ansiosamente propõe também, pela comparação com outros países de uma Europa de princípios e de amor pátrio menos floreado e mais sentido.
É que o PS não tarda que será Governo e necessitará do consenso dos partidos que agora compõem o actual, para ficar tudo em família, nesta coisa do rotativismo que nos persegue, como já João de Deus nos pintava com bonomia e argúcia no seu epigrama “Eleições”:
Há entre el-rei e o povo
Por certo um acordo eterno:
Forma el-rei governo novo
Logo o povo é do governo
Por aquele acordo eterno
Que há entre el-rei e o povo.

Graças a esta harmonia ,
Que é realmente um mistério,
Havendo tantas facções,
O governo, o ministério,
Ganha sempre as eleições
Por enorme maioria,

Havendo tantas facções
É realmente um mistério!
Como o poeta João de Deus olhava satiricamente o rotativismo monárquico
É bem verdade que o povo, ao contrário do de outrora, do tempo de João de Deus, civilizou-se mais, talvez por ter bebido na Cartilha Maternal do mesmo João de Deus as letras primeiras da sua formação, e agora prima pela sua rebeldia inquisidora, escolhendo de preferência a Oposição para denegrir o Governo. Caberá ao PS chamar a si as parcelas dos outros partidos ansiosas de mudança, e procurar o tal consenso com a maioria prudente. Por isso, e dada a sua responsabilidade no naufrágio da nação, que o piloto actual tenta erguer dos fundos marítimos, de Atlântida submersa, não deve escusar-se a anuir ao consenso. No mesmo intuito de levar a bom porto a barca perdida.
A lição de Vasco Pulido Valente:LEIÇÕES
Uma pequena história do "consenso"
Para explicar o que foi o “consenso” em Portugal, talvez seja melhor começar pela Carta Constitucional de 1826, “outorgada” por D. Pedro IV. A Carta pretendia reconciliar o radicalismo “vintista” com o antigo regime, e a alta nobreza tradicional com a classe média e a plebe das cidades. Não se dizia “consenso” nessa altura, mas mais gramaticalmente “compromisso” e, em certos casos, “fusão”.
O compromisso de 1826 provocou uma guerra civil que durou com intermitências para lá de 1834 e definiu uma regra básica: não podia haver entendimento de espécie alguma entre a esquerda e a direita, com o Estado em bancarrota e fome no país. Por isso, mesmo depois da vitória e a perseguição aos miguelistas, não houve paz que durasse entre campeões da liberdade. Com outros protagonistas, o ódio fervia como na véspera.
Em 1836, o radicalismo do Exército e da plebe de Lisboa resolveram abolir a Carta e combinaram com a rainha (que resistiu) pôr simultaneamente em vigor a Carta e a Constituição de 1822. Portugal, num exemplo de “fusão” a que toda a gente chamava o “pastel”, ficou com duas Constituições, enquanto se preparava a terceira para as substituir. Essa terceira devia ser “o mais parecida possível” com a Carta, para contentar os “revolucionários” de Setembro e o partido com quem eles tinham alacremente corrido. Em 1838, estava pronta e tomou o nome solene de “Ordem”. Não existiria desordem porque, em princípio, o acordo era universal. Só que não era e a “Ordem” deslizou suavemente para a direita e acabou a restaurar a velha Carta (de 1826 e 1834) em 1842.
Costa Cabral,  o dono da nova situação, imaginou então fabricar um compromisso pela força, o juste milieu. Aguentou com dificuldade quatro anos e caiu com uma guerra civil, a da “Patuleia”. O Estado devia ao mundo inteiro e a fome continuava. Em 1851, Saldanha, apoiado por uma intervenção prévia da Espanha e da Inglaterra, estabeleceu a concórdia universal e Fontes Pereira de Melo sustentou essa concórdia com dinheiro da Inglaterra e da França. Veio logo a época dourada da “Regeneração”, com um pequeno intervalo (cinco anos) em que a diminuição em quantidade e valor das remessas do Brasil levou os partidos que andavam em litígio fingido a uma verdadeira “fusão”, em que partilharam irmãmente Portugal. A fome não apertava tanto e o Estado parecia solvente. Em 1890-1893, a ilusão morreu. Dali em diante, como entre 1817 e 1851, uma guerra civil larvar ou activa não deixou os portugueses. Salazar, com a censura, o Exército e a polícia política, abafou essas longas festividades. Hoje, o Governo que fala em “consenso” e o PS que o recusa por razões triviais não percebem que o “consenso” implica um Estado com dinheiro, e muito dinheiro, e crescimento económico. Não sabem história.

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