Um artigo de um escritor historiador
decididamente zangado e depreciativo, no arrojo e artifício das suas elucubrações
altivas que não poupam os comparsas responsáveis pela evolução das nossas
políticas catastróficas e nem mesmo os que por elas foram enganados, vivendo “no
céu ou na gruta” da indiferença ou da ignorância, que é, de resto, o
conceito menosprezante com que Vasco Pulido Valente, do Olimpo do seu saber, define
o povo português, na sua planura espiritual.
Mas o texto tem, de facto, graça, na
arrogância com que desmistifica a pretensão dos mais de setenta notáveis que, dos
vários quadrantes políticos, paradoxalmente se aliam, aparentemente com o fito
no bem comum, e escondendo, bem no íntimo, os objectivos próprios, de intenção vária,
embora empolando unicamente o da intenção generosa, salvadora da nação.
Saiu no Público, em 15 de Março:
A BRIGADA DO REUMÁTICO
Um manifesto assinado por
70 personalidades (de facto, 74) provocou por aí uma grande comoção
jornalística, não se percebe porquê. As ditas personalidades são na sua maioria
políticos reformados, ou, para falar com franqueza, políticos falhados. Nenhum
deixou uma obra que mereça ser lembrada ou que tenha mudado radicalmente o
destino do país. Mas por razões que escapam ao cidadão comum não há um que não
se ache importante na nossa mesquinha vida e não pense que a sua egrégia
opinião nos faz muitíssima falta. Este imaginário sentido da responsabilidade
acabou por os levar a comunicar aos portugueses (cuja idiotia eles tentam
corrigir) algumas verdades práticas de que a Pátria precisa para se salvar.
Antes de entrar na matéria, devemos manifestar a nossa gratidão pela sua
sabedoria e pelo inevitável incómodo, que lhes custou escrever e assinar um
papel.
O papel, visto com um olho desconfiado (e, se quiserem, cínico),
não passa de um acto eleitoral. Por outras palavras, de um desabafo colectivo
da oposição, que neste caso vai de Adriano Moreira a Francisco Louçã e de João
Cravinho ao dilecto discípulo de Marcelo, Diogo Freitas do Amaral. Ficam muito
bem juntos na sua essencial irrelevância. Parecem a “brigada do reumático”,
virada do avesso e revista pela democracia. A intenção era embaraçar Cavaco,
que não se embaraçou e pôs rapidamente na rua dois dos signatários; atrapalhar
o Governo, que não se atrapalhou; e dar uma ajudinha ao camarada Assis na
eleição para o Parlamento Europeu, coisa a verificar não tarda muito.
Mas, fora isso, esta inesperada união nacional apresentou um
plano para nos tirar de apuros. Uma parte do plano repete a cartilha sobre as
possibilidades de pagar a dívida e não impressiona ninguém, excepto quem andar
no céu ou viver numa gruta. A outra parte do plano é do género hipotético: se a
“Europa” não estivesse no estado em que está, se a sra. Merkel não pensasse o
que pensa, se a Inglaterra não concordasse com a sra. Merkel, nem a Holanda,
nem a Finlândia… tudo se resolvia num fósforo. Ou se a “reestruturação” da
dívida portuguesa não abrisse um precedente, em que a Roménia, por exemplo, se
pudesse pendurar… então. A conversa lembra definitivamente a velha conversa
sobre a minha avó e as rodas que ela não tinha. Por mim, compreendo do coração
as saudades de um mundo que passou. Mas não sou um grande entusiasta do delírio
senil.
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