domingo, 10 de janeiro de 2016

A força das coisas



Uma mão cheia de questões, trazidas por textos ricos como o de António da Cunha Duarte Justo sobre as políticas dos países a anos-luz do nosso, relativamente aos países da periferia e do nosso, em especial, muito específico na tal distância, para ficarem sempre a ganhar, aproveitando-se da sua superioridade espacial no brilho e eficácia das suas armas de todas as espécies. Não podemos ser ingratos, todavia, e reconheçamos que a ajuda, ao que parece não tanto de carácter altruísta e sim egoísta, nos libertou em grande parte da camada de sarro que se nos ficou colado aos pés desde as peixeiras  descalças nas descargas do carvão, vindas dos nossos confins e que Celário Verde poetizou, mas que Simone de Beauvoir também notou sem poesia e com desprezo, noutros nossos pés, não apenas de peixeiras, quando cá veio depois da guerra nazi, como conta nas suas memórias “La force des choses I. Porém, sabemos que a CEE nos foi emprestando as massas poderosas, para cobrirmos os nossos pés, construirmos as nossas  autoestradas  e destruirmos simultaneamente a nossa economia mais os nossos costumes de povo honrado que chegámos a ser, e de que se conta, como exemplo de peso, o caso das barbas que D. João de Castro empenhou, como garante da sua palavra, cuja referência não resisto a transcrever desta  maravilhosa autoestrada da Net:

«Foi um dos primeiros cientistas navegadores a pôr em prática os conhecimentos. Autor de três roteiros marítimos e o primeiro a descobrir a razão da coloração das águas do chamado Mar Vermelho. Nos seus roteiros e estudos desenvolveu a Oceanografia e a Geografia. Mandou ampliar e reconstruir de total ruína a Fortaleza de Diu que, sendo já Património Mundial classificado pela UNESCO, acabou recentemente de ver o seu valor reconfirmado com a eleição como uma das 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo. Para a sua construção pedira D. João de Castro verbas emprestadas à Câmara de Goa. Como penhora da sua palavra pensou primeiro em dar como garantia os restos mortais do seu próprio filho que falecera em batalha na Índia. Como o corpo se encontrava em avançado estado de decomposição empenhou as suas próprias barbas que a própria Câmara de Goa lhe devolveu, alegando confiar na palavra do Governador.»

Transcrevo o discurso que pronunciou, doente, perante entidades que, como vice-rei da Índia, mandou chamar, e que atesta tanto da nossa nacional idiossincrasia miserabilista de pé descalço, no meio da qual vão vicejando flores de primor, pormenor que igualmente Camões exemplificou:
"Não terei, senhores, pejo de vos dizer, que ao vice-rei da Índia faltam nesta doença as comodidades que acha nos hospitais o mais pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente; a vós mesmo quis empenhar os ossos de meu filho, e empenhei os cabelos da barba, porque para vos assegurar, não tinha outras tapeçarias nem baixelas. Hoje não houve nesta casa dinheiro, com que se me comprasse uma galinha; porque nas armadas que fiz, primeiro comiam os soldados os salários do governador, que os soldos de seu rei; e não é de espantar; que esteja pobre um pai de tantos filhos. Peço-vos, que enquanto durar esta doença me ordeneis da fazenda real uma honesta despesa, e pessoa por vós determinada, que com modesta taxa me alimente."

Mas leiamos o esclarecedor artigo de António da Cunha Duarte Justo a respeito das manobras unionistas dos países que as criaram:

