terça-feira, 4 de março de 2014

“Já está!”



Tem La Fontaine uma fábula
Sobre um carreteiro caído num fosso
Que ele retirou de Esopo,
- “O Boieiro e Héracles”
O Carreteiro atolado
Do fabulista francês,
A quem, solenemente,
Aquele chamou de faetonte
Apesar de se tratar
Não de um coche solar escaldante
Mas de um carro de palha trazido do monte.
Como ficou prostrado,
E o carreteiro indignado
Se pôs em suplicante oração,
Ele vem a calhar
À nossa situação
De suplicantes crónicos
Em débitos permanentes
De delinquentes.
Vejamos então:

«O Carreteiro atolado»

«O faetonte dum carro de feno
Viu o seu carro atolado numa ravina.
O pobre do homem estava afastado
De todo o socorro humano.
Era no campo, perto
De um certo cantão na baixa Bretanha
Chamado Quimper Corentino
Buraco perdido onde o Destino
Enfia as gentes quando as quer punir.
Deus nos preserve de tal viagem
Autêntico exílio para quem quer viver
Na capital da erudição e do prazer
Que é o Paris da nossa vivência.
Mas voltemos ao carreteiro atolado
Em tal lugar, sem qualquer personagem
Que o viesse socorrer.
Ei-lo que se enfurece
E solta palavrões a esmo,
Contra os buracos, contra os cavalos
Contra a carroça, contra si mesmo.
Por fim invoca o Deus, cujos trabalhos
Tão célebres são no mundo:
“Hércules, suplica, ajuda-me,
Se o teu dorso suportou outrora
A máquina redonda e potente,
(Em substituição momentânea do monte Atlas)
Bem pode o teu braço valente
Tirar-me daqui agora.”
Feita a oração, ele ouve na nuvem
Uma voz que assim lhe fala:
“Hércules impõe primeiro
Que se trabalhe e só depois
Ajuda as gentes. Vê donde provém
O obstáculo que te retém.
Tira em seguida das rodas
Essa infeliz argamassa,
Essa maldita lama
Que até ao eixo se fixou,
E as prendeu.
Pega no sacho e destrói
O calhau que as impede
Enche-me essa cova.
Já está?” “- Sim,” -  diz o homem.
“ – Ora bem, vou-te ajudar. – soa a voz.
Pega no chicote.” – “Já peguei.
Que é isto? O meu carro está a andar!
Hércules seja louvado!”
Responde a voz: “Vês
Como os cavalos facilmente
Se desenvencilharam?
E tu igualmente.
Ajuda-te, o Céu te ajudará,
Sempre clemente.”

Foi com estas histórias esclarecedoras
E muitas outras dos seus estudos progressivos
Próprios dos seres racionais,
Que os povos das zonas promissoras
De uma Europa empenhada
Foi educada.
Por isso são cumpridores,
Normais,
E antes de pedirem ajuda aos deuses
Tentam resolver a sua deficiência
Com eficiência.
Nós, pelo contrário,
Resistentes ao esforço próprio,
Mais adeptos do fadário
Implícito no fado
Segundo a sina rezada
Nas linhas traçadas na nossa mão,
Usamos provérbios
Que nos apoiam na extravagância
Da nossa indolência,
Como o que afirma
“Não é por muito madrugar
Que amanhece mais cedo”,
Que confirma as injustiças
Das muitas cobiças.
Embora tenhamos também
Provérbios apoiantes
Da tese da fábula antiga,
Incitando-nos a produzir
Antes de pedir:
“Fia-te na Virgem e não corras!”
Ou esse de antiga homeopatia
Pela alegria:
“Deitar cedo e cedo erguer
Dá saúde e faz crescer”…
Mas isso era antigamente
Antes da Internet.
Lidamos melhor com a cunha
Não tenho dúvida nenhuma.

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