Uma
mão cheia de questões, trazidas por textos ricos como o de António da Cunha
Duarte Justo sobre as políticas dos países a anos-luz do nosso, relativamente
aos países da periferia e do nosso, em especial, muito específico na tal
distância, para ficarem sempre a ganhar, aproveitando-se da sua superioridade espacial
no brilho e eficácia das suas armas de todas as espécies. Não podemos ser
ingratos, todavia, e reconheçamos que a ajuda, ao que parece não tanto de
carácter altruísta e sim egoísta, nos libertou em grande parte da camada de
sarro que se nos ficou colado aos pés desde as peixeiras descalças nas descargas do carvão, vindas dos
nossos confins e que Celário Verde poetizou, mas que Simone de Beauvoir também
notou sem poesia e com desprezo, noutros nossos pés, não apenas de peixeiras,
quando cá veio depois da guerra nazi, como conta nas suas memórias “La force
des choses I. Porém, sabemos que a CEE nos foi emprestando as massas
poderosas, para cobrirmos os nossos pés, construirmos as nossas autoestradas e destruirmos simultaneamente a nossa economia
mais os nossos costumes de povo honrado que chegámos a ser, e de que se conta,
como exemplo de peso, o caso das barbas que D. João de Castro empenhou, como
garante da sua palavra, cuja referência não resisto a transcrever desta maravilhosa autoestrada da Net:
«Foi um dos
primeiros cientistas navegadores a pôr em prática os conhecimentos. Autor de
três roteiros marítimos e o primeiro a descobrir a razão da coloração das águas
do chamado Mar Vermelho. Nos seus roteiros e estudos desenvolveu a Oceanografia
e a Geografia. Mandou ampliar e reconstruir de total ruína a Fortaleza de Diu
que, sendo já Património Mundial classificado pela UNESCO, acabou recentemente
de ver o seu valor reconfirmado com a eleição como uma das 7 Maravilhas de
Origem Portuguesa no Mundo. Para a sua construção pedira D. João de Castro
verbas emprestadas à Câmara de Goa. Como penhora da sua palavra pensou primeiro
em dar como garantia os restos mortais do seu próprio filho que falecera em
batalha na Índia. Como o corpo se encontrava em avançado estado de decomposição
empenhou as suas próprias barbas que a própria Câmara de Goa lhe devolveu,
alegando confiar na palavra do Governador.»
Transcrevo o
discurso que pronunciou, doente, perante entidades que, como vice-rei da Índia,
mandou chamar, e que atesta tanto da nossa nacional idiossincrasia
miserabilista de pé descalço, no meio da qual vão vicejando flores de primor, pormenor que igualmente Camões exemplificou:
"Não terei, senhores, pejo de vos dizer, que ao
vice-rei da Índia faltam nesta doença as comodidades que acha nos hospitais o
mais pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente; a vós mesmo
quis empenhar os ossos de meu filho, e empenhei os cabelos da barba, porque
para vos assegurar, não tinha outras tapeçarias nem baixelas. Hoje não houve
nesta casa dinheiro, com que se me comprasse uma galinha; porque nas armadas
que fiz, primeiro comiam os soldados os salários do governador, que os soldos de
seu rei; e não é de espantar; que esteja pobre um pai de tantos filhos.
Peço-vos, que enquanto durar esta doença me ordeneis da fazenda real uma
honesta despesa, e pessoa por vós determinada, que com modesta taxa me
alimente."
Mas leiamos o esclarecedor artigo de António da Cunha
Duarte Justo a respeito das manobras unionistas dos países que as criaram:
UM PROJECTO DOS PAÍSES GRANDES PARA OS GRANDES
In A Bem da Nação, 6/1/16
UE pretende impor novo Direito de Asilo aos
Países da Periferia
A União Europeia, ao criar a Zona euro, levou
em conta a destruição das economias dos seus membros da periferia. Agora os
países de economia forte, como a Alemanha, atraem os refugiados da guerra e da
pobreza e não querem assumir, sozinhos, as consequências da situação criada em
África.