UM PROJECTO DOS PAÍSES GRANDES PARA OS GRANDES
In A Bem da Nação, 6/1/16
UE pretende impor novo Direito de Asilo aos Países da Periferia
A União Europeia, ao criar a Zona euro, levou em conta a destruição das economias dos seus membros da periferia. Agora os países de economia forte, como a Alemanha, atraem os refugiados da guerra e da pobreza e não querem assumir, sozinhos, as consequências da situação criada em África.
A Alemanha por razões humanitárias, de mercado de trabalho e de envelhecimento da população, abriu as fronteiras aos refugiados sem consultar os parceiros europeus provocando uma corrosão do direito que até então regulava a entrada livre, sem controlo de passaportes, só para os países da comunidade. Agora sente-se invadida por mais de um milhão de refugiados em 2015. Como motora da UE, pressiona os seus parceiros no sentido de abdicarem do poder soberano nacional em questões de direito de asilo e fortalecer as fronteiras dos países limites da UE sem compensações para os países em situação precária também devida à sua posição geográfica e à reduzida população. Querem ver o direito de asilo centralizado, que seja regulado pela UE e não pelos estados nacionais. Na lógica de atenção aos grandes, o direito de asilo, a criar, deve salvaguardar excepções para a Inglaterra e para a Dinamarca.
Agora que as potências europeias ricas sofrem as consequências, da sua má política, no êxodo de povos para os seus países, pretendem distribuir os gastos da sua integração pelas “aldeias” tentando elaborar um compromisso que implicará novas regulamentações e também a obrigação de cada país membro aceitar um contingente de refugiados a determinar anualmente por Bruxelas na sua política de colonos. Pretende-se alcançar um compromisso até finais de Junho.
Países distraídos e subservientes (devido à corrupção da classe política comprometida que têm) costumam aceitar, em troca de um “prato de lentilhas”, à margem do povo, as regulamentações de Bruxelas sem precaverem as consequências que com elas acarretam para o país.
Enquanto os portugueses se esgotam numa discussão pública partidária esgotante que se pode resumir no mote “o meu partido é menos corrupto que o teu” ou na presunção pessoal “o meu é maior que o teu”, os países ricos da UE trabalham no seu interesse implementando leis que Portugal assina sem discussão e depois o povo e bem pensantes ainda têm a arrogância de dizer que o governo da Alemanha é egoísta por ter olhado pelos seus interesses enquanto a política portuguesa e a opinião pública se contenta com o cantar da cigarra!
Por um lado assiste-se à emigração de pessoal jovem qualificado dos países da periferia (que gastaram imenso dinheiro na sua formação académica) para os países ricos da Europa e estes, que ganham com a guerra e a miséria do povo das regiões muçulmanas, querem, por outro lado, impor aos países carenciados que aceitem o pessoal desqualificado vindo daquelas regiões.
As grandes potências europeias, em colaboração com os USA, fazem o negócio com a exportação de armas em lugares de conflito e com a exploração das matérias-primas africanas, provocando, juntamente com os contraentes regionais muçulmanos sunitas e xiitas, o êxodo de milhões de cidadãos.
A Alemanha, com o caos inesperado dos refugiados em casa, procura defender-se, com Bruxelas, e tentar distribuir os males pelas aldeias, tentando para isso implementar medidas e directivas que imponham os interesses estratégicos, políticos, económicos e geográficos dos países do núcleo contra os da periferia; interesses económicos e estratégicos do centro norte que são antagónicos aos da periferia e que esta mais tarde pagará caro.
Infelizmente, cada país procura na UE as suas vantagens e quem dorme perde o comboio. O núcleo criou o alargamento do seu mercado de alta tecnologia e máquinas para países como a China à custa de estes poderem concorrer com os seus produtos com as economias fracas periféricas. Antes os países fortes em tecnologia recebiam têxteis, peixe, manufacturados e produtos agrícolas de Portugal e de outros países da margem em troca da sua maquinaria para depois com o mercado aberto da UE passarem a receber esses produtos directamente da China por serem mais baratos do que os portugueses; as pequenas e médias empresas portuguesas foram destruídas por não poderem concorrer com o mercado barato chinês. Quem pagou, em grande parte, a factura da entrada dos alemães no mercado chinês foram os portugueses e os países da periferia. Agora com a política de imigração em via, a Alemanha e outras potências preparam-se para ganhar a próxima guerra da concorrência social entre as camadas desprotegidas dos países membros.
Uma sociedade não pode ser governada apenas por interesses económicos; uma UE que se preocupa apenas com os interesses imediatos das suas potências fortes não é digna da cultura europeia donde nasceu; precisa de voltar a uma ética de base cristã que defenda o amor ao próximo, ao estrangeiro e a misericórdia para com todos. Uma política imposta, de cima para baixo, por interesses estratégicos de algumas potências europeias fomenta o cepticismo e ameaça a coesão dos 28 países.»

