Uma breve
história de “Consensos” nos é magistralmente descrita por Vasco Pulido
Valente, no seu artigo do Público de 7 de Março – da Carta
Constitucional a Fontes Pereira de Melo, nas muitas andanças dos conceitos de
poder e de dinheiros emprestados e mal parados, para fundamento das ilações
sobre o consenso que o Governo actualmente exige ao PS, co-responsável nas
políticas de esbanjamento ao longo dos últimos 40 anos de governações catastróficas
e actualmente posicionada num Governo que, encetando uma política de resgate
financeiro, ajudou à destruição económica pelo empobrecimento geral,
ressalvados os casos de conservação plutocrática, sempre meritórios.
A conclusão do texto de que os “consensos”
requerem dinheiro, que não existe, - «Hoje, o Governo que fala em “consenso” e o PS que o recusa por
razões triviais não percebem que o “consenso” implica um Estado com dinheiro, e
muito dinheiro, e crescimento económico. Não sabem história.» – não sei se
corresponde, todavia, a uma asserção de credibilidade, já que nas referidas tentativas
anteriores de consenso também faltou o dinheiro, pelo menos para o povo do pé
rapado, que de vez em quando reagia nas suas patuleias da indignação
desestabilizadora.
O
que julgo é que o PS deveria, por interesse próprio, participar no consenso
pedido, e que o nosso PR tão ansiosamente propõe também, pela comparação com
outros países de uma Europa de princípios e de amor pátrio menos floreado e mais
sentido.
É
que o PS não tarda que será Governo e necessitará do consenso dos partidos que
agora compõem o actual, para ficar tudo em família, nesta coisa do rotativismo
que nos persegue, como já João de Deus nos pintava com bonomia e argúcia no seu
epigrama “Eleições”:
Há entre el-rei e o
povo
Por certo um acordo
eterno:
Forma el-rei governo
novo
Logo o povo é do
governo
Por aquele acordo
eterno
Que há entre el-rei e o
povo.
Graças a esta harmonia
,
Que é realmente um mistério,
Havendo tantas facções,
O governo, o
ministério,
Ganha sempre as
eleições
Por enorme maioria,
Havendo tantas facções
É realmente um
mistério!
Como o poeta João de
Deus olhava satiricamente o rotativismo monárquico
É
bem verdade que o povo, ao contrário do de outrora, do tempo de João de Deus,
civilizou-se mais, talvez por ter bebido na Cartilha Maternal do mesmo João de
Deus as letras primeiras da sua formação, e agora prima pela sua rebeldia inquisidora,
escolhendo de preferência a Oposição para denegrir o Governo. Caberá ao PS
chamar a si as parcelas dos outros partidos ansiosas de mudança, e procurar o
tal consenso com a maioria prudente. Por isso, e dada a sua responsabilidade no
naufrágio da nação, que o piloto actual tenta erguer dos fundos marítimos, de
Atlântida submersa, não deve escusar-se a anuir ao consenso. No mesmo intuito
de levar a bom porto a barca perdida.
Uma pequena história do
"consenso"
Para explicar o que foi o “consenso” em Portugal, talvez seja
melhor começar pela Carta Constitucional de 1826, “outorgada” por D. Pedro IV.
A Carta pretendia reconciliar o radicalismo “vintista” com o antigo regime, e a
alta nobreza tradicional com a classe média e a plebe das cidades. Não se dizia
“consenso” nessa altura, mas mais gramaticalmente “compromisso” e, em certos
casos, “fusão”.
O compromisso de 1826 provocou uma guerra civil que durou com
intermitências para lá de 1834 e definiu uma regra básica: não podia haver
entendimento de espécie alguma entre a esquerda e a direita, com o Estado em
bancarrota e fome no país. Por isso, mesmo depois da vitória e a perseguição
aos miguelistas, não houve paz que durasse entre campeões da liberdade. Com
outros protagonistas, o ódio fervia como na véspera.
Em 1836, o radicalismo do Exército e da plebe de Lisboa
resolveram abolir a Carta e combinaram com a rainha (que resistiu) pôr
simultaneamente em vigor a Carta e a Constituição de 1822. Portugal, num
exemplo de “fusão” a que toda a gente chamava o “pastel”, ficou com duas
Constituições, enquanto se preparava a terceira para as substituir. Essa
terceira devia ser “o mais parecida possível” com a Carta, para contentar os
“revolucionários” de Setembro e o partido com quem eles tinham alacremente
corrido. Em 1838, estava pronta e tomou o nome solene de “Ordem”. Não existiria
desordem porque, em princípio, o acordo era universal. Só que não era e a
“Ordem” deslizou suavemente para a direita e acabou a restaurar a velha Carta
(de 1826 e 1834) em 1842.
Costa Cabral, o dono da nova situação, imaginou então
fabricar um compromisso pela força, o juste milieu. Aguentou com
dificuldade quatro anos e caiu com uma guerra civil, a da “Patuleia”. O Estado
devia ao mundo inteiro e a fome continuava. Em 1851, Saldanha, apoiado por uma
intervenção prévia da Espanha e da Inglaterra, estabeleceu a concórdia
universal e Fontes Pereira de Melo sustentou essa concórdia com dinheiro da
Inglaterra e da França. Veio logo a época dourada da “Regeneração”, com um
pequeno intervalo (cinco anos) em que a diminuição em quantidade e valor das
remessas do Brasil levou os partidos que andavam em litígio fingido a uma
verdadeira “fusão”, em que partilharam irmãmente Portugal. A fome não apertava
tanto e o Estado parecia solvente. Em 1890-1893, a ilusão morreu. Dali em
diante, como entre 1817 e 1851, uma guerra civil larvar ou activa não deixou os
portugueses. Salazar, com a censura, o Exército e a polícia política, abafou
essas longas festividades. Hoje, o Governo que fala em “consenso” e o PS que o
recusa por razões triviais não percebem que o “consenso” implica um Estado com
dinheiro, e muito dinheiro, e crescimento económico. Não sabem história.
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