A Alemanha por razões
humanitárias, de mercado de trabalho e de envelhecimento da população, abriu as
fronteiras aos refugiados sem consultar os parceiros europeus provocando uma corrosão do direito que até
então regulava a entrada livre, sem controlo de passaportes, só para os países
da comunidade. Agora sente-se invadida por mais de um milhão de refugiados em
2015. Como motora da UE, pressiona
os seus parceiros no sentido de abdicarem do poder soberano nacional em
questões de direito de asilo e fortalecer as fronteiras dos
países limites da UE sem compensações para os países em situação precária
também devida à sua posição geográfica e à reduzida população. Querem ver o
direito de asilo centralizado, que seja regulado pela UE e não pelos estados
nacionais. Na lógica de atenção aos
grandes, o direito de asilo, a criar, deve salvaguardar excepções para a
Inglaterra e para a Dinamarca.
Agora que as potências europeias ricas sofrem
as consequências, da sua má política, no êxodo de povos para os seus países,
pretendem distribuir os gastos da sua integração pelas “aldeias” tentando
elaborar um compromisso que implicará novas regulamentações e também a
obrigação de cada país membro aceitar um contingente de refugiados a determinar
anualmente por Bruxelas na sua política de colonos. Pretende-se alcançar um compromisso até finais
de Junho.
Países distraídos e subservientes (devido à
corrupção da classe política comprometida que têm) costumam aceitar, em troca
de um “prato de lentilhas”, à margem do povo, as regulamentações de Bruxelas
sem precaverem as consequências que com elas acarretam para o país.
Enquanto os portugueses se
esgotam numa discussão pública partidária esgotante que se pode resumir no mote
“o meu partido é menos corrupto que o teu” ou na presunção pessoal “o meu é
maior que o teu”, os países ricos da UE trabalham no seu interesse implementando leis que Portugal assina sem
discussão e depois o povo e bem pensantes ainda têm a arrogância de dizer que o
governo da Alemanha é egoísta por ter olhado pelos seus interesses enquanto a
política portuguesa e a opinião pública se contenta com o cantar da cigarra!
Por um lado assiste-se à
emigração de pessoal jovem qualificado dos países da periferia (que gastaram
imenso dinheiro na sua formação académica) para os países ricos da Europa e
estes, que ganham com a guerra e a miséria do povo das regiões muçulmanas,
querem, por outro lado, impor aos países carenciados que aceitem o pessoal
desqualificado vindo daquelas regiões.
As grandes potências europeias, em
colaboração com os USA, fazem o negócio com a exportação de armas em lugares de
conflito e com a exploração das matérias-primas africanas, provocando,
juntamente com os contraentes regionais muçulmanos sunitas e xiitas, o êxodo de
milhões de cidadãos.
A Alemanha, com o caos inesperado dos
refugiados em casa, procura defender-se, com Bruxelas, e tentar distribuir os
males pelas aldeias, tentando para isso implementar medidas e directivas que
imponham os interesses estratégicos, políticos, económicos e geográficos dos
países do núcleo contra os da periferia; interesses económicos e estratégicos
do centro norte que são antagónicos aos da periferia e que esta mais tarde
pagará caro.
Infelizmente, cada país
procura na UE as suas vantagens e quem dorme perde o comboio. O núcleo criou o alargamento do seu mercado
de alta tecnologia e máquinas para países como a China à custa de estes poderem
concorrer com os seus produtos com as economias fracas periféricas. Antes os
países fortes em tecnologia recebiam têxteis, peixe, manufacturados e produtos
agrícolas de Portugal e de outros países da margem em troca da sua maquinaria
para depois com o mercado aberto da UE passarem a receber esses produtos
directamente da China por serem mais baratos do que os portugueses; as pequenas
e médias empresas portuguesas foram destruídas por não poderem concorrer com o
mercado barato chinês. Quem pagou, em grande parte, a factura da entrada dos alemães no
mercado chinês foram os portugueses e os países da periferia. Agora com a política de imigração em via,
a Alemanha e outras potências preparam-se para ganhar a próxima guerra da
concorrência social entre as camadas desprotegidas dos países membros.