O certo é que o parágrafo final do texto de Duarte Justo, pura conclusão moralista, escusara de existir. Os países a anos-luz do nosso, de que a Alemanha é cabeça, como se notou ao longo da sua história, embora espaço de muitos pensadores, são também espaço de gente valente e trabalhadora destemida. Quando lhes falta essa – que naturalmente não falta nos cargos de maior intelectualidade – usam a da imigração, de maior alombamento, e até, no tempo da guerra nazi, souberam utilizar os estrangeiros da sua Ocupação, no STO, para as fábricas das bombas e doutros artifícios da sua conveniência. Não iam agora incomodar-se com esses pruridos de consciência de que trata Duarte Justo no seu parágrafo conclusivo.
Mas outros artigos tenho lido de grande gabarito, e tal foi o de Clara Ferreira Alves de 31/12/15 – «A CAMARILHA» que o Expresso não me deixa transcrever, muito forreta, mas de que não resisto a copiar alguns dados, próprios de uma pena forte e inteligentemente observadora, sobre as nossas tais idiossincrasias, não de gente que empenha as barbas, aliás inexistentes, hoje, e que a ninguém apeteceriam como penhor, mas de gente sintomática dos novos tempos, que se aproveitou dos tais dinheiros injectados  pela aparente generosidade da União Europeia para formar um “sistema financeiro” que “é uma porta rotativa e cobre-se de um manto de silêncio que nunca ninguém tentou destapar». … “Alguns destes fundaram bancos e modernizaram a banca portuguesa, outros foram donos disto tudo e durante anos glorificados por jornalistas e analistas, até serem atirados para sarjeta e culpados disto tudo. Estes tubarões, pelo menos, contribuíram para a economia portuguesa e, com ilícitos penais à mistura e abusos do poder, criaram riqueza. São as cabeças deles que aparecem no cepo, mas não são eles os autores da destruição do sistema financeiro. Esses são os políticos e politiqueiros que eles recrutaram e que abancaram no regime, são os empresários ligados ao ventilador do Estado, são os empregados do partido, são os ministros desempregados, são os confidentes dos reis, são as legiões de assessores e advogados e conselheiros, são os argutos analistas que nunca repararam em nada e que almoçam com eles. São as rémoras que têm as ventosas cravadas no dorso dos tubarões e que se deixam transportar e alimentar dos restos que lhes caem na boca. Chama-se isto, na natureza, “comensalismo”. Chamamos na ditosa pátria, sistema financeiro. Porque o comensalismo é parte substantiva da democracia e a sua teia de alianças é parte constitutiva do sistema partidário, nenhuma agremiação o põe em causa. Seria antidemocrático.….»

Quais barbas de molho?!
Houve um governo que foi atamancando o seu penhor de devolução a uma Europa falsamente generosa, por imposição dessa mesma Europa rígida ante os devedores periféricos, mas não pôde continuar o seu trabalho de resgate, mesmo sem as ditas barbas da nossa honradez pelintra, graças ao desvirtuamento fraudulento dos resultados eleitorais a que nos conduziu a nossa actual constituição física e moral imberbe, que o artigo de Clara Ferreira Alves tão primorosamente analisa, aliás sem a preocupação do tal resgate da dívida, mas a todos incriminando, gente enfiada  no mesmo saco, todos fazendo parte da camarilha, o que, todavia, não será muito justo para os pategos do “Cá por aqui é honra” que D. Gil, futuro S. Frei Gil, encontraria próximo do castelo de Lanhoso, quando procurava a desaparecida  sua muito amada Soleima.

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