Uma sociedade não pode ser governada apenas
por interesses económicos; uma UE que se preocupa apenas com os interesses
imediatos das suas potências fortes não é digna da cultura europeia donde
nasceu; precisa de voltar a uma ética de base cristã que defenda o amor ao
próximo, ao estrangeiro e a misericórdia para com todos. Uma política imposta,
de cima para baixo, por interesses estratégicos de algumas potências europeias
fomenta o cepticismo e ameaça a coesão dos 28 países.»
O certo é que o parágrafo final do texto de
Duarte Justo, pura conclusão moralista, escusara de existir. Os países a
anos-luz do nosso, de que a Alemanha é cabeça, como se notou ao longo da sua
história, embora espaço de muitos pensadores, são também espaço de gente
valente e trabalhadora destemida. Quando lhes falta essa – que naturalmente não
falta nos cargos de maior intelectualidade – usam a da imigração, de maior
alombamento, e até, no tempo da guerra nazi, souberam utilizar os estrangeiros
da sua Ocupação, no STO, para as fábricas das bombas e doutros artifícios da
sua conveniência. Não iam agora incomodar-se com esses pruridos de consciência
de que trata Duarte Justo no seu parágrafo conclusivo.
Mas
outros artigos tenho lido de grande gabarito, e tal foi o de Clara Ferreira
Alves de 31/12/15 – «A CAMARILHA» que o Expresso não me deixa
transcrever, muito forreta, mas de que não resisto a copiar alguns dados,
próprios de uma pena forte e inteligentemente observadora, sobre as nossas tais
idiossincrasias, não de gente que empenha as barbas, aliás inexistentes, hoje,
e que a ninguém apeteceriam como penhor, mas de gente sintomática dos novos
tempos, que se aproveitou dos tais dinheiros injectados pela aparente generosidade da União Europeia para
formar um “sistema financeiro” que “é uma porta rotativa e
cobre-se de um manto de silêncio que nunca ninguém tentou destapar». … “Alguns
destes fundaram bancos e modernizaram a banca portuguesa, outros foram donos
disto tudo e durante anos glorificados por jornalistas e analistas, até serem
atirados para sarjeta e culpados disto tudo. Estes tubarões, pelo menos,
contribuíram para a economia portuguesa e, com ilícitos penais à mistura e
abusos do poder, criaram riqueza. São as cabeças deles que aparecem no cepo,
mas não são eles os autores da destruição do sistema financeiro. Esses são os
políticos e politiqueiros que eles recrutaram e que abancaram no regime, são os
empresários ligados ao ventilador do Estado, são os empregados do partido, são
os ministros desempregados, são os confidentes dos reis, são as legiões de
assessores e advogados e conselheiros, são os argutos analistas que nunca
repararam em nada e que almoçam com eles. São as rémoras que têm as ventosas
cravadas no dorso dos tubarões e que se deixam transportar e alimentar dos
restos que lhes caem na boca. Chama-se isto, na natureza, “comensalismo”.
Chamamos na ditosa pátria, sistema financeiro. Porque o comensalismo é parte
substantiva da democracia e a sua teia de alianças é parte constitutiva do
sistema partidário, nenhuma agremiação o põe em causa. Seria antidemocrático.….»
Quais
barbas de molho?!
Houve
um governo que foi atamancando o seu penhor de devolução a uma Europa
falsamente generosa, por imposição dessa mesma Europa rígida ante os devedores
periféricos, mas não pôde continuar o seu trabalho de resgate, mesmo sem as
ditas barbas da nossa honradez pelintra, graças ao desvirtuamento fraudulento dos
resultados eleitorais a que nos conduziu a nossa actual constituição física e
moral imberbe, que o artigo de Clara Ferreira Alves tão primorosamente analisa,
aliás sem a preocupação do tal resgate da dívida, mas a todos incriminando, gente enfiada
no mesmo saco, todos fazendo parte da
camarilha, o que, todavia, não será muito justo para os pategos do “Cá por
aqui é honra” que D. Gil, futuro S. Frei Gil, encontraria próximo do
castelo de Lanhoso, quando procurava a desaparecida sua muito amada Soleima.
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